domingo, 15 de setembro de 2013

Vigor na cena de rua

 Vigor na cena de rua
por maneco nascimento

O teatro paraense desembarcou na cidade verde, entre os dias 9 a 12 de setembro de 2013, para temporada de Circulação, através do Prêmio Myriam Muniz de Teatro 2012 – FUNARTE/Minc. Vindo de cidades do Pará, passou por Teresina (9 e 10) e Amarante (11) e seguiu para São Luís e cidades do interior maranhense.
(La Fábula, em Teresina[PI] - E.C. "Osório Jr."/acervo Madalenas)

Em Teresina, a Companhia de Teatro Madalenas, de Belém, apresentou “La Fábula” no Espaço Cultural ‘”Osório Jr.”- Bar do Clube dos Diários/Complexo Cultural Clube dos Diários - Theatro 4 de Setembro, dia 9, às 19h e, na Praça Aberta do Teatro João Paulo II, dia 10, às 19h. Em Amarante o espetáculo foi visto na escadaria da “Costa e Silva”, dia 11, às 19h, espaço cultural composicional do sítio arquitetônico preservado na cidade charmosa do poeta simbolista.
 (La Fábula, em Amarante[Pi] - escadaria da Costa e Silva/acervo de Madalenas)

 “La Fábula”, com Direção e Dramaturgia de Ester Sá aglutina personagens da literatura universal e cultura oral, Dom Quixote, o Homem de Lata, a Rainha Altiva e o Velho do Saco, respectivamente.
(chegada da Rainha Altiva, em Amarante[PI]/acervo Madalenas)

No enredo, três súditos têm não só que contar histórias à Rainha devoradora de enredos fabulares, mas também serem convincentes para aplacar a fúria da personagem faminta, sob risco de serem eles próprios engolidos por ela. Os contadores devem, à medida que a trama se desenrola, ser criativos e dinâmicos para manterem o capricho da Rainha saciado.

“La Fábula”, da Cia. Madalenas, é divertida, envolvente e recupera a fantasia infantil do público de qualquer idade, a partir da linguagem do teatro de rua e partitura do corpo que repercute o bufão contemporâneo e elementos do clownesco em memórias do teatro medieval da “commèdie del’arte” de eixo primordial. Maquiagem e máscaras expressivas acompanham as cores de figurinos e adereços (Concepção de Figurinos e Adereços, de Aníbal Pacha, confeccionados por Mariléa Aguiar) dão ganho de fantasia e lúdico pragmático ao mágico do fingimento e ato de convencer.

As personagens de domínio popular se enredam na teia da dramaturgia pensada e os narradores contadores das histórias se vão enleando nos brinquedos fantásticos do teatro de rua, ampliado na ágora. Elenco enxuto, mantém cumplicidade cênica que o torna carismático e sempre presente na dinâmica de destrinchar o drama popular brincado, com ciência e sensibilidade praticadas na cena.

Dom Quixote, de Rodrigo Braga, detém atenção e paixão contagiante do público que se identifica com o ingênuo e desengonçado infantil desenvolvido pelo ator. A corporalidade alegre e os signos do corpo falante, de Rodrigo, revigoram a personagem de Cervantes para olhar livre de intérprete criador. Sem descompensar a origem, enquanto reinventa sua própria maneira de investir o romântico Dom Quixote de La Mancha, para fantasia de teatro ao infantil, Rodrigo Braga diverte e retém alegria de compor personagem, tida + popular na prática de teatro de rua.

Dina Mamede, na pele da Rainha Altiva, também compõe estética de conjunto ao espetáculo. Sua Rainha, com fome de histórias, “assusta” as crianças que se alimentam do jogo da cumplicidade que a arte do teatro possibilita a artista e público. Entre a realeza mimada e a “monstra” devoradora de enredos fabulares, ou a que ameaça engolir crianças da plateia, consegue um humor entre o escatológico limpo e o dramático para convencimento de infantes e alhures. Compõe respostas eficazes na máscara e na língua humorada em ameaçado intuito de devorar o entorno do reino, a plateia. Diverte e encanta.

Gil Ganesch constrói um Homem de Lata dominador dos corações infantis, como quer o original da literatura. Dá uma dimensão significativa, à personagem, por articular alegria e felicidade dinâmicas, enquanto narra e ou defende o lenhador, sujeito a magias que o faz perder o caráter humano e transformar-se em homem de lata que anseia ganhar um coração para alma já bastante generosa. Carisma e domínio de espacialidade, do intérprete, ampliam a qualidade da narrativa que articula vida à personagem apaixonante. Evidencia o quadrilátero de elenco maduro.

Leonel Ferreira, o quarto artista criador em cena, compõe o Velho do Saco para vilanias e fantasias fingidas com todo sabor de convencer pela palavra cênica que está desenhada no corpo, na articulação e inflexões definidas de contar histórias e narrar memórias de personagens da cultura popular oral. Graça e traquejo artístico encontram estética depurada para definir talento e tônus teatral que o mantém tranquilo e pertinaz na cena viva do teatro de rua.

O desenho cartográfico da dramaturgia permite que os intérpretes criadores andejem entre as personagens e os narradores que costuram a trama, sem perder o fio da meada que corta os labirintos da contação da história e fantasias brechtinianas, mapeadas por Ester Sá.

Os adereços e contrarregras se tornam indispensáveis na condução do enredo. O saco que se multiplica a signos de sangue, caminho de tijolos amarelos, poço sem fundos da fantasia, a moça muk, turbante do mágico de OZ, entre outros, é riqueza do simples emblemático. Mastros, bandeiras ou cavalos a trote real, outra solução cênica inteligente.

A música, in loco, com Direção Musical de Armando Mendonça, cria efeitos sonoros preenchedores das vagas do texto e ação dramáticos. Narradores, realizadores de efeitos sonoros, cavalos das personagens, montadores e desconstrutores de cenas, os intérpretes se desdobram, sem atropelos, na mágica contação de “La Fábula”. Dominam a rua, sem perder o tino da arte do teatro feito para qualquer espaço e se valem do mundo do “faz de conta” para envolver o público convidado à assistência.
(Público de La Fábula, em Amarante[PI]/acervo Madalenas)

Na equipe do espetáculo ainda ganham destaque a Produção Executiva de Flávio Furtado e Tainah Fagundes e a Coordenação Geral de Leonel Ferreira. “La Fábula”, de Belém do Pará, passou pelo Piauí e demonstrou sua arte, carregada de paixão e devoção incondicional do elenco em afinado estabelecimento da própria história.

Há, no transcurso da fantasia defendida, um pequeno desconforto para quem não se deixa envolver totalmente pela trama. Os vais e vens, da história, acabam em algum momento, tornando cansativa, sem exaustão, a narrativa. Mas o desempenho do grupo de intérpretes é tão eficiente que o público dispensa respeito ao quase relaxar da dramaturgia que se estica em risco de redundante.
(Rodrigo Braga, Gil Ganesch, Leo Ferreira e Dina Mamede/acervo Madalenas)

“La Fábula” se sustenta pela garra  e talento reclamados pelo elenco paraense. É teatro vivo e reverbera memória nacional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário