O círculo de jaz
por maneco nascimento
O Festival de Teatro Lusófono – FESTLUSO recebeu em sua programação para o Theatro 4 de Setembro, dia 27 de agosto de 2011, às 21 horas, a obra para cena de nova dança, fruto de criação de marcelo evelin/demolition inc./núcleo do dirceu, intitulada “Matadouro”.
(Elenco de "Matadouro"/foto: divulgação)
No programa apresentado ao público, a informação de que “(...) MATADOURO investiga o corpo como metáfora de um campo de batalha em que a luta travada entre o oficial e o marginal, entre a selvageria e civilidade, entre o território e o mundo globalizado, lança no espaço subjetivo e intermediário do “entre.” Nem lá, nem cá, o indivíduo avança na tensão entre seguir e desistir (...)”
O espetáculo visto se fecha em oito intérpretes, sete homens e uma mulher, numa variação para o mesmo tema em que a performance, durante mais de uma hora, se realiza em o grupo correr em circulo anti-horário. Estão em pelo e mascarados.
Em alguns momentos alguém se desloca do desenho do círculo de jaz e evolui na periferia do núcleo em particularidades do intérprete-criador.
Perseguem, os intérpretes, a trilha original de Franz Schubert, “Quinteto em C Maior”. O público sujeito à premeditada encenação da marca repetida, pareceu desconfortar-se, mas educadamente manteve-se no batente da casa armada pela manifestação da dança contemporânea.
A quebra do lugar comum, talvez em fuga do transe do ruminar das vacas cansadas nas tardes de agosto, licença poética de H. Dobal, ocorre quando um dos de rosto coberto “dá o dedo” para os céus, quem sabe em sinal de anarquia, ou metáfora desdenhosa à terra que lhe nega abrigo, logo a “luta” repetida.
Investigação emprestada de uma parte do romance Os Sertões, de Euclides da Cunha, o capítulo da Luta, deixa sinal de recepção extremamente ampla para os que melhor possam assimilar de primeira e também para os que precisariam, quem sabe, buscar na poeira levantada pelos pés dos guerreiros da terra seca, sinal difuso nas marcas invisíveis e abstratas.
Em busca de recuperação de terra confiscada, marcelo evelin/demolition in. núcleo do dirceu (assim mesmo, grafado em minúsculo na capa do programa da peça) parece debater-se para novos perímetros de ciência da cena em misturas e combinações para as quais as matemáticas ainda se fecham em aritmética de dois e dois fechando em cinco.
(Marcelo Evelin/diretor-coreógrafo de "matadouro"/foto divulgação)
A dramaturgia forjada pelos foles de hefestos parece não se reconhecer como da mesma matéria que constrói todo mortal. De ansiosa disputa por reconhecimento divino e limites de propriedade concentrados em poder de ades e zeus de barro, o discurso de emblemas e signos e siglas de “Matadouro” acaba em forçosa manifestação da justiça pública.
E, ao contrário do “círculo de giz caucasiano” (Bertolt Brecht – 1944/EUA) em que Grusche abre mão de Miguel para não machucá-lo, protegendo-o da disputa de poder da rainha Natella Abaschvíli, as falas e oralidades corporais de “Matadouro” conspiram a um eufemismo da guerra de amor maternal que, ao tentar puxar os filhos para fora do círculo estabelecido por Azdak, acabam condenando-os ao círculo de jaz.
O estupefato silêncio da platéia, ao final da leitura contemporânea para "Os Sertões", visionada por Marcelo Evelin e traduzida em “Matadouro” não deixa dúvidas do propósito planejado para o diverso das recepções que poderiam variar entre o entorpecido, o atônito, o assombrado e o estarrecido da assistência presente.
(Elenco de "Matadouro"/foto: divulgação)
“Matadouro”, em cena lusófona no dia 27 de agosto de 2011, deu seu recado e demoliu a comodidade da cidade de Teresina que, sob olhar da nova dança praticada, pode até negar terra e mar aos de sentimentos e vaidades divinos, mas teve que, por princípio da educação de província, ficar até o fim do desmanche da Luta em Os Sertões de olhar eveliniano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário