segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Um dia, Ramsés.


Um dia, Ramsés.
por maneco nascimento

Um dia, depois de algum tempo residindo no leste europeu, voltou à terra que o viu tornar-se Ramsés. Era o mesmo homem, tinha o mesmo humor inteligente, sintético e cáustico. Estava + maduro, naturalmente, mas mantinha o mesmo sorriso e destilava as mesmas “cobrices”, das brincadeiras que trocávamos para o riso e o entendimento da piada inteligente.
(ramsés ramos/foto divulgação)

Ramos já não era o rapaz que cruzávamos nos corredores da antiga escola técnica federal do Piauí – etfpi, nos ensaios do coral da instituição, ou nos espaços da cidade em que nos podíamos rever e rir do perspicaz da farpa acertada. O mesmo belo rapaz de fúria do saber inteligentíssima.

Bom pianista, bom músico, oratória invejável para gregos e até troianos que tenham sobrevivido ao ato de dizimação quando tomada e saqueada Tróia. Grave poeta para jogo de palavras certas, texto livremente limpo. Poeta de mancheia e de educação refinada, considerando filho de quem era. 
 (ramsés ramos/foto divulgação)

Certa vez, fui a sua casa com o barítono Raimundo Pereira. Fomos recebidos pela mãe de Ramsés. Quando apresentada a mim, na minha ingenuidade comentei: “Ah, o mesmo nome da mulher de Villa Lobos!” Ela assentiu com a cabeça, levemente, quase imperceptível. Tinha um riso comedido, sem malícia, nem reprovação pelo comentário. Mulher refinada e disponível à visita sem anúncio prévio.
 (ramsés ramos/foto divulgação)

Ramsés tivera boa educação, logo era muito aprazível, mas especialmente bem humorado. Seu humor acompanhava sua criação e seu status conquistados. Falava + de três línguas e nunca foi esnobe. Quando voltou em Teresina, como comecei a tratar nessa memória, vinha lançar um livro de poemas, em quatro idiomas.

Um delicado livro de bolso. A capa em preto e no centro dela espalhando-se para o verso da capa a imagem holográfica do mapa do país, em que residia, na cor vermelha. A entre capa em vermelho puro, assim como a primeira página em puro vermelho.

Na capa acima do mapa se lia:
ramsés ramos
da paixão
o vásni
de la pasión
de la passion


Na terceira página do livro, toda em branco, se lia, “ramsés ramos, praha 1992”. Foi nesta página que, no dia do lançamento, ele dedicou a mim seu ótimo humor: “Ao Maneco paixões de bonecas... Ramos the 9.1.93.”. Na quinta página, toda em branco, repetia-se o título do livro com letras em vermelho.

O primeiro idioma, português. A sétima página, toda em negro, o título dos micro poemas na língua mãe: “da paixão”. “I paixão ligeira/será essa a maneira?/II paixão vadia/onde tanto iria?/III paixão atroz/quem seria o algoz?/IV paixão miúda/vezes mais aguda/V paixão suave/leve ave/VI paixão amorosa/perfume de rosa/VII paixão platônica/quase canônica/VIII paixão suicida/morte em vida/IX paixão mortal/luto, afinal/X paixão/movimento vão?

A segunda língua, tcheca. O padrão arte visual o mesmo. O título na página total em preto, letras brancas. Os micro poemas em páginas brancas e frases com letras em preto: “o vásni”. “I váseñ prelétavá/rekni, co nám dává?/II váseñ svetácká/ci dusi polaská?/III váseñ zdivocelá/nebezpecná strela/IV váseñ malicherná/levné lásky herna/V váseñ nezná,/tíhu zloby nezná/VI váseñ milující,/pel milenky lící/VII váseñ platonická,/láska, chrám, novicka/VIII váseñ az k nebytí/hloubku dna pocítí/IX váseñ smrtící,/cerñ hrobky se svící/X váseñ,/rozumu strázeñ"

Espanhol. “de la pasión”. “I pasión ligera/es esa la manera?/II pasión mundana/de dónde emana?/III pasión atroz/quién será el feroz?/IV pasion menuda/ a veces más aguda/V pasión suave/leve ave/VI pasión amorosa/perfume de rosa/VII pasión platónica/casi canônica/VIII pasión suicida/muerte en vida/IX pasión mortal/luto, al final/X pasión/razón sin razón?

Francês. “de la passion”. “I passion volage/dans ces parages/II passion vagabonde/fait la ronde/III passion atroce/comme une crosse/IV passion menue/parfois aigüe/V passion douce/volée d’un mousse/ VI passion amoureuse/rose heureuse/VII passion platonique/quasi canonique/VIII passion suicide/place au vide/IX passion mortelle/deuil éternel/X passion/à quoi bon!"

Ao final dos poemas editados em francês, vinha uma página em que finaliza a edição para quatro línguas: “poemas feitos em novembro de 1991, em Sana, Yemen ramsés ramos, etc." Assim como começa o livro, encerra-o. A última página e a entre capa em todo vermelho. A capa para o livrinho sobre paixão em preto e vermelho. O sanduíche de poemas em vermelho, preto e branco. Pura poesia.
 (ramsés ramos/foto divulgação)

Grande poeta, grande intelectual da cidade, artista generoso e homem de alma livre e bem humorada. Esse era nosso querido Ramsés Bahury Ramos.


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