sábado, 7 de setembro de 2013

Fábula de Rua

Fábula de Rua
por maneco nascimento

A Cia. A.S.S. de Dança e Teatro, após cumprir agenda no FETLUSO 2013, dia 30 de agosto, às 10h, no palco do Teatro do Boi, a uma plateia efusiva e considerável, também fez às vezes de teatro a todos os públicos, na festa de aniversário de 119 anos do Theatro 4 de Setembro.

Na programação da Casa de espetáculos, a A.S.S. repetiu o infanto juvenil “Boa Noite Cinderela, na manhã do dia 4, data emblemática que leva o nome do Theatro mais charmoso da capital. Com Direção e Texto de Vitorino Rodrigues, a + nova montagem da Cia. repercute uma reinvenção da fábula da borralheira, ou a + popular Cinderela, um dos ícones da literatura universal infantil.

A dramaturgia de cena impõe à assistência, com bom humor e juventude que a brisa encanta, um elenco que se espalha numa versão da Cinderela para incursões em dança de rua, uma das práticas já sedimentadas pela A.S.S. O trabalho demonstra uma nova operação para a cena local que se sustenta na linguagem de apropriação e identidade aproximada com seu público contumaz e curioso por novas entradas de dança e teatro bem energéticos.

Numa divertida história da borralheira e suas algozes, a madastra Eufrásia e as meio irmãs da menina, Eulinda e Eudoxia, destaca perversas ações, enquanto correm no paralelo do enredo os apoios poéticos e mágicos de Gorro, amigo imaginário da Cinderela, a Fada Madrinha e o Príncipe que se apaixona pela bela forjada, e de encantos livres, que desliza pelo salão do Reino de Opala aos sons rítmicos contagiantes da batida da dança de rua.

Comédia infanto juvenil se sustenta pela graça concursada de Laura Alexandre, na pele da Cinderela ascendente. Laura mantém uma desenvoltura acelerada da personagem, mas incorre na pequena voz aveludada e de registro imberbe que, por vezes, no apressado da emoção acaba metralhando a compreensão da estratégia do riso que a dramaturgia solicita. Mais tranquilidade no encenar e um freio na dinâmica célere, de composição da personagem, diminuirá os ruídos da comunicação.

Raia Monteiro, compõe uma madrasta empertigada e muito presente na cena. Boa projeção vocal, envolvida na construção da personagem de índole má e perversa de signo universal da fábula. Consegue uma performance bastante convincente e própria ao jogo de cumplicidade e convencimento, com o público, que se persegue enquanto o drama corre.
(Raira Monteiro, a Mádastra de Cinderela/fotos: A.S.S)

Aliar a força, da personagem conquistada, com um relaxamento ao humor, que a dramaturgia propõe, dará a Raira um degustar da vida da Madrasta, + afinado, que já se impõe como força de corpo e máscara em flerte com a dramaticidade em assentamento da fronteira do bom fingir.

Márcio Felipe, como uma das irmãs da Borralheira, carrega consigo um tônus já característico do ator. Tem boa presença e humor para o permitido. Carismático, detém a atenção da assistência, que não pode ser negligenciada.
(Antoniel, Laura e Márcio, Cinderela entre as meio irmãs/fotos: A.S.S)

Dosar o humor venal e perverso, contido na personagem que anima e trazê-la a + demonstração de maldades de caso pensado e dosado, deixará + claro o construído. Na economia de pensar a ação e demonstrá-la, sem pressa de passar à próxima fase, terá tirado o pires de leite do gato. Economia no monólogo interior e desfazer o histrionismo óbvio, para encontrar o riso articulado, demandará a comédia sem apelos fáceis.

Antoniel Novais, como a outra meio irmã da Cinderela, já está em processo de maturidade encenada destacável na construção por ele proposta. Humor econômico, sem se perder nas facilidades de buscar + risadas. Articula bem as falas e as traz carregada do simples, mas racionado, de inflexionar intenções e converter as pequenas maldades em graves entonações.
(Antoniel Novais e Márico Felipe, as irmãs invejosas/foto: A.S.S)

A irmã invejosa, de Antoniel, ativa sobre o enredo nuances composicionais que articulam brinquedo, entre o dócil em figurada maldade e ações perversas com dedilhar de alfinetar a ferida, enquanto dá um tapa e esconde a patinha de filhota da mesma ninhada. Seu antagonismo tem humor pensado e o tônus corporal se estabelece para demonstração concentrada de fazer rir e contar percurso do coletivo sugerido ao risível premeditado.

Vitorino Rodrigues, com sua Fada Madrinha em rosa bombom, já se afirma por confrontar talento com mergulho nas novas empreitadas e olhares de releitura da cena dramática. Consegue empatia imediata com a plateia infantil, sem perder o foco nos pais dos infantes que também ingressam no jogo licenciado da dramaturgia que o ator também assina.
(Laura e Vitorino, Cinderela e Fada Madrinha/fotos: A.S.S) 

Desliza na cena com alegria e felicidade que harmonizam, no enredo, uma figura de indispensável passagem. Uma fada de asa quebrada já repercute um discurso da diferença e da aceitação da novidade, quer seja das falhas trágicas das personagens, ou de imbuir dramaturgia de tradição em linguagem contemporânea e de identidade com o street dance, traduzida ao contexto de afirmação cultural e ato cênico. Defende e define leitura para novo degustar. Acerta bem.
(Michael Douglas e Laura, Príncipe e Cinderela/fotos: A.S.S)

Michael Douglas encarna o belo Príncipe com dedicação fluente, também divide exercício de ator para a personagem do Gorro, o amigo imaginário da Cinderela. Preenche a cena com o alegre do circo, da pantomima e do humor silencioso que ganha a plateia, de surpresa. Converter-se em móveis utilitários da casa, como cabide, banco, define um riso brincalhão das sketches na confirmação da fantasia brincada. Declara amor ao teatro e se garante.
(Laura e Michael Douglas, Borralheira e Gorro/fotos: A.S.S)

Ainda compuseram a apresentação, de “Boa Noite Cinderela”, Gabriel Silva, Lyvia Thaynara, Naldo Lazzar e Potrávio Júnior. Compõem o conjunto que restringe, ao ato poético infanto juvenil, força de atração e comunicação ativa com a plateia interativa e interessada em intervir no destino da gata borralheira.

Os Figurinos de Aureni Oliveira, da Figurino e Fantasia, significam a obra pensada e praticam o colorido e emblemático do universo infantil das fábulas e contos populares universalizados. Conta história apropriada na dramaturgia defendida. A Luz, de Tiago Borges, também repõe força de ampliar a fantasia e o lúdico que “Boa Noite Cinderela” integra na cena investida.

Márcio Gelipe, ainda acumula a assinatura das coreografias empregadas no drama. Há um calor diferencial quando a borralheira se transmuta à dançarina de street. O coletivo também embeleza a fábula relida, ao demonstrar um “coletive street” na finalização do enredo. Todo o corpo dança prazer em corpus frenético e ritimado. Quebra a tradição ao dançar em gala tradicional de vestimenta, enquanto a coreografia se espelha pela liberdade da dança de rua. Contagia.
(Elenco de Boa Noite Cinderela/fotos: A.S.S)

“Boa Noite Cinderela”, texto e desenho de dramaturgia encenada, de Vitorino Rodrigues, encontra resposta positiva na A.S.S de Dança e Teatro e registra repertório teatral para assomar na cena local. Concorre para formação e reforço do público infanto juvenil, com experimentada ousadia. 

Afinar o coletivo planejado dará o toque de Midas que o teatro exige, mas já tem as mãos do mito reverenciado.

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