O que comemorar no Dia da Cultura?
A culinária brasileira tem em sua
diversidade regional e patrimônio continental um sabor para cada linguística do
fazer e servir bem. O menu sempre encontra um paladar para degustar, lembrar e amar
comer. Alguns pratos também levam a culinária a banho maria e assim a cozinha
avança e já conquistou reis, soldados famintos e gentes de mercados e futuros
diversos.
Com a cultura, a analogia pode
ganhar uma metáfora de aproximação de consumo, alimento da alma e prazer em um
bom deguste cultural, mas não deixa de ser um prato a ser experimentado, Vamos
comer Caetano?, lembra muito bem Adriana Calcanhoto. “A gente não quer só
comida, a gente quer comida, diversão e arte...” alardeava a Banda Titãs. O sucesso
era Comida. Titãs anunciava os idos dos anos 80, celeiro criativo de um Brasil
inesquecível e gerador de uma nova imagem cult brasis da nova juventude que
aquela brisa cantava.
E como a gente precisa comer
cultura e alimentar o espírito à recepção criativa, colhida dos fazedores de
cultura, sempre se espera que a cidade e os projetos artísticos resistam e sempre
arrombem a festa quando se tiver que computar os últimos dias do ano. Esse 2014
marcou um diferencial, foi ano em que a cultura foi mantida a banho maria. Em
se tratando das fundações culturais, estado e município, tivemos um pífio de
presença, pedriana, de negar, negar, negar ações sócio coletivas e quem não
gostou que gostasse, como dizia a gíria setentona.
Projetos contumazes que
desapareceram do mapa da trilha cultural da cidade, o Boca da Noite, o único da
pasta da Fundac, não teve vida nesse 2014. Depois de 17 anos de existência, foi
a primeira vez em que foi interrompido. Faltou orçamento da administração sheyvaniana
em um ano de copa, eleições que destronaram falsos profetas e de mais valia a
quem sempre tira uma vantagem do serviço público, seja no caos ou no caos dobrado
de reinados de reizinhos de mandatos biônicos.
No município, projetos de duas
décadas, como o Concurso Nacional de Monólogos “Ana Maria Rêgo” perdeu seu
altar de confraternizar com artistas nacionais e marcar templo do teatro de
interações e estéticas experimentadas à força do teatro brasileiro. Não teve
Lázaro que levantasse e, na revelação do milagre bíblico, assumisse a bandeira
da cultura. O ator, diretor de teatro, jornalista e cineasta Franklin Pires
garante que a cidade não tem o que comemorar.
O Teatro de Arena, por exemplo, um
dos equipamentos culturais de melhor acústica a céu aberto, construído na
década de 60, está abandonado. O Teatro João Paulo II, no bairro Dirceu
Arcoverde, está fechado há mais de dois anos numa vaga promessa de que seria
recuperado e entregue à comunidade. Furou mais um ano. “A cultura em 2014 voltou à era das trevas.
Nenhum edital, nenhuma ação, movimentos acabando e os poucos patrimônios fechados
por falta de estrutura. Vergonhoso!” diz o multi mídia.
(o diretor F. Pires e a atriz Ivonete Carvalho/image face F. Pires)
As Leis de Incentivo funcionaram
muito mal, obrigado. A do SIEC continua com dívidas de anos a perder de vista. A
Lei A. Tito, de incentivo municipal, está paradona há mais de dois anos e
parece que, na conveniência de continuar assim mesmo, por algum tempo, na zona
de conforto de nenhum investimento. Quando a cultura entrará na prioridade de
governos? Navegar é preciso, como diz o poeta lusitano, Pessoa. Viver não é
preciso, mas cultura é necessária.
Há quem acredite que a cultura continua
mantida em ações que ainda chegam, ou são investidas na cidade. O ator, autor e
diretor de teatro de câmara e de rua, Jean Pessoa, diz que viu a cultura
acontecer. “Aconteceu. Só precisamos amadurecer mais as propostas. Falta
poética. Falta sentimentos, verdade. Falta acreditar”, dá fé. E quando o assunto é comemorar o Dia da
Cultura, Jean diz que sim, há o que comemorar. “O fato de estarmos fazendo,
acreditando”, é motivo de comemoração, afirma ele.
(Alinie, V. Brito e Jean Pessoa no Clube dos Diários/ imagem m. nascimento)
Já Alinie Moura diz que viu "coisas boas e
coisas ruins, muito ruins. O que fazer e o que não fazer". Dessa forma ela
sintetiza o fazer cultural e a motivação para continuar cumprindo arte e comemorar
o Dia da Cultura.
A cidade se revela em suas manifestações
e expressa como sabe fazer sua cultura a despeito de pouco, ou nenhum
incentivo. A música, o teatro, a dança, a tradição da cultura popular, a
literatura, as artes visuais, o audiovisual cumprem seu papel e nem precisam ficar ligadas ao dia
do calendário. Podem se bastar porque cultura é movimento social e político da
arte em sobrevivência.
Para Roger Ribeiro,
no ano de 2014 “foi visto o que foi mostrado, ora bem feito, ora por fazer, ora
com vontade, ora sem prazer. Como a cultura é algo que, por si só, se renova a
cada instante, busquemos o futuro”, professa. Para o ator e diretor de teatro “fazer-se
cultural é, no mínimo, sempre memorável e ou comemorável”, conclui ao defender
que há algo a ser comemorado no dia 5 de novembro.
(Alinie do Carmo, Vitor Brito, Roger Ribeiro e J. Pessoa/imagem m. nascimento)
Comemorar está no calendário de
qualquer povo e qualquer cultura em redor do mundo. E, por aqui, é livre
comemorar, como é livre também apontar onde as coisas perdem seu tempo de
melhores respostas sócio culturais.
O ator Vitor Brito, acredita que 2014 foi produtivo.
“O ano de 2014 foi um ano de muita produção no cenário artístico. Talvez sob um
ponto de vista otimista, houve uma diversidade em questão de propostas e
linguagens. Novos coletivos, um novo repensar sobre ‘as práticas’ e sobre
políticas de incentivo à cultura permearam alguns espaços de discussão. Há no
horizonte novas possibilidades de articulação”, aponta. Agora quanto a
comemorar, alega que “através de toda essa convergência de novas possibilidades
não vejo, porém motivos para comemorações, apenas para a construção de
perspectivas que possibilitem o avanço, a difusão da cultura, em suas
variedades”, finaliza Brito.
Para quem corre atrás do próprio prejuízo
e não deixa a peteca cair, esse ano não foi nada fácil. Benício Bem que leva
sua alegria e muito carisma a bares onde assenta praça e mostra seu trabalho de
artista da música e do humor, aponta que “Foi um ano de prisão em que os
artistas, eu, no caso, me senti exilado. Foi um ano de exilio na arte.”
(Benício Bem é gente que faz cultura/imagem m. nascimento)
Cantor
e compositor piauiense que vinga na noite, Benício se sente acuado quando pensa
num ano de quase nenhuma expressividade, foi barra insistir para que a cultura,
pelo menos a que o artista constrói, a cada dia, não desapareça junto com as
não iniciativas das fundações culturais em seus corredores de políticas de
estado e de governos.
(João Vasconcelos é gente que vinga/image face J. Vascconcelos)
O artista diz ainda que “a forma de banho maria como a cultura foi cozida pelos
gerenciadores da arte local desandaria até uma receita tradicional de Dona
Benta”, fecha questão, não sem provocar, “você que não foi contatado amplie a
discussão e ponha seu ponto de vista”.
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