Apareceu a Margarida?
por maneco nascimento
Dia 29 de julho de 2011, a partir das 21 horas, na Unidade Escolar Melvin Jones, durante o encerramento da “Mostra de Teatro Aqui tem Cultura”, do Bairro São João, promovida pela equipe do ator e diretor de teatro Chico Borges,
conferiu-se a reestréia de uma montagem de “Apareceu a Margarida”, ao texto de Roberto de Athayde.
Direção de encenação de Avelar Amorim, com produção e execução do Grupo Mosay de Teatro, a nova leitura para D. Margarida repercute uma ousadia conceitual de direção, com manejos ao teatro do gargarejo extrapolando o humor natural da obra de Athayde.
Obra construída em contexto do regime de exceção brasileiro, “Apareceu a Margarida” realiza um discurso de denúncia, crítica e constatação de poder metaforizado através da prática de conteúdos reprodutores de conhecimento, sob o viés do gracejo, do humor e do “chulo”, em linguagem vulgar, posto na boca da professora Margarida.
Numa interminável aula de biologia em que a professora agressiva e autoritária nunca fala sobre sexo, embora impregnada de convulsos e expressivos sentimentos texto-sexualmente oralizados, o enredo vai ganhando sabor de deleite e diferencial inteligente para obra dramática construída.
Premiado com o mais importante troféu do teatro brasileiro, Prêmio Milière-73, Roberto de Athayde conseguiu permanecer na Guanabara com sua peça durante sete meses em cartaz, com casas lotadas. Pela personagem passaram com triunfo de sucesso, na estréia carioca do texto, Marília Pêra, em 4/9/1973, no Rio de Janeiro/Teatro Ipanema. E, noutro momento, Betty Erthall.
“(...) em decorrência da diferença fundamental existente entre Marília Pêra - que estreou "Apareceu a Margarida", na Guanabara, a partir de 5 de setembro do ano passado - para a desconhecida (mas muito talentosa) Betty Erthall, o diretor Aderbal Junior, 33 anos, fez uma opção muito arriscada: o riso farto e digestivo da temporada carioca foi substituído por uma tensão, por uma feição dramaticamente assustadora, nesta remontagem do espetáculo (...)” (Apareceu a Margarida/tablóide digital – 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch. Publicado originalmente em 28 se setembro de 1974/ Jornal Estado do Paraná, pag. 4)
Numa linguagem franca, dura e despojada, Roberto Austragésilo de Athayde, oferece oportunos 100 minutos para o exercício solo de uma atriz.
No Piauí, Lari Sales já ilustrou muito bem essa personagem. Nessa nova investida a dramaturgia à cena, de Avelar Amorim, fragmenta D. Margarida para duas atrizes (Edith Rosa e Adriana Campelo) e um ator (Vitorino Rodrigues). Eri Pegado realiza um partner, estudante real na sala de aula.
Duas Margaridas (Vitorino Rodrigues e Edith Rosa) iniciam a cena, na sala de aula, como se fossem alunas. Adriana Campelo, a terceira Margarida, entra em classe e vocifera seu entendimento cênico para a professora rude e sacana.
Adriana, com domínio do texto, construiu uma D. Margarida espalhafatosa e de textos vomitados dentro do circuito de apelos e demonstrações de sacanagens, por vezes exagerados, para a exigência do riso pela resposta + fácil. Há pelas margens lampejos de Athayde que deverão ganhar maior vinho com o tempo.
No sanduíche da dicotomia à Margarida em mapa dramatúrgico da direção, um Vitorino Rodrigues transmigra à cena uma professora que derrama-se sobre os “alunos”, mas tudo dentro de uma economia de histrionismo seguro.
As falas dessa Margarida amadurecem o discurso do autor, mais pela construção do conteúdo dramático que pelas formas de expressões ligeiras. Já está preenchida a cena com uma antropofágica mestra em máscara e método do ator centrado no teatro da técnica limpa e equilibrada.
A Margarida de Edith Rosa é divertida, uma “mignon” que se expande numa tendência de natureza dramalhona de interpretação. Quem acompanha a carreira de Edith sabe como é bom insistir no exercício da repetição. Está muito à vontade com sua professora de caricatura divertida e reflete memórias, quem sabe, de velhas mestras confrontadas com dificuldades de “ensinar”.
Eri Pegado, em silêncios concentrados, carrega uma eficiência de construção forte para aluno variando entre o lunático, o bichinho de brinquedo da professora e suporte de demonstrações da aula de “biologia” prática. Não compromete a encenação, salvo quando transforma o “peido” produzido em ficha de apelação ao riso. Desvia, insistentemente, a atenção do público do assunto principal, a lição escolar.
Avelar Amorim ao fragmentar a personagem para três intérpretes, parece querer sair da dramaturgia original de texto e criar seu próprio aceno conceitual de direção. Não há pecado no investimento. Há uma novidade, pelo menos por aqui.
Margaridas no jogo de troca de cadeiras em sala de aula, ora alunas, ora professora também é pontuação muito legal de encenação. Há uma intertextualidade de discurso e uma metalinguagem de dramaturgia premeditada.
Apareceu a Margarida? Para três vieses interpretativos distintos e nucleares de construção da personagem. Com + maturidade da prática da repetição a cidade terá ganhado uma “Apareceu a Margarida” para enriquecer o repertório de produções locais.