segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Pop Ato em N. Rodrigues

 Pop Ato em N. Rodrigues
por maneco nascimento

Um barulho por nós, que amamos a cena revisitada. Assim parece a primeira impressão mantida com a montagem vinda de Cubatão (SP) e assinada pelo Teatro do Kaos, companhia das cenas, com apenas 15 anos de estrada, mas com currículo de + de mil apresentações “curiadas” por 200 mil pessoas. 

O espetáculo, “A Falecida”, de Nelson Rodrigues. Dirigido por Marcos Felipe e Sandra Modesto e, na Direção Geral de Nelson Baskerville, a montagem traz uma vivacidade que encanta pelo barulhinho bom de prestar a atenção e pela ousadia compensada de transformar uma tragédia carioca em musical do morro, como todo o átomo das realidades triviais amaciadas à cena do lúdico e elaboração dramática moderna.

A Cenografia, de Paulo de Tarso e Teatro do Kaos, rasteja na simplicidade emblemática de passadiços de madeira que interlinka os núcleos comunitários do enredo (igreja, casa de Zulmira(s), campo de batalhas coletivas, funerária, casa do mandachuva do morro, etc.), tablados a quase sugerir moradias arranjadas sobre palafitas e outras coisas comezinhas de qualquer periferia, engradados de cerveja e mesa de bar que transformam-se em escritório, bar propriamente e móveis domésticos. 

O Figurino, de Sandy Andrade e Teatro do Kaos, carrega as buscas pelo representativo, sem ser “over”, nem perder afinidades com cores, desenhos e aplicações de identidade do grosso das periferias nelsonrodrigueanas, que não fogem do Brasil de margem dos grandes centros urbanos de qualquer parte do país.

O mapa de dramaturgia à cena que seleciona três atrizes para dividirem a personagem protagonista, Zulmira, amplia o gancho original do autor e experimenta, com sucesso, as nuances da fala social da mesma personagem na boca de trio distinto. Experimentações das intérpretes para mesmo corredor de Ariadne.
   
(arte do cartaz/acervo: Teatro do kaos)

O contraponto da dona de casa, seu marido Toninho, também fragmentado a três atores. Corinthiano genético, o típico modelo à expiação cênica do Nelson. Desempregado, amante das outras oportunidades (in)dispensáveis, boa bisca e escorregadio do morro, batata! A dramaturgia compõe três núcleos distintos, espacializados, da vida doméstica de Zulmira, em que os diálogos se completam, reverberam ou ecoam em continuísmo dramático eficaz.

Um Nelson musical, com sua cepa primordial ampliada ao contemporâneo dos funks, rádios comunitárias que falam a língua das gentes do morro, as igrejas salvadoras das almas e pastoras dos filhos pródigos e os atos falhos à catarse comum do sincrético e de efeito epifânico de vida e morte entre o céu e os inferninhos das doces periferias brasileiras.

Há na montagem o Nelson de todas as horas, o caos nelsonrodrigueano contumaz e o caos estético do Teatro do Kaos que, em niilismo assentado, gera potência a risos e lágrimas amargas do universo obsessivo da Flor do teatro moderno brasileiro. A Trilha Sonora, de Sander Newton, um “gatekeep” azeitado em tradição e ruptura reinventadas à alegria da encenação.

Com Patrocínio do Programa Petrobrás Desenvolvimento & Cidadania e Realização do Teatro do Kaos – Projeto Superação, a montagem paulistana de Cubatão à “A Falecida” brinca de fingimento, com eficácia de correr riscos e repercute um barulhinho bom para Nelson e Nelsons ampliados. A Flor da Obsessão também é pop e vê-se preservada em sua essência criativa e criadora da cena moderna nacional.

Dos detalhes da dramaturgia experimentada, as facas de corte em navalhas precisas e o sangue de mentirinha do dança/teatro contemporâneo. A dramaturgia coreográfica limpa, ilustrativa da energia juvenil dos intérpretes e rica de novidades à nova cena digerida. Da nova dança o “mètier” de apresentação de elenco e suas partituras corporais de intérpretes-criadores e solos particularizados.

Os ruídos das favelas, uma polifonia dos discursos individuais que se organicizam na força cênica de cada ator e atriz do drama dissecado. 

Allana Santos, Barbara Paiva, Camila Sandes, Carolina Ribeiro, Diego Saraiva, Edson Candido, Fabiano di Melo, Hugo Henrique, Jose Lira, Levi Tavares, Lourimar Vieira, Lucas Wicklaus, Marcus Vinicius, Miry Lima, Myller Oliveira, Paulo de Tarso, Sander Newton, Sandy Andrade e Tamirys O’Hanna, um coletivo provocativo e concentrado na veia do autor revisitado.

“A Falecida”, de Nelson Rodrigues para o Teatro do Kaos e do Teatro do Kaos para a cena contemporânea, um ótimo exemplo de uma “morta” muita viva. Um teatro pulsando vivacidade. Teatro vivo, da hora e do exercício aplicado.
 
(arte do cartaz/acervo: Teatro do kaos) 

Pop Ato, na quebra do paradigma à nova leitura em práxis do teatro brasileiro de hoje. O centenário de Nelson Rodrigues também pelo diverso da reinvenção dramática de raiz.

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