quinta-feira, 30 de julho de 2015

Você engana, sim.

Fingimento eficaz
por maneco nascimento


A Tucunzeiro Estúdio de Teatro fez, oficialmente, estreia do espetáculo "Você não engana Ninguém", texto de Adriano Abreu e direção de Will Silva, na noite do dia 29 de julho, a partir das 21 horas. 

A estreia ocorreu no Theatro 4 de Setembro para um público pequeno, mas fiel, tal qual Deus.

O espetáculo de duração de um pouco + de 40 minutos traz um Roberto Portela muito concentrado na práxis do fingimento e em muito boa desenvoltura das personagens que a dramaturgia original de Adriano Abreu suscita.

Roberto engana sim e engana muito bem. Aprendeu de cor a lição de desempenhar a arte do ator e o método de bem compor e dizer verdades, de mentiras cênicas, com acuidade de compor e engajar a construção da personagem.

Varia entre o coxo, ou sequelado de derrame (avc), no corpo falante do dono do Bar e, noutras vezes, se transmuta para o bêbado. Consegue unir as tramas de encontro e desencontros das personagens com uma sutileza, na passagem de tessitura da narrativa encampada ora pelo coxo, ora pelo bêbado.

Está bem. O tempo de contar, inflexionar as falas, improvisar variando dentro do tema, com distanciamento, sem perder o norte do enredo, marca simetrias dos pontos cardeais ligados ao efeito de melhor fingir.

No contraponto, está o colega Rutênio Mota que mantém-se ligado na cena, partícipe, e num desempenho surpreendente. Diz o texto com tranquilidade, na fuga do afobamento, voz encorpada e grave e clara e contextualizado com a geografia dramática facilitada por Will Silva. Consegue ganhar nível com Portela e, contente está por acreditar no teatro que faz e deixar marcas de convencimento na assistência. 


(Roberto & Rutênio/ fotos divulgação Tucunzeiro)

Percebe-se que há uma técnica encorpada na desenvoltura, do ator estreante, para a cena. A preparação de ator, atribuída a William Tito, se faz sentir na segurança de mover-se, o intérprete, e estar à vontade nas vezes de solar, ou abrir diálogo com o protagonista. 

Uma medida em coreografia de marcas, empenhadas pelo mapa de dramaturgia de cena, vê-se confluir para deixar a linguística espacial preenchida pelo ator que inicia sua arte, de ocupar tempo de palco, sem desmerecer a maior experiência que Roberto detém para atuar e até ser generoso com o colega iniciante.

O texto, Adriano Abreu, bem desenhado, para entendimento auto reflexivo, encontra nas falas dos atores correspondência de ocupar as intenções autorais e um esforço compensado de dizer bem e determinar a compreensão da literatura dramática, à dramaturgia de assinatura de diretor e intérpretes. Estão na mira do olho da mosca e cada um acerta pontos nas marcas rotacionais da ação do fingimento.

A direção de Will Silva garante equilíbrio à narrativa e se espalha em cenografia, de magia clownesca, de uma mala que vira um bar, com suas garrafas stábile aprisionadas na solução cenográfica de economia e pragmatismo de efeito,

Afora a mala/bar, há uma flor, para as vezes de uma memória de mulher, com quem o dono do Bar dialoga e depois a expia na contagem de pétalas da sorte a bem e mal me quer.

Will equaliza a desenvoltura dos atores na cena fechada, num quadrado invisível, com fugas brechtnianas. Neste território imaginário, as personagens se encontram, acionam cumplicidade e solam seus (des)mandos da vida, como ela é, na história dramática em que estão convocados.

Silva não perdeu o desafio de dirigir Roberto e Rutênio. Os acorda na dupla dinâmica de tragicomedizar o real da fantasia em "Você não engana Ninguém".

Os intérpretes cantam, bifurcam os turnos de falas,expandem a partitura do corpo em coreografias detalhadas de andar, dançar e definir a marca de pisar com consciência do corpo.

E, seguramente, o diretor tem um papel destacável nesta aproximação de duas gerações de atores e seus particulares feitos ao dialogismo, ao lúdico e racional do artístico de bem fingir. Claro que a preparação de ator, pelo ensaiador, também deve conter soluções no resultado visto no palco. Estão de parabéns os técnicos de equilíbrio do ator em método.

Os figurinos, da segunda pele, que vestem as personagens, roupas escuras e luvas brancas, geram um contraponto sutil, do branco destacável no preto dominante. Dialética estética de feição clownesca que marca o ator, mas neutraliza qualquer possibilidade de contrapor a essência da atuação, que está no intérprete, e não deslocada ao vestuário.

Mas, ainda assim, detém uma sutileza de atender ao palhaço minimalista que, sob a segunda pele, está vicejando alegria, mesmo que sugerida no trágico que cintila no céu escuro.

A luz é de abrir brechas a impulsionar o ator. Está na boa média de recortar o drama e o cômico e ambientar as nuances que simetrizam as atuações. A música ao vivo, de gogó, em alguns momentos, ou eletrônica distendida à forma samplada, na nova tecnologia, ilustra e interage com os efeitos tragicômicos constituídos.

"Você não engana Ninguém", com Roberto Portela e Rutênio Mota, engana e muito enquanto exercita a arte de persuadir e convencer pelo fingimento. Estreou bem o espetáculo, nessa noite de 29 de maio.



Têm aí um novo espetáculo, na cidade, a ser replicado em novas oportunidades, reproduzida a cena local para ampliação do leque de montagens a percorrerem espaços em busca de seu público.

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