Mar de belo
por maneco nascimento
“(...) E eis que é chegado o momento de encontrar outros olhares, tecer outras redes, desembocar em outras águas e embarcar em viagens ímpares com tripulações a cada noite, sempre embalados no mal-me-quer-bem-me-quer do cair das pétalas que fazem esse mar que nos quer.” (A Outra Companhia de Teatro)
("Mar Me Quer"/foto: divulgação)
O Teatro Estação recebeu, fechando sua programação lusófona, um mar de beleza e poesia transmutada para a cena em “Mar Me Quer”, montagem d’A Outra Companhia de Teatro, de Salvador, da Bahia, em 27 de agosto de 2011, no horário das 23 horas.
Texto/Inspiração nas veias lingüísticas de Mia Couto e Natália Luiza, com Direção/Dramaturgia de Luiz Antônio Jr., Adaptação para carpintaria de cena de A Outra Companhia de Teatro e Assistência de Direção de Israel Barreto e Hayaldo Copque, o espetáculo “Mar Me Quer” tem cheiro de maresia e sabor de terreno lambido pelo sal das marés e memórias praieiras.
A Direção Musical de Marco França para o repertório apresentado vai se derramando e embalando as memórias contadas e recontadas, enquanto os intérpretes vão intercalando-se nas mesmas personagens.
A Cenografia de Lorena Torres Peixoto, com Assistência de Maurício Dominguez é prática, funcional e de integração poética nas relações das personagens enredadas.
A peça tem luz própria que assoma qualificável sustentação para as lâminas de AC Costa e Marcos Dedé. Os costumes, apresentados pelas costureiras Letícia Santos e Saraí Reis, arredondam as composições sobrepostas ao mapa cenográfico e se ampliam no contato com a Caracterização realizada por Luiz Santana e Catarina Rosa Campos.
Ainda estão na linha de frente ao resultado de “Mar me Quer” a Preparação Corporal de Fábio Vidal e a Preparação Vocal de Diana Ramos que fecham-se ao conjunto técnico com a Consultoria de Dramaturgia e Encenação de Fernando Yamamoto.
Há, na carpintaria dramatúrgica, um ambiente natural povoado de silêncios e ruídos de mares contados, tempos partidos e vidas reinventadas que se impõem à força de Mia Couto e sua literatura de identidade comum a qualquer universo conspirado.
As histórias contadas por Eddy Veríssimo, Luiz Buranga, Manuela Santiago e Roquildes Júnior têm força de crédito às verdades estabelecidas na cumplicidade do ato dramático. Um equilíbrio de falas, pensamentos altos e diálogos interagidos por oralidades de corpos e signos capturam inflexões e digerem zelo e cuidado ao ato do “Mar Me Quer” traduzido.
Luarmina, Zeca, Avô Celestiano e Agualberto devassam mar de memórias, navegam no sonho de perdas e recuperações e lavam nas águas ora turbulentas, ora de desejo, as calmarias que escorrem pelas vagas das horas velhas, das têmporas do amor e das sombras e luzes da morte.
Um libelo cênico-poético, inspirado na obra de Mia Couto, apresenta-se na fórmula lúdica d’A Outra Companhia de Teatro e forma nova impressão de ver as falas do autor na távola do teatro.
E como A Outra Companhia de Teatro aplica ao programa do espetáculo “(...) nos envolvemos com cirandas encantadoras, despetalamo-nos em cada objeto espalhado no quadrado nu, tingimos nossa memória com as cores marinhas da fantasia dos senhores da pesca, nos descobrimos flor, mar, lua, pássaro e barco... afinal: ‘os olhos de quem amamos são um barco’ (...)” (Idem).
A Outra Companhia de Teatro espalhou suas águas e terras de “Mar Me Quer” pelo 4º. Festival de Teatro Lusófono – FESTLUSO e deixou gosto de sal na boca e réstia de sol na memória do público presente às horas embaladas no “mal-me-quer-bem-me-quer do cair das pétalas” que fizeram esse mar que nos quis a todos tomar.