terça-feira, 29 de março de 2016

Um Corpo que Fala

Esboços brazis brasileiros
por maneco nascimento

O Homem, o tempo, a flor na boca. Kuarup, Kraôs, Gueguês, Gurgueias, Tupinambás, Avá Canoês, TupyGuaranis... cunhatãs, curumins, cunhãs, culumins, Peris, Cecis, periguetes, peguetes, abelhinhas, zangões, fêmeas, machos, homens, mulheres, machões, marcados, maculados, frenesis, corpos, mercados da “carne mais barata...”, gentis, insutis, gentios, gentes urbanóides da fina flor nascida à boca da terra brasis, de “Esboço Brazil”.
(um corpo gentio, com a flor na boca/foto: Fábio Novo)

À noite, às 18 horas, no palco do Theatro 4 de Setembro, o Ato 27 Ano 2/Ano Zé Afonso trouxe, à cena, o espetáculo de novadança “Esboço Brazil”. Uma criação e direção dramatúrgica e coreográfica de Luzia Amélia, numa realização da Cia Luzia Amélia.

Ao vigor de primeiras entradas, papagaios e bandeiras, bichos e gentes e heróis brilhantes das glebas ideais brasilianas, das terras gentis, expiaram o espetáculo de dança que abre a cena para rituais primitivos de marcas e signos primordiais ao som de Um Índio, de Caetano Veloso. Se corpos dançam, porque não falariam? Quando inquietos buscam fugas de prisões, enquanto vociferam “in corpus parla” liberdades, em expressionismos de linguagem da dança.
(o corpo que fala/foto: (Cia. Luzia Amélia)

Luzia Amélia, Andreia Barreto, Giordano Bruno, Francisco Geronço e Francisco Nascimento (Chicão) esboçam brasis em “Esboço Brazil", espetáculo de dança contemporânea que capitaneia os filhos da pátria diversa e suas idiossincrasias e estratos culturais da manifestação social que caiba, a cada um, em seu contexto de atuação antropológica, pela reinvenção da cultura criada pela antropologia social.
(da gênesis ao quadradinho do corpo falante/foto: Cia. Luzia Amélia)

Numa cadeia de evolução das falas do corpo, em suas linguísticas de interação de arte popular, a radiografia antropológica de nascimento da alfabetização corporal às novas formas de expressão ao diálogo de sensual. Sugestões e ressignificação simbólica da arte, de apresentar corpos, às luzes midiáticas pelas novas sugestões de interação sócio-cultural de futuros e mercados.

Um bom peso à abertura, de medidas reflexivas das inquietações que povoam esse tempo de novos olhares e dores às novas sobrevivências do universo urbano, que vende e compra futuros deslumbrantes, ou deslumbrados.

O homem com a flor na boca; o gentio com a dor da forca que mata, sem tirar-lhe a vida; o pardo estarrecido na parda manhã das culturas e suas indústrias culturais que lhe cobrem o corpo, lhe devoram o sopro natural de vida original; o falso branco, o negro, o mulato, o mameluco, o cafuzo, o branco de sangue brasis, extasiados às sobras das tangibilidades do caldeirão da cultura que se lhe torna peculiar.
(licenciados com a flor na boca às falas do corpo/foto: Cia. Luzia Amélia)

No brasão das igualdades, nas diferenças, o corpo induzido aos prazeres domados pela força das temporalidades e simultâneos das linguísticas, que expressam origem, enredo, desorigem, desenredo das vidas e mortes compensadas ao original das veias muito sangue, posto insangue de compor novas histórias ao modus operandis, dos novos rumos intangíveis, da queda do berço original brasis.

Luzia Amélia apela às discussões de pertencimentos, identidade, empoderamento às vias e avessas de perder-se de bem ser, ou não ser, sujeito de própria história objetada a ser estranho alienígena que vindo, de uma estrela midiática, reduz o corpo natural social às sobras capital das indústrias culturais.

O que pareceria uma esteira, trançada a palha e dedos primitivos, tapete de descanso e ascensão ao âmago da consciência, é flâmula reluzente, questionadora e impetuosa à busca da reflexão, acerca das vezes sociais que geram os cotidianos urbanos das periferias e franjas sociais brasileiras, enveredadas ao + da casa grande incorporada ao “mètier” das novas culturas febris.

Amplia olhar sobre posse, domínio de machos sobre fêmeas, ou sobre machos, prostituição, quebra de tabus dos mundinhos perfeitinhos, negação da identidade e da língua que é mãe, é pátria, é aldeia gaudiana. Ou nada nega, só reflete que o homem(genérico) é produto do meio que o instala como bode de expiação, ou tratador do gado tangido.

Às estéticas criativas e criadores do ato dramático, Luzia Amélia e o Corpo, que dança seu mapa dramatúrgico, aspira confiança e talento a corpos que falam, inspira atenção e concentrado da recepção aos efeitos plásticos expandidos, à energia da matéria atomizada, pelo corpus em movimento nas linguísticas cênicas interagidas.

Não cumpre enredo aristotélico, mas dialoga apelos socráticos de dar informação que encontre eco de retorno ao objeto refletido e abre o olhar do sujeito que, animal, é o único que ri de si mesmo, para não perder a máxima aristotélica.

“Esboço Brazil” inflexiona ações de compreensão da própria aldeia expiada e impulsiona discussão sobre o umbigo nosso de cada dia. Luzia, Andreia, Giordano, Geronço e Nascimento (Chicão) expropriam a própria mora e repercutem no eu o outro que detido no bolo social.

A dramaturgia que revela igualdades e diferenças, em corpos distintos, grandes, pequenos, “inadequados”, magros, rechonchudos, longilíneos, belos e “malditos”, imprimem força de ver na diversidade o paradigma da construção social, com suas reais e necessárias diferenças.

Os figurinos, que se vão enredando às ilustrações das marcas antropológicas do “velho” ao + pós moderno e contemporâneo, defendem bem as costuras dramáticas. A luz, Pablo Erickson, aquece os ícones e pictóricos construtivos na sinergia da ação cênica e abstrai qualquer expectativa que fuja do ato dramático. A trilha, de pesquisa adequada, preenche os ouvidos e amplia a sinestesia que decola, aos olhos atentos e audição detida, aos emblemas e signos de corpos embalados à música que inspira as falas do corpus in corpo que dança.

“Esboço Brazil” caso esboce, ainda, projeto de afinação do material dramático a ser concluído, já se basta como Elemental de boa investida. Há + forte zelo cênico à + forte intenção de abrir olhos, desanuviar ouvidos e impingir o ato dramático que quebre o silêncio das línguas mortas, destrua a quarta parede e inclua esse homem(genérico) brasis no olho do furacão, que escafandra a ferida social recoberta por uma pomada de mata e cura, sem efeito xamã curador.

“Esboço Brazil” esboça, numa lente do amor das licenças poéticas e na radiografia social, um esboço do Brasil afeito à efeméride das indústrias culturais que se apropriam de linguagens da cultura e geracionam o kit do espelho da mass media, deus do Narciso retornado.

Pensa, logo resiste. E, se existe é como arte e ciência inconclusivas, mas geradoras de reflexão acertada.

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