terça-feira, 12 de agosto de 2014

Poesia pictórica

Museu dinoaraujoano
por maneco nascimento

"Canto, pranto, lamentação de sabiá/atravessando o dia e a noite,/atravessando o céu e a terra./A passagem da lua,/a passagem das velas nos canais/que a maré transforma e retransforma,/a solidão das igrejas,/a ameaçada solidez destes sobrados,/nada pode vencer/a tristeza deste canto./Este canto não vem/de uma palmeira invisível./Vem da gaiola acima da escada/e corta a sala, o jardim, atinge a rua/onde os ônibus soluçam./Mais ainda: atinge tudo isto/Que está sendo chamado a desaparecer."(A cidade substituída. H. Dobal. p. 165)

O poeta piauiense H. Dobal entre o insilente de sua obra,  que inquieto insurreita e aponta vida que agoniza na memória da cidade maranhense, reverbera o silêncio e cegueira de quem nada percebe para a cidade que vai-se perdendo aos poucos, aos montes de casarios descascados, azulejos depredados, memorial relegado da "velha" São Luís e sua arquitetura patrimonial (des)edificada.
(Sobre a geografia de um corpo e sua ausência/Dinho Araújo - Risco Coletivo)

Numa transversal de estética e arte visual a conceito e estilo, particularmente coletivizado, de ver o mundo em derredor, mergulhando na aldeia que melhor inspira o artista, é que Dinho Araújo, natural do Maranhão, conspira arte, cultura, memória e história de um homem e sua obra, em seu mundo de particularidades e espelho coletivo das falas sociais intertextuais para líricas licenciadas, pincéis invisíveis e visibilidades de vida amparada no olhar crítico e plástico de ser nova ação pictórica.

A Mostra "Dos dias em que ausência é marca", assinada por Dinho Araújo, instalada em uma das Salas de Exposição da Casa da Cultura de Teresina, pavimento superior daquele equipamento cultural, fica disposta à expiação pública, no  mês de aniversário da CCT que completa seus 20 anos, neste 12 de agosto de 2014. Aberta dia 6, a Mostra fica até dia 22 de agosto e circula por Teresina através do SescAmazôniasdasArtes.

"Dos dias em que ausência é marca" fatalizam fotos, de mulheres profissionais do sexo e da noite, decalcadas sobre ferro, ferrugem, contêneres do lixo urbano, gradis, janelas, tridimensionadas do claro ao escuro de dentro, e fachadas relegadas; um vídeo-dança em que a bailarina agoniza a Morte do Cisne Negro, representa a agrura em ponta de sapatilhas sobre os escombros e monturos das velhas casas abandonadas. 

Ainda compõem a licença poética do artista visual, o pequeno olhar, na linguística do esquecer, esquecimento, em francês - a série Oublier, reveladora de  registros minimalistas de memórias da cidade esquecida, com seus azulejos removidos das paredes dos casarões. 

Também as caixas pretas, instalações presas à parede, caleidoscopam as fachadas de casarios, recortadas pelas frestas de espia. As caixas dispostas, para que o curioso possa, ainda, ver fragmentada, entre as brechas, a cidade (in)alcansável. 

Os decalques, placas e sinalizações azulejadas das novas grifes, estilos e identidade de novas identidades artístico cultural apregoam as novas marcas em velhas memórias da cidade, nas paredes descascadas e ruídas.

"Ao lado do silêncio/das torres de Santo Antônio,/um poeta anônimo prepara/um sermão inútil./Denuncio a mim mesmo/a indiferença do Maranhão./Falo às paredes, aos peixes,/a quem jamais repetirá as minhas palavras./Condeno em silêncio/os que se uniram ao tempo/contra a beleza desta cidade./Nesta praça esquecida/não dura mais a memória/de Antônio Vieira e de Antônio Lobo./Toda memória vai-se perdendo./Sem música, sem palavras,/Preparo um réquiem./Pranteio esta cidade,/Substituída por outra/Estranha ao seu passado." (A cidade substituída. H. Dobal. pp. 174-5)

O artista, a memória afetiva e sua denúncia estética para o descuido, o descaso da cidade em seu progresso que substitui a cidade envelhecida. Dobal aponta "a cidade substituída por outra, estranha ao seu passado." e Dinho Araújo revigora em seu ato pictórico a reiteração da cidade que perde-se em seu próprio abandono, enquanto insiste olhar crítico aportado em linguística poética para não desistir da identidade, pertencimentos sócios culturais da São Luis. 

Instala, o poeta das novas tinturas e manchas marcadas nas franjas sociais da "cidade baixa", os sinais a que a recepção inclua-se nas fronteiras da terra de cidade esquecida e, na estranheza do instalado, purgue a própria morte social.

"O tempo antigo se destrói/nestes sobrados prostituídos./Aqui outrora se falou de amor,/se fez amor nestas alcovas/onde hoje os carinhos se compram./Aqui moravam barões e baronesas./Os trabalhados balcões/de ferro e de madeira./A rótula discreta. As tábuas/largas longas do assoalho/onde os passos rangiam/e o coração ressoava./A íngreme escada onde o desejo/subia com seus disfarces./Hoje são sobradões deteriorados./São bordéis. E aqui o amor se revoga,/o tempo antigo morre de novo." ([Sobradões] A cidade substituída. H. Dobal. pp. 175-6)

"Dos dias em que ausência é marca" marca fator de concentração em fugir do lugar comum, sem perder o lugar comum de memórias e histórias do menino Dinho Araújo, de São Luís do Maranhão, sua terra, sua vida e suas inquietações, inspiradoras do artístico produtivo, de comunicação direta e de desconstrução do senso comum e da cegueira que invisibiliza a história.  Esta que está do lado e que ninguém parece perceber. 

O artista visual percebe e traz ao entendimento crítico o olhar de quem vê a arte que vê a desarte em que foi transformada a cidade esquecida.

"Indiferente ao movimento da vida,/um canto de sabiá/se despeja triste/sobre São Luís do Maranhão." ([Elegia de São Luis] A cidade substituída. H. Dobal)

Gonçalves Dias, em intertextual da poesia dobalina, emerge das memórias revisitadas e ganha lembrança em revigor da arte exilada à ruína. Dinho Araújo transversaliza o trinar de seu próprio pássaro pregoeiro e, na cidade substituída, expressiona os dias de agonias da São Luís. 
(Dinho Araújo em recorte de azuis e azulejos/image face D. Araújo)

Por sua obra instalada, se afina a Antonio Vieira para dialogismos com os peixes, a Dobal que não deixa que se esqueça que a cidade vive a própria ruína e a si mesmo, quando transforma conflito em arte a entendimento, empoderamento e reflexão da própria aldeia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário