terça-feira, 21 de março de 2017

Duas caras, duas coroas

dois destinos
por maneco nascimento

A estreia aconteceu na noite de 16 de março de 2017, às 20 horas, no Theatro 4 de Setembro, durante o Lançamento da Semana Nacional do Teatro de Teresina - SenThe. 

O texto do paraibano Saulo Queiroz e direção de Arimatan Martins foram mote à visão que se teve de "As MalDitas", com Carlos Anchieta e Franklin Pires

Com cenografia de Bid Lima e Manu Andrade, as irmãs "com nomes de flores e almas de espinhos", Rosa e Margarida, são totens presos a oratório de maldades, casinha de bonecas emboloradas e túmulo de esquecidas da esperança, perdidas da paz espiritual a que quase todo mortal deveria ter prerrogativa.

O oratório, terras divididas por emblemas e memórias afetivas que delimitam espaço de cada uma, se aplica a elementos da cultura popular religiosa e de vestuário. Em misto a móveis coloniais, pratas e louças medalhões, se bifurcam as vidas, no ambiente dramático de Rosa (Franklin Pires) e Margarida (Carlos Anchieta). Uma "ribalta de flores de plástico" na boca da cena, da casinha das irmãs, fecha o kitch à chave dramática das relações, perigosamente, afiadas, entre as irmãs florzinhas do herbário de mandrágora.

Os figurinos, por Bid Lima, defendem bem a pompa circunstanciada que cresce aos olhos e preenche com resultado de referência e identidade às cores, em desenhos e tecidos sobrepostos, que dão peso à composição de vestir as personagens cunhadas pela dramaturgia e composição dos atores. Têm histórico que gestam o cerne das irmãs aos pesados e medidos das vidas e experiências que trancam, feito ronin em seus quimonos de vestidas para matar, no cotidiano regurgitado.

A caracterização e maquiagem de Danilo França finaliza a composição que dá vida ardente às personagens. Estão à medida exata de  dizer a que vieram, como se comportam e a quem seguem, na cartografia dramática, que seja na sobreposição de identidades carregadas das próprias desventuras, deslizadas às máscaras de estar e, quando ser, revelarem o quê "de verdade", nas mentiras delicadas a que estão convencidas no dia a dia de suas agruras. 

Dois homens, duas mulheres, duas personagens e duas vozes que falam, vomitam, vociferam e destilam veneno
e traduzem momentos de bom humor, (in)delicadezas de sorver assunto e servir fel à bandeja de pratos frios que correm à noite em que as irmãs se enfrentam pela última vez.

Há um contraponto muito especial, ao reunir na cena Franklin Pires e Carlos Anchieta, ambos com carreiras consolidadas, em suas linguagens de teatro, e cada um com um perfil de correr em favor de seu público.

Quando se embatem nas peles de Rosa (a rica, aposentada, mas paraplégica) e Margarida (a pobre, sujeita aos favores do teto da irmã rica) Franklin e Anchieta crescem e realizam uma volatização de titãs em auto de antropofagia. 

Rosa se acha detentora do fiel da balança à irmã pobre, mas, na verdade, quem realiza uma "caridade" é Margarida que favorece a irmã rica, a medida que presta favor de cuidar da paralítica.

Os intérpretes, à construção da personagem, estão, em quase todo o enredo dramático construtivo, catapultando os sentimentos das pequenas maldades e elipsando as reais intenções de um(a) para com o(a) outro(a).

Em alguns momentos, caem na armadilha da zona de conforto e deslizam aos habituais do teatro já encrustado nas experiências anteriores, mas esse pequeno deslize se caracteriza na acentuações vocais para Anchieta e na voz e máscara de uma recorrente persona má, já vista em Franklin, noutras cenas.

São momentos mínimos, os de queda no paraíso do riso fácil. Quando os intérpretes se concentram na trama e na dinâmica que os reúne ao sentimento das irmãs, na pureza do azinhavre da relação de memórias desgarradas da infância e outras lembranças, as composições fluem leves e arejam as veredas, eliminando as ervas daninhas que comprometem um caminho suavizado pela força da arte do ator.

A luz, de Pablo Erickson está na certa medida de mostrar e encobertar os detalhes cenográficos; a efígie das maldades e os desenhos estéticos plásticos que ilustram a dramaturgia de cena apresentada.

A sonoplastia de Márcio Brytho afiança sensações e abriga sinergia dos sentimentos que giram em torno das vidinhas de Rosa e Margarida e desfia novelos sonoros que estão para a cena provocada.

Uma estreia que ainda ganhará maturidade do tonel à taça, para não esquecer Baco, e seguramente há de trazer + vívida presença das personagens, que já conquistaram a cumplicidade da plateia, quando da primeira apresentação.

Duas caras, duas coroas, um jogo inteligente de dramaturgia textual para dramaturgia de cena e dois destinos revelados pelos atores, em fuga do lugar comum de suas tábuas de salvação, no exercício do exercício praticado ao longo de suas carreiras.

"As MalDitas", nem Crawford, nem Davis. Anchieta e Franklin acendendo Saulo Queiroz e dando vivas ao teatro brasileiro de expressão piauiense.

E, parta quem perdeu a estreia, Elas também são SenThe.

"As MalDitas" se apresentam nesta terça feira, 22 de março, às 20 horas, no Theatro 4 de Setembro. A entrada: (01) uma lata de leite em pó, ou (01) pacote de fraldas descartáveis.

SenThe. Porque a cidade é só Teatro!

fotos/imagem: (Carlos Anchieta)

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