segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Teatro Hoje

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[Um palco de urgências
USP organiza I Bienal Internacional de Teatro com o tema “Realidades Incendiárias”

Mariana Marinho

Em "66 minutes in Damascus" o público é posto no lugar de um grupo de turista que visita a capital síria. "66 minutes in Damascus", montagem do diretor libanês Lucien Bourjeily. Foto Elcio Silva.
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Durante quarenta e cinco dias, inquietações e tensões de diversas partes do mundo irão se cruzar na I Bienal Internacional de Teatro da USP. Com o tema “Realidades Incendiárias”, o festival traz para a capital paulista peças que colocam em cena, de forma arrojada e inusitada, as fricções de universos marcados por relações conflituosas: em 66 minutes em Damascus, do diretor libanês Lucien Bourjeily, por exemplo, é possível vivenciar a situação de conflito na Síria; no espetáculo da Cisjordânia, The Island, por meio da história vivida entre dois companheiros de cela é explorado o drama da era do apartheid; já em BadenBaden, montagem do Coletivo Baal, de Florianópolis, inspirada no texto de Bertolt Brecht, é posta no palco uma espécie de prenúncio do nazismo.


(espetáculo "BadenBaden", do Coletivo Baal[Florianópolis/Santa Catarina]/foto Lucas Heymanns)

A escolha dos espetáculos – cinco internacionais e quatro nacionais –, levou em consideração os temas mais caros à juventude contemporânea  e a proposta estética das montagens. São artistas e companhias que apresentam uma trajetória ímpar e amadurecida, porém, pouco conhecida no Brasil, no caso dos grupos internacionais, e em São Paulo, pensando nas produções de Florianópolis e Minas Gerais.

“O título ‘Realidades Incendiárias’ é uma tradução de nossa própria percepção sobre esses trabalhos. Percebemos que havia uma urgência desses jovens em falar de suas realidades. Evidente que são realidades muito diferentes, com conflitos e incêndios distintos entre si, mas todos esses grupos estão dispostos a trazer, de algum modo, as inquietações de suas vidas para suas obras”, explica Deise Abreu Pacheco, que coordena a curadoria da Bienal, composta por Ferdinando Martins, Maria Tendlau e René Piazentin.

Teatro como diagnóstico do presente
Ferdinando Martins conta que a equipe organizadora pôde realizar seu trabalho de forma bastante livre durante um ano e meio de preparação. “Fizemos toda a Bienal apenas com o recurso da própria universidade. Isso nos proporcionou uma liberdade absoluta de escolha dos espetáculos que dialogam com o tema que, na época, nós imaginávamos ser interessante. Hoje, depois das manifestações de junho ,vemos como foi uma escolha bastante acertada”, diz.

Para ele, o teatro tem despontado como linguagem responsável por fazer os diagnósticos do presente, assim como fez a literatura no século XIX e as artes visuais na primeira metade do século XX. “A escolha das peças acabou formando um mapa geopolítico não por acaso: ele se deu via teatro porque as pessoas do meio estavam mais sensibilizadas para esses acontecimentos”. René Piazentin acredita que parte dessa condição do teatro esteja ligada à interdisciplinaridade, fenômeno de sua natureza, e à ideia de criação coletiva, processo cada vez mais comum na cena teatral de todas as partes do mundo.

Deise Abreu Pacheco pondera. “Não acho que o teatro seja a arte que trará uma bandeira de renovação, de grande transformação no campo artístico”. Entretanto, a curadora acredita que existam situações históricas capazes de favorecera aura de arte pulsante do teatro. “Em São Paulo, isto está favorecido pela luta da classe teatral, que nos últimos 15 anos, com o teatro de grupo, acabou conquistando alguns caminhos – não sem bastante contradição, haja vista toda a problemática política inserida em nosso DNA. Nesse sentido, o teatro vem tendo uma posição, digamos, de frente de batalha artística e política, mas ainda tem muita coisa para andar”, comenta.

Entre as batalhas que o teatro ainda deve travar está, para Ferdinando Martins, a luta pela formação de público. “A linguagem está tão antenada e o público está sumindo? Sim. Porque, de outro lado, temos um processo de idiotização da sociedade, em que o público já não consegue se ver nos espetáculos ou se incomoda de estar refletido nele. O mundo inteiro reclama da crise do público no teatro. Claro que é uma crise com proporções: em São Paulo ela é muito mais grave do que na Argentina, por exemplo”.

No caso do Brasil, Deise Pacheco defende que o estado deve garantir que todos tenham acesso às regras do jogo: “as pessoas não gostam de teatro porque elas não entenderam como se joga. Para que a linguagem seja democratizada é necessário que todos conheçam seus códigos. Como vamos esperar que uma população que não tem acesso a sua própria cultura pode, simbolicamente, ter acesso ao teatro, que é o suprassumo da linguagem?”. “Porém, acho que há esperanças por meio de iniciativas como a Bienal e outras tantas que podem favorecer essa partilha de linguagem”, continua.

René Piazentin acrescenta que, hoje, a sensação é de viver o resultado de um processo que sempre pensou o cidadão ideal como um sujeito bem comportado que, preferencialmente, sai do trabalho, se dirige até sua casa, liga a televisão e pronto: tudo resolvido. “Por que me submeter a uma cidade que não me dá sensação de segurança, a um espaço público que não sinto como meu, a um trânsito caótico? Pensando em todos esses fatores, quando você olha para uma platéia de trinta pessoas você pensa ‘nossa, tudo isso?’. Não deixa de ser uma vitória, o que, por um lado, é triste”.

“Lembro de uma conversa que tive com René via Facebook, em 2011, enquanto estava no Irã. Eu disse: as peças, aqui, ficam em cartaz quatro meses e fazem quatro sessões durante a semana e quatro durante o final de semana. Esse é o padrão. O René me respondeu: se você disser que tem público, eu corto os pulsos. ‘Pagante’, eu respondi”, ri Ferdinando Martins. “Lá, apesar da repressão, há uma cultura voltada para o teatro. Lembro de um diretor me dizer: aqui, ator não fica desempregado. Pode ganhar mal, mas desempregado ele não fica”.

Modalidades paralelas
Além das montagens a programação da Bienal prevê outras modalidades em torno do tema “Realidades Incendiárias”. São elas: Roda de Espectadores, nas quais o público, comandado pelos pesquisadores Flávio Desgranges e Giuliana Simões, poderá discutir os temas das peças em cartaz; Partilhas Incendiárias, apresentações do projeto de artistas participantes da Bienal; Curtos-circuitos, espaço destinado ao encontro entre os diretores e grupos, workshops de dramaturgia, com a presença  da encenadora e autora inglesa Lisa Goldman e do dramaturgo argentino Santiago Serrano; e workshops com os diretores Lucien Bourjeily, do Líbano, Vicente Concílio, do Brasil, Oliver Flijc, da Croácia e Lotfi Achour, da Tunísia.

I Bienal Internacional de Teatro da USP
Quando:
 até 15 de dezembro
Programação completawww.usp.br/bienaldeteatro/]


                                                                                               (FONTE: por Marinho, Mariana. Um palco de urgências/revistacult.uol.com.br)

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