sexta-feira, 19 de abril de 2013

Laboratório de Ópera

Laboratório de Ópera 
por maneco nascimento 

Casa aberta, arte e cultura pedem passagem. O Complexo Cultural do Matadouro – Teatro do Boi recebeu, nesse 16 de abril de 2013, às 20 horas, o espetáculo “A Vingança da Cigana”.

 Uma releitura para a Ópera jocosa de artista português que reúne o trabalho de alunos de canto da Universidade Federal do Piauí. 
(Partitura original de A Vingança da Cigana)

A Vingança da Cigana” é um divertido drama joco-sério que conta a história de oito personagens de classe média-baixa que se cruzam na região ribeirinha, em Lisboa. Contextualizado na época em que foi escrito, o texto aborda as relações entre classes, raças, profissões e namorados no final do século XVIII. É interessante notar a influência da cultura afro-brasileira no texto de Caldas Barbosa e a presença do lundu e da modinha na música de Leal Moreira. (release)

(Domingos Caldas Barbosa,autor do texto de A Vingança da Cigana/divulgação)

No palco, Luana Campos (a Cigana); Késsia Lopes (Lambisca), Gildomar Oliveira (Grilo); Lucas Coimbra (M. Pierre); Edivan Alves (Tarelo); Francisco Pereira (Cazumba); Marcos Vinícius (Chibante) e Juliana Lima (Camila) desenvolvem bem o laboratório perseguido. A montagem é envolvente e ganha corpo de tranquilidade na cena. Os intérpretes estão em bom tom, musical. Gracejam música e cena, dramático-jocoso, com um aceno de pequenos grandes feiticeiros na arte operística. 

(elenco de A Vingança da Cigana/divulgação)

A Cigana, de Luana Campos, domina o campo de encenação com carisma, desenvoltura vocal e, performance determinante, ao tempo de dramaticidade musical que o libreto solicita. Sua extensão, afinada, vocal, um deleite para ouvidos seguidores. Lê o destino do público, sem vacilar e coopera na recepção limpa do enredo apresentado.

(A Cigana em ação/divulgação)

A empregada, Lambisca, composta por Késsia Lopes apresenta o contraponto no diálogo com a patroa, Camila (Juliana Lima). Há uma cumplicidade da divisão de cena que as mantém em sintonia, seja quando estão no enredo doméstico, na visita da cigana e ou quando reúne-se todo o grupo da trama. A Lambisca é a intrusona e enxerida que participa no desenrolar dos amores permitidos.

(cena de A Vingança da Cigana/divulgação)

A Camila, de Juliana Lima, também tem desempenho de boa média. Consegue desenvolver canto e encenação com uma naturalidade já fora do intempestivo e exasperado. Atrai domínio gracejado da cena exigida.

 Os personagens masculinos, de contracena e de antagonismo libretado, também estão muito bem. Gildomar Oliveira (Grilo), o barbeiro do sítio, tem uma das melhores sintonias de expressões e domínio de espacialidade, em economia e humor apresentados. 

Lucas Coimbra, com seu M. Pierre também é bem definido na encenação; Francisco Pereira (Cazumba) detém marcas entre as falas (cantadas) e o diálogo com o barbeiro Grilo, com tempo de passagem limpo e sincronizado. Marcos Vinícius (Chibante) e Edivan Alves (Tarelo) completam o time masculino e vinculam o fecho de drama, cantado, com eficiência.

A ópera foi composta para a reinauguração do Teatro São Carlos, em Lisboa, em 1794, depois de ter sido totalmente destruído no terremoto que abalou aquela cidade em 1755. Leal Moreira foi convidado para Diretor e tentou inserir obras em Português num contexto de forte domínio da ópera Italiana. Além dessa obra, a dupla Moreira-Barbosa compôs também em português, no mesmo período, “A saloia enamorada ou o remédio é casar”. (release)

(cena de A Vingança da Cigana/divulgação)

“A Vingança da Cigana” sob o olhar do laboratório de ópera da UFPI consegue envolver e manter a atenção do público. Recupera, no coletivo apresentado, uma ótima demonstração de técnica, estética musical e cênica, performance operística qualificada e um arcabouço de energia, conspirando para bom resultado, a partir do esforço concentrado do elenco e corpo musical.

A Orquestra de Câmara da UFPI, sob a regência de Samuel Fagundes, em “A Vingança da Cigana”, está de parabéns. A música interpretada e executada é de delicada harmonia ao canto planejado. Dos trabalhos cênico-musicais que tenho acompanhado, este talvez seja o de melhor resposta que confluam o canto, música e movimentação cênica.

Nas montagens anteriores já havia virtuose musical e de canto, mas um vazio no empenho para ator. Dessa vez o elenco cumpre também, eficientemente, a função de ator/atriz, nos diálogos exigíveis de emendar as partituras do libreto encenado.

Em “A Vingança da Cigana” esse equilíbrio está sendo alcançado. Os intérpretes estão à vontade também na hora em que destrincham os textos falados no dialogismo da cena que varia no musical. Há um lampejo, bem distinto, do cantor(a) que também diz um texto sem ruídos de comunicação estéticos. Descobriram o caminho do fingimento, extensivo ao texto falado, e a eureka está na pauta executada. 

O Departamento de Música e Artes Visuais da UFPI vem desenvolvendo, a cada semestre, um trabalho de concertos, recitais e montagens de musicais e óperas, com intuito de divulgação da arte erudita no Piauí. A coordenação vocal e cênica de Deborah Oliveira e com correpetição de Daniela Cabezas para “A Vingança...” vêm confirmar um ótimo projeto de mágica musical em Ópera cômica que ganha vida quente.

Bela vingança essa da cigana da UFPI. O Teatro do Boi esteve orgulhoso em receber, pela primeira vez, um exercício de ópera. Teresina agradece a iniciativa da Federal.

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