terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sangria na cultura

Sangria na cultura
por maneco nascimento

No último dia 10 de outubro, o
 estadão.com.br trazia matéria sobre crise nas instituições culturais européias e realinhamento financeiro que justificaria arrumar as contas e sobreviver aos dias de união europeia em crise. 

O lide da notícia, construída pelo correspondente Jamil Chade, “Crise leva instituições culturais européias a fazerem cortes e, no sub-lide, “As artes se transformam numa das maiores vítimas da política de austeridade que passou a dominar o continente diante das dívidas colossais” (Chade, Jamil/notícias > cultura/www.estadao.com.br/10 de outubro de 2012, 3h17)

Quem acompanhou o noticiário da quebradeira européia que envolveu países antes jamais pensados como personagens com problemas de dívidas, sabe o significado da sangria que ora será sinal de preservação de outras ações públicas para manter, de pé, o estado da união europeia. 


GENEBRA - Museus com orçamentos cortados, orquestras sendo obrigadas a se fundir, teatros com produções reduzidas, ministérios da Cultura sendo fechados e músicos sendo obrigados a trocar os palcos por turnês em cruzeiros de luxo, só para manter a renda. A crise financeira na Europa jogou o continente em seu pior momento desde a 2.ª Guerra e fez o desemprego atingir recorde desde a criação da zona do euro. Mas enquanto sindicatos tentam manter benefícios sociais e governos tentam encontrar meios para manter indústrias e bancos, as artes se transformam numa das maiores vítimas da política de austeridade que passou a dominar todo o continente diante das dívidas colossais.” (Chade, Jamil/notícias > cultura/www.estadao.com.br/10 de outubro de 2012, 3h17)

No Brasil, sem muita cultura política de investimento efetivo em arte e sem o percentual orçamentário desejável, embora haja algum recurso direcionado a políticas públicas culturais, é também país que quando é necessário o arrocho, o primeiro nome da lista é a cultura. Não é esse país, novo rico, páreo ao velho continente com suas milenares memórias culturais e artísticas. Mas é nessa hora do aperta para manter acesa a chama da sobrevivência que a velha Europa dá sinais, também, de que ninguém é imbatível.

Da Igreja a monarcas, passando por grandes mecenas, a cultura europeia sempre teve um de seus pilares no financiamento massivo por parte de personalidades e instituições que viam nas artes um instrumento para demonstrar sua influência e até poder. Agora chegou o momento de o Estado mandar um recado claro: a Cultura precisa começar a ser autossustentável e não depender de recursos públicos. O problema é que nem todos concordam com essa visão e alertam que a cultura faz parte do sistema de ensino da sociedade europeia e da herança histórica do continente, portanto, não é apenas uma mercadoria.” (Idem)

Numa coisa se deve concordar, mesmo com a nova acepção da cultura dos negócios,
 cultura não pode mesmo ser tratada apenas como uma mercadoria. Os grandes saltos da humanidade também estão interrelacionados com arte e cultura. Dos signos rupestres à virtuose medieva e todo o paradigma herdado à contemporaneidade, a cultura teve papel divisor diferencial nos negócios do estado, da religião, da arte propriamente e no essencial transformador e mola propulsora do espírito criativo das civilidades.

Na paz e na guerra, na crise e na depressão, na ameaça obscurantista ou na vanguarda iluminista, a cultura da arte foi, invariavelmente, válvula de sobrevivência do homem (genérico) e de suas idiossincrasias e olhares para o mundo de convenções, conveniências e negócios de estado e de cultura. E, quando o estado ameaça quebrar, a cultura é a primeira ao sacrifício.

O caso mais drástico é o de Portugal. Para ter acesso a um resgate do FMI e da UE, Lisboa aceitou um rígido programa de redução de custos do Estado. Salários foram encolhidos e mesmo feriados foram suprimidos. Mas, no caso das artes, o corte foi ainda maior. O governo português optou em 2011 por simplesmente acabar com o Ministério da Cultura, pasta agora transformada em apenas em uma secretaria.

Com isso, o governo espera economizar 2,6 bilhões, implementando o plano de reduzir em um terço o número de diretores de departamentos dentro do Estado. A medida teve como consequência a fusão de grupos artísticos e uma verdadeira gritaria, dentro e fora de Portugal, diante da opção de sacrificar a cultura
.” (Idem)

No Piauí, como exemplo + localizado, em que a pasta da cultura de âmbito municipal, ou estadual tem que conviver com orçamentos incertos e alguma perspectiva de recurso sempre sujeito a ser coptado para suprir qualquer outra emergência da pasta do estado, vive-se muito mal obrigado, acerca de políticas de cultura. 

O MINC até que faz sua lição de casa com parceiros e contribuições de estatais, mas recurso mesmo sempre é choramingado para país continental. E educação e cultura, embora estejam juntas em teoria, na práxis a educação nunca está tão bem e a cultura é sempre a última da fila de barganhas orçamentárias.

 No Brasil se é de uma complicação histórica, sem o histórico de velhas culturas fomentadoras da arte. O país está acostumado com o certo “descaso” em que trata a própria cultura, é da veia natural brasis. Mas o mundo europeu sempre foi primeiro mundo.

Em Madri, a situação também é crítica para o setor. Pressionado a rever as contas do Estado e pedir um resgate, o governo espanhol de Mariano Rajoy já anunciou que, para 2013, os museus do Prado, o Rainha Sofía e o Thyssen-Bornemisza sofrerão cortes de orçamentos de mais de 30%. No total, o governo irá reduzir sua ajuda aos museus em 17 milhões. Em comparação com o orçamento de 2010, o museu Rainha Sofía terá 45% a menos de recursos em 2013, e o Teatro Real, 33% a menos (...) o Estado espanhol reduziu seu apoio à cultura em 70% em apenas quatro anos. Para justificar o corte, o ministro da Fazenda, Cristóbal Montoro, reclassificou o setor, designando-o como "área de entretenimento", o que deixou furiosa a classe artística. Esta reagiu acusando-o de não saber diferenciar cultura e passatempo.” (Idem)

Como no Brasil se pratica a cultura da emenda do soneto e, criativos como somos, sobrevivemos bem, não nos parece afetar a cultura em queda livre na Europa empobrecida. O velho mundo com sua cultura de mecenas e investidores contemporâneos fez sua história e agora se vê em situação de cortar a própria carne.

A Grécia, berço mátrio da civilização ocidental, há muito que parece estar de pernas quebradas.
Os cortes também têm afetado a Cultura na Grécia, país que em 2013 terá seu sexto ano consecutivo de contração da economia e hoje sobrevive graças aos recursos do FMI e da UE. Em apenas um ano, o Ministério da Cultura grego viu seu orçamento ser reduzido pela metade (...) Além de afetar dezenas de grupos artísticos, o corte ainda coloca em risco os projetos de manutenção de locais arqueológicos do país, uma verdadeira mina de ouro para atrair o turismo.” (Idem)

Enquanto o Brasil se torna exemplo de país em desenvolvimento com a sola dos pés na porta de entrada do primeiro mundo bem sucedido, convive com uma incerteza estatística sobre os números de pobres e miseráveis nacionais, com índices de analfabetismo que parecem não dar o braço a torcer e com histórico de acesso cultural efetivo ao pequeno burguês. A cultura européia encolhida não nos afeta, nem de fato ou de direito à reclamação.

Nem na Itália, um dos pilares do desenvolvimento cultural do Ocidente, o setor foi poupado. O prestigioso Teatro Scala, em Milão, soma uma dívida de 7 milhões e os cortes já começaram para fazer frente a essa situação (...) No caso da Holanda, país que tem uma das taxas de desemprego mais baixas da Europa, o governo anunciou o corte de US$ 265 milhões no orçamento para a Cultura, uma redução de 25% em 2013 (...) Na Alemanha, a Südwestrundfunk, a tevê e rádio regional de maior prestígio, será obrigada a reduzir seus gastos em 166 milhões. Para tapar o buraco em suas contas, a proposta votada e aprovada pelo conselho da empresa é a de fundir as duas orquestras financiadas pela emissora: a Radio Sinfonieorchester Stuttgart e a Sinfonieorchester, ambas fundadas em 1946.” (Idem)

Nossa cultura é + de sobreviver como puder. Não havendo investimento ou políticas públicas eficientes, dá-se um jeito. Prioridade é sobreviver bem, seja sem investimentos culturais reais e não passar batido em província acostumada aos truques, esperteza política da pecha de Macunaíma. 

A união européia encontrará seu caminho de sobreviver mesmo com políticas públicas de cultura encolhidas. Não se tornou velho mundo à toa.

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