segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Uno (in)divisívvel no Outro

Uno (in)divisível no Outro
por maneco nascimento

Chega de palavras, pois estas também irão se perder com o tempo
(material de pesquisa de “Expiação”, da Pulsar Cia. de Dança/São Luis, do Maranhão)

Delicada matéria, violada, para tessitura de novas vozes em composição de corpos, diagrama dos sentimentos prospectados de vidas “perdidas”, especulação do mundo dos “mortos”, isto parece revelar-se na pedra base do espetáculo “Expiação”, da Pulsar Cia. de Dança que esteve em Teresina e dançou no palco do Teatro Municipal João Paulo II, dia 13 de agosto de 2012, às 15 horas, para única apresentação.

Inspirada em bilhetes suicidas verídicos, o espetáculo ‘Expiação’ ultrapassa as fronteiras dos parônimos e do antagonismo, para mergulhar nos conflitos humanos (...) Assim convive-se intimamente com a exploração profunda e muito comovente da vergonha, do perdão, da expiação e da dificuldade de absolvição.” (Fran Mello, coreógrafo e diretor artístico da montagem)

A dramaturgia apresentada em cena, que detém Direção Geral de Abelardo Teles e Direção Artística de Fran Mello e Abelardo Teles, um libelo de ousadia e perspectiva de teatro e dança concentrada. Comunicação livre de ruídos e forjada a novas falas do corpo coletivo do artista criador.

A facilitação coreográfica de Fran Mello determina matéria volátil de expansão e imaterialismo atomizado para efeitos de reverberação d’arte e pesquisa afinadas. Do denso ao leve movimento de múltiplas interpretações dos intérpretes, um rigor sutil em dinâmicas experimentadas e sinestesia do objeto aprofundado.

A Direção de Arte vai assumindo aura do temático e enreda aos poucos toda a simplicidade do tabuleiro de xadrez para jogos dramáticos e de purga dos espíritos conturbados à legenda corporal. Tudo parece criado para distanciamento, sem perder o redemoinho das almas germens em confusas variações.

A Iluminação, de Eleomar Cardoso, aquece o ato dramático em fios tênues de presença para sombras e luzes de angústias frisadas. A Cenografia, de Antonio Duke, parece confundir-se com o (im)palpável das presenças especuladas. Cortinas neutras, transparentes, revelam as vidas em percursos de eterno retorno e desnudam o ciclo de expiação. O Figurino, assinado por Fran Mello, não perde o veio que leva ao garimpo de boa proposta.

F. Mello, em conspiração de mesmos caminhos, também apresenta a Pesquisa e Colagem Musical, que parece transcender das penitências, ou arrebatá-las para confirmação da obra explorada.

Há recortes de emblemas sublimes, como a peça desnuda do homem confundido entre a beleza liberada e o interdito devotado, protegido pela luz precisa e estética do desenho da iluminação afinada.

A personagem que a um tempo poderia ser o beijo da morte, noutro purga as faltas que seriam suas, ou chagas transferidas de outras energias em vômitos de descarte ou limpeza espiritual. Momento de gravidade simbólica impactante e de beleza escatológica.

Claro que desempenho tão elegante de teatro e dança para virtuose em lingüística do entendimento e reverberação criativa à recepção, não poderia prescindir da Assistência de Coreografia (Fabiana Nunes) e, naturalmente, do coletivo que apreendeu os riscos de melhor dança:

Cléo Junior, Egnaldo Gomes, Fernando Saraiva, Gabriela Dantas, Mike Santos, Milliane Moreira e Tássia Almeida desvelam bem o resultado conspirado, sejam em “searas obscuras” da dramaturgia, sejam em falas brechtnianas de corpos oralizados à guisa do compreendido. Na reinvenção emergida, do fundo do largo e “escuro” do desejo da criação, revelam fôlego ardente de pulmões ampliados.

Beleza e verdade revisitadas se contorcem no olho do furacão, ao ato criador, em “Expiação”. O contraditório da natureza humana aspira entre o uno (in)divisível no Outro fragmentado e inspira olhares às vezes de arte e cultura empreendidas, que bebem da água do rio de Heráclito de Éfeso e retornam à fonte que impulsiona o homem (genérico) a vê-se na imagem de si mesmo em ritos de expiação.

A Pulsar Cia. de Dança realiza invejável projeto de corpos que falam e o Projeto SESC Amazônia das Artes acerta + uma vez, seja para a propulsão das artes cênicas, seja para impulsionar o espírito criador em reflexão da própria identidade. Evoé, espíritos em dança!



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