Arquitetura do ator
por maneco nascimento
O rei da brincadeira é João e trabalha na construção. É brincante de boi e servente em um canteiro de obras preparado para a desenvoltura de “O Miolo da Estória”, montagem do Grupo Santa Ignorância Cia. de Artes, vindo de São Luis do Maranhão, que se apresentou dia 11 de agosto de 2011, às 20 horas, no palco do Theatro 4 de Setembro.
(Lauande Aires em "O Miolo da Estória"/acervo)
A dramaturgia de cena, o texto garimpado à obra argamassada, a direção e atuação levam a assinatura de Lauande Aires. Um heróico ato de encenação em 50 minutos leves e delicados, sem perder o lúdico nem integração com temática atual e cotidiana de homem comum. Um ingênuo operário, de “miolo mole”, que conta sua vida comezinha com uma graça e estilo arquitetado aos pilares do exercício do ator.
A vida do operário plantada na construção do homem e sua hora, sua casa e seu ofício, sua paixão e cultura defendidas. O desenho dramatúrgico copta toda linguagem de aproximação entre a labuta pela sobrevivência, a paixão pela brincadeira do boi e a vidinha simples em barraco da insistência em continuar vivo, berrando, mesmo que seja o boi.
A cenografia muito eficaz no uso de elementos que ora se transformam em objetos domésticos, ora representam peças próprias e utilitárias do serviço da construção civil. Um pandeirão faz às vezes de lua, um carrinho de mão, além de sua função contumaz também abriga a forma de oratório e boi soprado à vida através de seu miolo, o brincante da engenharia do diretor.
Uma escada, peneiras, pás, enxadas, marmitas, colher de pedreiro, capacetes, capas de chuva, óculos, botas e uma diversidade de objetos que compõem o canteiro de obra à engenhosa carpintaria projetada à cena do teatro construído num desenho lógico e arte pensada para ação teatral como ciência e fantasia.
O mapa de luz do espetáculo confirma o conjunto de bons propósitos em equilíbrio de encenação. O final de espetáculo que transpõe uma escada de construção para uma escadaria de igreja iluminada por uma lua cheia (pandeirão) e um chapéu gigante (apologia à peça fundamental de brincantes de bumba-meu-boi) de luzes pendentes, ponto alto de cenografia e iluminação em interação inteligente.
As leituras de dramaturgia textuais que passeiam por “Construção” (ciclista morto “na contramão atrapalhando o tráfego”) ou o rei da brincadeira e ora também da confusão corajosa pelos direitos de pensar, intertextualizam com obras populares tradicionais da crônica musical brasileira.
Lauande Aires, em sua arquitetura de ator erige uma personagem observada, que de “miolo mole”, tem vida próxima da vida de qualquer um, com seus sonhos, anseios, inquietações e dúvidas de natureza humanas, fora da cena fria e acadêmica da técnica de encenar. Um homem e sua lei de fingimento ao convencimento prazeroso do público hipnotizado.
Conta sua história, a de sua aldeia com um pé na vida de qualquer universo também fora do eixo da identidade ilustrada para cultura local. Um boi com pé quebrado, de alma brasileira de quem senta em cadeira na calçada e reconta sua vida passada diante do olhar sonhador.
O topo da escadaria iluminada, também chão protegido por estrelas pendidas da aba do chapéu, ou céu de recepção do homem sonhador transcendido da dor terrena ao altar de deus de barro imolado.
“O Miolo da Estória” tem tutano quente versejando arte e cultura planejada da arquitetura do ator à engenharia do diretor sem precisar apelar ao óbvio, mesmo que pareça óbvio o corpo que fala da alma ao coração do artista fingidor.
De forma poética Maneco aprensentou muitíssimo bem esse belo espetáculo de Lauande Aires. Como todo bom ator, na concepçao de uma simples aspirante à arte cênica, Launande agrega outras característica que um artista almeija: atrai o olhar do público para si, sem que esse pestaneje, envolvendo-se completamente na história, de tao bem contada...Eu mesma, confesso, alguns momentos quase me vertem lágrimas, numa mistura de envolvimento com a sensaçao alheia e emoçao de está diante de espetáculo com tamanha desenvoltura e brilho! Parabéns Lauande Aires por nos ter proporcionado tanta beleza. Obrigada, Maneco, por transformar teatro em poesia! Parabéns!!!
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