segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Repentes e prosas

causos e causas
por maneco nascimento

O Boneco Benedito

Já fala feito gente

Tem o Cabo Setenta

Que é muito inteligente

Tiridá e João Redondo

São do mesmo contingente (...)(Sampaio, Wellington. Cordéis. Teresina: s/ed.,2014. 1ed. 82p)
(o poeta, dramaturgo e bonequeiro W. Sampaio/image face W. Sampaio)

Histórias e causos e contos fantásticos que a imaginação popular reinventa e transforma em literatura de cordel e reporta, originalmente, aos exemplares rapsodos, aedos, menestréis e artistas viajores que iam de vila à vila, vilarejos a vilarejos cantando, contando velhas histórias orais que o tempo não relegou ao esquecimento. 

“Cordéis”, de Sampaio, também traz esse memorial popular dos repentes, das rimas e da poesia popular que abriu fronteiras, de princípios ibéricos, e ganhou o nordeste brasileiro, à maior referência, e espalhou-se mundo afora por aqui e alhures. 

O Trancoso, o Malasartes, o Joãozim, o Chicó, o Grilo, o Cabôco, o Santo, a Mulher, o Diabo, o Rei, a Princesa, o Coronel, o Cão, o Valentão e um inumerável das personagens do fantástico universo dos ditos e causos das vozes e falas sociais dos povos, em seus mundos de alegorias e fabulares identitários.

Quem bebe da fonte de quem? Mário de Andrade, escarafunchando os mitos populares, nos legou à crítica social dos costumes o famoso Macunaíma. Orígenes Lessa e a literatura de cordel e outras prospecções do memorial popular. Câmara Cascudo e a catalogação do folclore a novos olhares curiosos que mergulhassem na antropologia cultural primordial.

Das iniciativas que vieram de além mar e no caminho de volta encontraram reconhecimento das próprias origens, a literatura de cordel se sustenta e conspira à própria força na identidade e pertencimento. Por aqui, um dos + exemplares sinais de verve poética e cultural está no Festival de Violeiros, com uma longevidade invejável. 

As edições de agosto reúnem violeiros, repentistas, poetas, artistas, cantores das + diversas regiões brasileiras e conta a própria história há + de quatro décadas. Projeto da Associação dos Violeiros do Estado do Piauí, que tem como um de seus pilares o catedrático Pedro Mendes Ribeiro, recebe o patrocínio do GrupoClaudino, na pessoa do apaixonado pela arte repentista, o empresário João Claudino, e é um feito ao livro dos recordes por manter chama acesa à cultura e arte imateriais inestimáveis.

A Fundação do Cordel – FunCor, também tem seu papel pedagógico e didático ao editar a Revista de Repente e manter uma feirinha de cordéis em pontos estratégicos de transeuntes e visitação pública. Pedro Costa se garante e cumpre papel sócio cultural ao interagir com escolas e abrir a atenção de escolandos a arte dos repentes e cordéis.

Dos livretos linotipados às xilogravuras expressionistas e significativas em capas de cordéis, a arte descambou nas novas tecnologias e novas produções, em série, que dão segmento de apelo às indústrias culturais e sobrevivência da espécie. Está no novo tempo e devora o tempo e vomita as novidades que o mercado exige. Faz-se novo, sem perder a essência. A arte se instala e marca sua geopolítica cultural.

Dessa nova feitura e com perfil de livro, de bolso, Wellington Sampaio lançou, nesse 2014, sua obra que reúne linguagem, fantasia, traquejo produtivo textual apropriado e o peculiar humor e ironias crítico reflexivas, também, através da arte da escritura do cordel. 

Das pérolas editadas na obra, O Cabôco que enganou o Santo; A Heroína Injustiçada, numa homenagem a heroína de Inhamuns, Jovita Alves Feitosa; a série, Joazim da Mãe de Deus e o Mistério dos Sete Pares de Sapatos, Joazim da Mãe de Deus e a voz Misteriosa, Joazim da Mãe de Deus e a Peleja com a Coisa Ruizim; O Mamulengo em Literatura de Cordel e fecha o livro com O Cordel na Informática.

Não há como não ler e, muito menos, resistir ao envolvimento natural que existe na recepção da literatura de cordel. Wellington Sampaio tem bom humor, a carpintaria dramática do teatro de bonecos que lhe deu desenvoltura, também instaura facilidade de evocar as rimas e versos em reverso da literatura de cordel que ousa acordar na métrica poética do inventário popular. Ritualiza passagem nas letras criativas, divertidas e premeditadas na história do fantástico e fabuloso do cerco de cordel.

"Cordéis", de Wellington Sampaio, é praça de boa leitura.

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