sexta-feira, 14 de março de 2014

A Batalha realizada

Pérolas aos Poucos
por maneco nascimento

Durante dezesseis anos, um projeto de ação cultural cênica, criado pelo governo do estado, avança sobre as pedras, capim, calçamento, área urbanizada e estilística arquitetônica, espaço de reserva e proteção à memória e história dos Heróis do Jenipapo. O projeto “A Batalha do Jenipapo”, o espetáculo.

Em Campo Maior, fora do limite urbano, às margens da BR 343, está plantado o Monumento Heróis do Jenipapo, um parque de visita, museu e campo santo em que, emblematicamente, se conservou também a memória tumular das gentes simples (vaqueiros, roceiros, homens de Campo Maior) que lutaram pela integração nacional e primeiro ato manifestado de adesão brasileira à causa da Independência do país.

É neste preservado campo de batalha que + de cinquenta atores de Teresina, uns trinta de campo maior, produtores, equipe de apoio, “staf” oficial da Fundac, técnicos de som e luz, diretor de cena e dramaturgo se encontram, anualmente, para em 13 de Março, reproduzirem os relatos memoráveis dos fatos que marcaram o Piauí, no Brasil, em uma das + sangrentas e heroicas guerras de fogo, coragem e determinação em nome da liberdade.
(cena de A Batalha do Jenipapo/fotos cel. jorge carlo)

Com texto adaptado, de pesquisa histórica, Aci Campelo detém os direitos de construtor da dramaturgia textual que chega à cena por mãos de dramaturgos de palco. Por esse espetáculo já passaram os diretores Arimatan Martins, Siro Siris, Franklin Pires (que optou em criar seu próprio texto à dramatização) e, novamente, Arimatan Martins. Durante + de uma década e meia, um elenco empertigado e envolvido em recontar uma história e revisitar uma memória sócio cultural nacional.
(as gentes e  o brasão da liberdade/fotos cel. jorge carlo)

Nesse 2014, de volta à dramatização do espetáculo, o diretor Arimatan Martins reinventou a variação sobre o mesmo tema. Três narradores, cavalos da montaria da PMPI (já tradicionais), heróis dos livros e historicizados dividem cena com o elencão assentado no solo épico e com um drama epopeico, recheado de energia que contagia o público a cada ano em que se recupera a mímesis da vida do século XIX, revivificada nos arroubos do lúdico e fantástico mundo da arte do fingimento, em nosso contemporâneo.
(épico a heróis, cavalos e gentes simples/fotos cel. jorge carlo) 

Os atores de Teresina, em maioria, profissionais, se preparam a cada ano e repercutem uma mesma emoção, reinventada ao contexto da hora. Imagine + de cinquenta atores deslocados para Campo Maior e alojados, por vezes, improvisadamente, em locais pouco salubres. Muitas vezes, esse elencão foi acomodado na sede da UESPI, do município dos carnaubais.

Aquele local, enquanto lá ficamos, nunca esteve apropriado para receber nem estudantes da academia superior, que dirá atores e atrizes que para ali eram deslocados a recontar, em energia dramática, a memória campo-maiorense e do Piauí. Batalha vencida, a cada edição, às salas sujas, cheias de mofo, banheiros coletivos inoperantes e descuido público que os artistas relevaram em nome da própria arte.

Na versão de 13 de março de 2014, houve uma mudança de ambiente de recepção do elencão. A sede da secretaria municipal de campo maior (SEMED) foi local que os artistas tiveram como apoio até a hora do espetáculo. A infra-estrutura não foi a das melhores, um novo improviso,  + asséptico, e como ficou claro, seria o disponível. Um chuveirão, instalado no quintal, guardou à privacidade os homens que quiseram tomar um banho, depois do ensaio a céu aberto, de reconhecimento de palco, pela manhã, no local da apresentação que se daria a dramatização, na noite.

No quintal da SEMED (Campo Maior), ao fundo da área administrativa, se viu sob um arvoredo frutífero uma imagem que não me furtaria de relatar. Uma montanha de carteiras e cadeiras escolares, expostas ao calor e às precipitações pluviométricas naturais, em chuvas de verão. Mas o estarrecedor é a quantidade de carteiras e cadeiras escolares ali amontoadas. Talvez + material e recurso público desprezado, que número de alunos em sala de aula. Feito o registro.

Quanto ao espetáculo principal da noite, “A Batalha do Jenipapo”, prevista às 18h30, ficou à espera do final da entrega das incontáveis Medalhas, “Heróis do Jenipapo” (governo municipal Campo Maior) e Ordem Estadual do Mérito Renascença e Ordem Estadual Valério Coelho Rodrigues (Estado), aos celebrados cidadãos da cidade e alhures; dos discursos monocórdios oficiosos e determinantes do tempo político; de entradas, nostalgia disfarçada de permanência em cargos eletivos e despedida espetaculosa para forjar novas estratégias e bandeiras eleitoreiras.

A guarda armada e representativa do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Piauí é quem + sofre com o cerco a(r)mado. Das 16 horas, o previsto, ou até antes desse horário, para manter a disciplina e fidelidade imposta à hierarquia, os militares aguentam o tranco, pois da cota do “mètier” representar-se ao ofício.

Ao final, a pompa militar, ainda, se apresenta com toda a sobra de energia, em circunstância, ao público sobrevivente. Armas e roupas de gala, performance marcial e elegância espartana os redime da penalidade da espera, em postura “in continenti”. O espetáculo militar mereceu aplauso sincero do elencão do espetáculo que sempre posteriza essa oficialidade.

O público natural do espetáculo, do horário da tarde e de expectativa quente de ver “A Batalha do Jenipapo”, foi se esvaziando, cansado das esperas impostas. Quando, enfim, chegou a hora da encenação, restavam umas poucas autoridades, que antes lotavam, com os convidados, os camarotes oficiais. Os celebrizados com a Medalha, talvez, também cansados, saíram à francesa, levando consigo o peso da própria homenagem recebida.
(cena final, bandeiras e liberdade/fotos cel. jorge carlo)

Mas o público que resistiu não perdeu a espera de espectador. Recebeu uma cena poderosa e muito representativa do que melhor se produz para espetáculo épico e feito a céu aberto, no estado.

Entre o público, alguns estudantes + ousados e pacientes, pessoas simples e comuns a todos os anos, um grupo de manifestantes, que em apitaço, marcou ruído de comunicação nas falas do governador, ao seu discurso de despedida, e uma minoria representativa que guardou o cansaço, da sabatina oficiosa “indispensável” e manteve um olhar atento e orgulhoso à cena viva, apresentada pelos heróis da resistência. Ponto para a arte que revigora a humanidade em todos os tempos.

Muitas escolas, que vieram em excursão, tiveram que voltar às suas vidas, sem ver o espetáculo. A espera não superou o momento de retorno das crianças e professores, haja vista o local de apresentação de “A Batalha do Jenipapo” ser fora dos limites urbanos de Campo Maior. Professores pediam desculpas por terem que ir, estudantes partiram pesarosos. Suas expectativas deverão esperar uma próxima oportunidade.
(cena final, bandeiras e liberdade/fotos cel. jorge carlo)

Os artistas deram seu tudo aos ausentes e aos presentes, como manda o figurino da encenação. Uma Pérola aos Poucos que rodearam, em arena, a cena exposta. Valeu toda a atenção guardada aos que conseguiram ficar. Ninguém ali reclamou do espetáculo, se o fizeram foi do tempo desgastante em que se viram obrigados a cumprir, em oficiosa espera, pela dramatização.

Para os atores e todos os profissionais envolvidos, na montagem apresentada, tudo saiu como o planejado. Como diz o texto de Aci Campelo, “tudo foi executado, conforme o planejado”. Mais orgulho ficou nos artistas por poderem manter o previsto e apresentado ao público resistente.

A Pérola aos Poucos repercutiu muito bem, obrigado. E toda a força e energia foram direcionadas a quem realmente veio ver a encenação. É para esse público que se vê identificado e em identidade com a peça encenada, que vai o orgulho e respeito concentrados n’A Batalha do Jenipapo, ato cumprido, em Campo Maior, no último dia 13 de Março.

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