Sete filhas de Jesus
por maneco nascimento.
Sete linhas dramáticas, sete flechas errantes, sete traçados à obra do Senhor morto, sete mulheres desposadas por Jesus, sete irmãs de hábito e fé duvidosa, sete divagadoras dos destinos à escolha d'Elas, ou doutrem, sete pecados capitalizados à sombra do Convento, sete orações profanadas, às sobras divinas, pela licença poético-lúdico dramatúrgica cinzelada, de
Walden Luiz, autor cearense, que ganha força histriônica na verve de atores/atrizes do
Humanitas de Teatro 16Anos.
Depois da estreia festejada, de nova investida e do início da Temporada Popular, no Teatro "Torquato Neto", de quatro terças feiras, 04, 11, 18 e 25 (última data), a R$ 1,99, tive a feliz oportunidade de assistir ao espetáculo "As Sete Irmãs".
As filhas e esposas de Jesus (esse paradoxo que só a religião e igreja das instituições podem permitir ocorrência), se dividem entre habituais irmãs de fé (duvidosa) e freiras em convento que o cotidiano prepara à chegada da madre Superiora e do Bispo da comarca, este que vem em visita a clausura das escolhidas em Cristo.
Walden consegue eliminar as "bondades" do hábito e por à mostra o lado obscuro do ser das freiras. Mulheres com pecados naturais, falhas trágicas tradicionais, elo fraco da corrente de fé que as impõe como sujeitas do projeto de Casa, perna institucionalizada ao grande polvo, que forma o condomínio das pontes ao céu.
O mote se repete, das dramaturgias universais, sete mulheres presas numa casa (convento) lutando por uma causa, ou à própria causa. Ai temos
A Casa de Bernarda Alba (Lorca);
A Casa das Sete Mulheres (série de televisão, adaptada da obra de
Letícia Wierzchowski Gomes, de Porto Alegre, brasileira nascida em 4 de junho de 1972) e
"As Sete Irmãs", de nordestino do
Ceará, W. Luiz.
Mulheres em seus contextos sociais, religiosos, políticos, econômicos e trágico humanos. Contam, desfiam suas histórias e vivem a seu tempo e tema dramático o que pesa a enredo de identidade, reflexão, crítica e exegese da vida em oráculos inconscientes.
"As Sete Irmãs" empareda no Convento as personagens de
Irmã Angélica (Júnior Marks), a sombra viva da Madre Superiora, a amiga da Rainha;
Irmã Benigna (Iarla Ribeiro), a mais nova, fez dança e não queria ser freira (destino da que nada na contramão da instituição e convenção familiar, uma espécie de
Adela lorquiana, presa ao hábito);
Irmã Celeste (Sandra Lima), a fada da cozinha, dos segredos e de acesos de libido;
Irmã Dulcina (Marcelo Rêgo), avara controladora da despensa, comeria escondido para recusar as refeições habituais? Seu segredo está roupa íntima.
E mais, Irmã Excelsa (Flávia Moura); Irmã Felícia (Solange Santos); Irmã Glória (Vitorino Rodrigues), a com um cérebro de guloseimas, sempre a desafiar o pecado da gula. Todas, em suas medidas de psicologia da carpintaria dramática, carregam consigo a falha trágica dos destinos entregues às mãos do Senhor.
O texto de Walden é enérgico, direto, sem falso moralismo, nem maniqueísmo de lição de redenção. A pilhéria está em se ri de si mesmo. Então é venal, bocarrudo, discreto sem assepsia do cardápio do cristão movido à fé cega. Revela a nudez das freiras, sem despi-las. Mesmo quando uma é despida, continua bem vestida, porque seus hábitos estão à mostra ao longo do enredo.
Um elenco que converge à histrionia da cartografia escrevinhada pela dramaturgia do autor (W. L.) e do diretor de dramaturgia de palco, Júnior Marks (diretor do espetáculo). As irmãs gravitam no escolho da vida, em fé imposta, e ao escamoteio da vida, em real presença das verdades inteiras para Deus e, entronizadas pelas verves dos intérpretes, ganham energia melodramática e elipses de trágico premeditado.
Os sonhos, pavores, pesadelos, desejos "reprimidos", quebra do protocolo rigoroso e memórias regurgitadas vão-se aplicando, feito água na fervura que mantém o calor de reverbero das sensações e sinestesias das mulheres cobertas por manto religioso.
Júnior Marks, Iarla Ribeiro, Sandra Lima, Marcelo Rêgo, Flávia Moura, Solange Santos, Vitorino Rodrigues, cada um a seu modus operandis dramático ganha a causa, de compor e vitalizar a personagem que lhe caiba no latifúndio do Convento e, no contraponto, recebem a visita de um Anjo (o primo Basílio das freiras que macula as servas do Senhor, ou divino pasoliniano que deixa rastro de mudanças no hábito das religiosas).
Luiz Gonzaga faz uma entrada tímida, de presença ainda discreta que margeia um neutro sem atomização de anjo. + ímpeto para a carga de responsabilidade no sonho erótico das mulheres cairia bem das asas do Anjo.
Esse, que decaído vira o mortal dos sonhos + instigantes das freiras, poderia deixar-se, sem perder a angelicadeza que o ator passa, ganhar ares da personagem que vigora
Teorema em Pier Paolo Pasolini. Nada que a maturação de um velho carvalho não obre uma safra de 30 anos.
Júnior Marks assina direção, pesquisa à sonoplastia e concepção de cenário, este que reúne peças móbiles (praticáveis) que variam desde casa-varanda de histórias orais, sala de costuras e coser os destinos e, quando necessidade de passarela, os praticáveis são deslocados para receber a ostentação do poder. Os banquinhos de sentar o tempo também são de mobilidade a cada variável de ação.
No fundo, ainda cenográfico, um porta-passagem, ou porta retrato. Moldura de ações de entre o espelho da madrasta Superiora e de margem às outras irmãs, as que que desenham o caminho santo do poder instituído.
É nessa moldura que a fotografia do Álbum de Família (porque também há Nelson Rodrigues) finaliza o enredo contado
pel'As Sete Irmãs. Na posteridade, ficam reunidos as irmãs e o Bispo, que recebe as vestes cosidas pelas freiras e compõe a história oficial de preservação e permanência da igreja institucional em iconografia rebuscada.
Para a técnica que infere seu contributo na estética e plástica do espetáculo, vigilam o
Figurino (que matiza o hábito de cores do arco íris e um véu preso, ao alto da cabeça, aplicado por uma trave horizontal, talvez a inferir a linha do sintagma na linguística semiótica da cruz);
Maquiagem (bocas seladas com uma tarja vertical, cor branca de pureza, ao símbolo de nada falo) e
Adereços à assinatura de
Hugo Leonardo.
As coreografias de cena, por Eristóteles Pegado e Marcelo Rêgo, alinhavam deslocamentos na economia do campo santo.
A luz, de
Renato Caldas, gera a energia e defende a atmosfera de pequenos crimes e percados perdoáveis.
As fotos de Amilton Carneiro têm uma atmosfera que prende detalhes sórdidos das personagens impressos na máscara dramática.
Uma divertida ação de apelo gracejado dramático às expensas de (in)delicados do veneno, impresso no texto, destilado às falas das irmãs de mesma fé e oralizados pelo(a)s intérpretes em suas particulares partituras de ator/atriz e método.
Quer conferir de perto? Vá ao
Teatro "Torquato Neto" (Club dos Diários), dia 25 de outubro, às 19h30. Veja com seus próprios olhos e tenha fé, você vai se divertir mesmo.
fotos/imagem: (Amilton Carneiro)