sexta-feira, 27 de janeiro de 2012


Mímesis de margem
por maneco nascimento

+ uma montagem de teatro da cidade ganhou vida de estreia no palco do Theatro 4 de Setembro, a partir das 20 horas, do 26 de janeiro de 2012. Um público compôs-se pela classe, amigos, convidados e curiosos que acorreram para ver, muito de perto, “Macacos me mordam! A Comédia”, do Grupo Harém de Teatro.
(cartaz "macacos me mordam..."/arte paulo moura: irmãos de criação)

Em seus 26 de carreira, na cena, o Grupo já deu provas de quem pode investir no que se propuser. Dramaturgos locais, nacionais e internacionais já passaram pela forja da oficina do riso e do drama experimentados pelo Harém. Dessa feita, a proposta seria uma dramaturgia toda de caráter autoral.

Juntaram-se as medidas, os novos pesos, as picardias contumazes da lingüística particular do Grupo, a maturidade recolhida do diverso de iniciativas, a linguagem reconhecível e de cepa e DNA identitários, o humor e histrionismo naturais do histórico das montagens anteriores e a fidelidade cênica de grupo e elenco. Feita luz: “Macacos me mordam! A Comédia”.

A dramaturgia e encenação de Arimatan Martins que, na montagem traveste-se de o Macaco Charles, o naturalista inglês Darwin, para enredar a história contada, tem sua cara, sua pele e pelos, ossos e fibras energéticas à quase manifestação yunguiana da individuação, de princípio da indivisibilidade entre interior e exterior. Mesmo ainda na margem, concorre para licença poética na cena viva de desenho dramático.
 (espetáculo: "macacos me mordam..."/igor campos, emanuel andrade e f. pellé/foto: margareth leite)

A iluminação, de estréia, atribuída a Roberto Sabóia em sua volta a projetos de teatro, ainda não descobriu o caminho das pedras. Estava à busca do ator. O ator é para a uma luz, como a luz para ele. Havia um descompasso. Elenco no escuro sem parecer proposta e elipsoidais em grande escala de céu em expansão desatomizada. A luz se identifica nos números musicais.

A pesquisa musical cumpre papel para propósitos planejados. A operação de som, de Zé Dantas, perdeu alguns tempos de sintonia de texto, ator e cena. Microfone que não capta a primeira fala do ator, em cena de abertura do espetáculo que vai guiar a platéia ao enredo, surtiu como ruídos na comunicação.

O áudio que entra no susto e pega o texto com bonde a meia estrada também deixa algo a dever à narrativa. Noutro momento, o ator e seu macaco narrador, sem o suporte do microfone auxiliar, impõem ao público a dificuldade de inaudibilidade. Voz pequena às vezes de intimista e “nô”, de Arimatan, não funcionou, mesmo em destaque de plano e foco frente do tablado.

A cenografia, que leva o nome de Emanuel de Andrade, é um dos + eficazes elementos para constituir uma “savana”. Preenche o espaço e transmuta-se entre material e imaterial de aplicação para desenvoltura do elenco. Simples e seco pano de fundo à base de cipós não poderiam melhor apresentar espaço para primatas e novos macacos em transformação de cotidianos.

Edmar Aquino acena painel de centro urbano, com assinatura e tudo à mostra, ganha em portfólio, caso tenha perdido espaço técnico no material de arte visual impresso. Belo painel.

Os adereços e figurinos, de Lopes Neto, também eficientizam-se na proposta. A pele dos primatas (macacões cor terra) é de natureza prática e elemental para signos e semânticas. Os figurinos das macacas divas também acompanham a trajetória evolutiva e emblematizam a antropologia da cultura de massa.

Kiko Moreira que assina a maquiagem cumpre papel pragmático. Está na esteira da estratégia evolutiva da dramaturgia.

O Corpo e Movimento, facilitados por Fernando Freitas, vê-se melhor aplicado caso a caso. Há ator com destreza natural motivada e outros apegados à leniência e indolência de corpos. Estes ultimos confundem-se na lingüística da esfinge de P. Weil e Tompakow e, ao que parece, também tornaram-se analfabetos da linguagem às cênicas.

Do + primata ao macaco que pensa, logo existe, Fernando Freitas desempenha teatro diferenciado. Ainda que para truques cênicos e macaquices sugeridas pela dramaturgia, consegue dar uma desenvoltura de ato de ator, numa redundância permitida, muito qualificável. Sua macaca Liza Minelli é show. Mas o tônus de ator e corpo está presente em todo o enredo.

Francisco de Castro ainda está em ato de tímida entrega. Seu macaco ainda não descobriu a sola dos pés. Só com essa consciência do corpo poderá vociferar a fera, redundância necessária, que sofre presa dentro de si. A construção da personagem conspira na margem, entre o drama (do ator e cena) e a picardia (solicitada), mas há uma força que precisa romper a pele do animal que pensa. E teatro é ciência.

A sua macaca Carmem Miranda pareceu tensa e contida pelo circunstancial da estreia e stress de toda natural falha humana. Com + azeite, esqueçam-se os estimulantes do passado da diva, tornará possível a sua macaca uma fonte de poder, com a verdade de cena, à pequena notável.

Kiko Moreira passa quase desapercebido, enquanto macaca comum. Cumpre o “mètier” e fica às custas dos colegas de cena. Porém torna-se muito visível com sua macaca Marilyn Monroe, para normas aplicadas às Marias, Stelas, Jeanes e Mortensens.

Emamnuel Andrade tem um esforçado desenho de teatro às boas intenções. Ainda fala pequeno, mas os traquejos lingüísticos e os trejeitos de natureza próprios ganham perfil para cena. O macaco não desceu da árvore em vão e teatro é a arte da repetição. Vai trocar o osso pelo tablet, no momento certo.

Francisco Pellé realiza um teatro + naturalista que neutro. Gagues e corpo largado ao efeito de cena despojada viram lugar comum. Carrega para a cena arquétipos de antigas memórias afetivas de personagens anteriores. Compõe no conjunto, mas está em desvantagem em ação de ator que se reinventa.

Arimatan Martins, como o pai da teoria da evolução das espécies na cena, cumpre a ciência do fingimento. Texto claro, salvo momentos em que a tecnologia falha, marca a passagem dramática a que se propõe. As pausas textuais aplicadas enfatizam o particular do didático imposto.

A grande surpresa foi Igor Campos. De manequim com passagem pelo primeiro mundo e experiência para sonho de faunos, em estréia na cena local, torna-se nessa montagem um segredo revelado. Tônus de corpo equilibrado e interpretação de entrega total. Sem medo de ser ridículo torna-se ator e gigante. No número musical é de verdade surpreendente, ganha a cena.

Macacos me mordam! A Comédia”, a nova linha de montagem do Grupo Harém de Teatro está no mercado, agora é só consumir. Ainda não tem a energia nem a dinâmica encontradas no pé direito de construções dramáticas anteriores, mas tem “feeling” invejável.

Macacos me mordam se essa nova edição de repertório do Harém não ganhar a forma que ainda está na mímesis de margem. Vida longa aos Macacos!

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