domingo, 6 de julho de 2014

Trilogia Laurentina

Tríade literária
por maneco nascimento

"A mudança da corte para o Brasil era um plano muito antigo em Portugal, mas em 1807 o príncipe regente não tinha escolha: ou fugia ou muito provavelmente seria preso e deposto por Napoleão Bonaparte, como aconteceu alguns meses mais tarde com a monarquia espanhola (...) uma fuga pura e simples, apressada, atabalhoada, sujeita a erros e improvisações. A pressa foi tanta que, na confusão da partida, centenas de caixas repletas de prata das igrejas e milhares de volumes da preciosa Biblioteca Real, entre outras coisas, ficaram esquecidos no cais de Belém, em Lisboa. A prata seria derretida pelos invasores franceses e recuperada pelos ingleses alguns meses mais tarde. Os livros só chegariam ao Brasil em 1811 (...)" [ Introdução, pag. 23] (Gomes, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. 2a. ed. - São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 368 p.)
(reprodução)

"O DESTINO CRUZOU O CAMINHO de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30 de 7 de Setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida. Acredita-se que tenha sido algum alimento malconservado ingerido no dia anterior em Santos, no litoral paulista, ou a água contaminada das bicas e chafarizes que abasteciam as tropas de mula na serra do Mar (...) A montaria usada por D. Pedro nem de longe lembrava o fogoso alazão que, meio século mais tarde, o pintor Pedro Américo colocaria no quadro 'Independência ou Morte', também chamado de 'O Grito do Ipiranga', a mais conhecida cena do acontecimento (...) Foi portanto, como um simples tropeiro, coberto pela lama e a poeira do caminho, às voltas com as dificuldades naturais do corpo e de seu tempo, que D. Pedro proclamou a Independência do Brasil. A cena real é bucólica e prosaica, mais brasileira e menos épica do que a retratada no quadro de Pedro Américo. E, ainda assim, importantíssima. Ela marca o início da história do Brasil como nação independente (...)" [O Grito, pag. 29/30] (Gomes, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil,  um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. 352 p.)
(reprodução)

"O QUINZE DE NOVEMBRO É uma data sem prestígio no calendário cívico brasileiro. Ao contrário do Sete de Setembro, Dia da Independência, comemorado em todo o país com desfiles escolares e militares, o feriado da proclamação da República é uma festa tímida, geralmente ignorada pela maioria das pessoas. Sua popularidade nem de longe se compara à de algumas celebrações regionais, como o Dois de Julho na Bahia, o Treze de Março no Piauí, o Vinte de Setembro no Rio Grande do Sul ou o Nove de Julho em São Paulo (...) Esse estranho fenômeno de indiferença coletiva encontra explicações na forma como se processou a troca de regime. O dia 15 de novembro de 1889 amanheceu repleto de promessas cujo significado na época as massas pobres, analfabetas e recém-saídas da escravidão desconheciam. Nas proclamações e discursos dos propagandistas republicanos, anunciava-se o fim da tirania representada pelo 'poder pessoal' do imperador D. Pedro II (...) Havia, porém, uma contradição entre as promessas e a realidade daquele momento. Diferentemente do que faziam supor os discursos e anúncios oficiais, a República brasileira não resultou de uma campanha com intensa participação popular. Em vez disso, foi estabelecida por um  golpe militar com escassa e tardia participação das lideranças civis (...) Derrubada a Monarquia, o sonho de liberdade e ampliação dos direitos rapidamente se dissipou. Em alguns anos, o país estava mergulhado na ditadura sob o comando de Floriano Peixoto, o 'Marechal de Ferro', a quem ainda hoje se atribui o papel de salvador da República. O sangue que deixou de correr em 1889 verteu em profusão nos dez anos seguintes, resultado do choque entre as expectativas e a realidade do novo regime (...)" [Introdução, pgs. 17, 18, 19] (Gomes, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil. 1a. ed. - São Paulo: Globo, 2013. 416 p.)
(reprodução)

Leitura indispensável, pesquisa detida e rica de bibliografia histórica, texto fácil de leitura, direto e coloquialmente apropriado para se mergulhar na história brasileira que os livros e as salas de aula tradicionais não abordam, não da forma apresentada pelo Laurentino. 

Cada capítulo e tema discorridos, uma nova surpresa e uma curiosa maneira de abordar história e informar de forma clara e direta o compilado de páginas de historiadores e documentos oficiais prospectados, de maneira a uma grande reportagem sobre os compêndios históricos brasileiros e seus laços com a Portugal de onde desceram as primeiras caravelas ao achamento e, posteriormente, a tomada da terra que de colônia virou reino de Portugal e Brasil, império de monarquia independente, libertado o país da Metrópole a dois imperadores, uma princesa regente e uma república tateada na esperteza e inteligência do gene brasis, e todas as variações e desdobramentos que fizeram berço ao país que se foi conquistando, posteriormente.
(Laurentino e sua trilogia/imagem: moraisvinna.blogspot.com)

Em entrevista ao programa Provocações (com Antônio Abujamra), da TV Cultura, transmitido pela EBC, o autor fala de seus livros, sem vaidades, mas com conhecimento do trabalho que realiza e do cuidado que dedica aos temas abordados. Não pareceu se propor fazer o trabalho de historiadores, mas se deteve na história do Brasil e falou com propriedade.

No Provocações 639, com o escritor Laurentino Gomes, de  19 de novembro de 2013, Dia da Bandeira, o autor justifica, rebatendo historiadores, que não distorce a história, mas facilita o interesse pela história do Brasil, populariza a história, mesmo sem trazer novidades que já não conste na história oficial. 

Parece haver, entre os historiadores, algum ciúme pela "invasão" do jornalista às glebas da história e da tradição academicista e de domínio de especialistas da área. Desde as novas inquietações à construção de outro olhar à história, as abordagens e estudos sempre contribuíram para que a humanidade pudesse ver, rever e enxergar sua história e imergir em seus subterrâneos e trazer à tona ideias que combatiam ou afirmavam "A História em Migalhas", a "História Total" e a "Nova História".

Desde os luminares da Escola de Annales, a partir de 1929, que combinou a Geografia à História e as abordagens sociológicas, estruturas históricas de longa duração, eventos e transformações políticas, Geografia, cultura material,  as mentalidades (psicologia da época), regeram a primeira geração. A história cultural e a história econômica e toda atividade humana é considerada história conduziriam a segunda e a terceira geração de Annales, respectivamente. 

Laurentino não sendo historiador, mas dono de uma atividade humana, cultural, detida em aspectos econômicos, geográficos, sociológicos, informativos, de comunicação social e formador de atração a novas opiniões, também constrói novo olhar sobre a velha história. Uma crônica bem construída, responsável e provocativa para assunto que ainda poderia encontrar-se em tabu, mas com margem de liberdade de abordagem. 

Para linguagem jornalística e histórica de chegada, talvez + prática aos leitores curiosos, sejam estudantes, jornalistas, historiadores, ou leitores comuns com afinidade a uma boa leitura. 1808; 1822 e 1889 são obras a ler e recomendar, porque história também se faz na pena de Laurentino.

Com orgulho e muita atenção, li e detenho essa obra. Tendo ganhado o terceiro vértice, de presente, durante o Salipi 2014. Recomendo. Não ofende a ninguém e quem lê aprende a não esquecer. Na entrevista, concedida ao Antônio Abujamra, deixou aberta a possibilidade de escrever sobre a Guerra do Paraguai. 

Que venha então seu olhar laurentino sobre aquela guerra , do segundo reinado, que marcou terra para heróis e vilões da história nacional.

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