domingo, 10 de março de 2013

Masculino: energia e sombras



 Masculino: energia e sombras.
por maneco nascimento

O Complexo Cultural do Matadouro – Teatro do Boi recebe em temporada nesse final de semana, 9 e 10 de março de 2013, às 20 horas, o espetáculo de dança “Masculinity”, com o coreógrafo suíço Chris Leuenberger. Na proposta do intérprete-criador, um mergulho no universo masculino.

Pela primeira vez em palcos piauienses, o artista apresenta variações sobre o tema masculinidade e a própria também está no centro de observação.

Segundo o intérprete, realizou entrevistas com homens acerca da masculinidade, fez reconsideração sobre os próprios modelos à masculinidade intrínseca e esmiuçou questões sobre o que significaria a si mesmo ser homem, no momento atual, qual a própria relação com seu corpo e que dança orgulharia seu pai.

Na noite do dia 9 de março, Chris desempenhou uma árdua tarefa de fazer dança em coreografias da pesquisa de movimentos de lugar comum, com identidade ao gesto e corpo que falam o masculino. Movimentos repetitivos que vão se alterando entre o denso e o sutil do propósito de valorização e ilustração de desenhos corporais.

Há em cada gesto, definindo-se, tal pela variação ao mesmo tema, tal pelo esforço contido na expressão da fala do corpo, um mapeamento de força e energia em contenção e expansão dos trabalhos heróicos para doze ou + manifestações do masculino e hercúleo.
(Masculinity: Chris Leuenberger/foto: divulgação)

Um ponto de luz, na diagonal da direita da boca de cena, direcionado até o fundo esquerdo do palco dá o mote de cenografia que vai recortar o corpo em falas e escritos reproduzidos na segunda personagem, projetada na parede do palco italiano. Duas energias estão na cena, a do ator coreógrafo e a que se instala como licença poética no teatro das sombras, na segunda personagem em palco.

O masculino excele energia na cena real e transmuta novas energias nas ações das sombras. Dois espetáculos, o homem e sua sombra, a identidade da personagem se duplica e deixa à platéia dois mesmos movimentos masculinos, cada um com uma variação sutil e energética sobre o mesmo tema.

O intérprete, em frontalidade de confronto com o ponto de luz, vai desenhando e, num quase “descuido” do olhar da assistência, modifica o gestual para representar uma nova proposta ao masculino representado.

 De um desenho que poderia sair do neutro de uma personalidade profissional, ou característica de trabalho com suporte da força física e exercício continuado, pode-se, às vezes, identificar um nadador, um lenhador, um militar, um coito ou expressão de quadris projetados à frente, um lutador de boxe, entre outros, e um exercício, uma energia despendida para ato laboral másculo.

Falas e corpo trabalhados à exaustão, dentro de um preparo de marcas e tônus concentrados no propósito, definem obra e arte criadora e criativa ao simples transformado em cena pragmática e determinante da masculinidade prospectada, de valoração ou expiação premeditada do gesto e movimentos expressionistas do corpo que fala +, nos silêncios impactantes e nos ruídos provocados à extenuante ação corporal.
(Masculinity: Chris Leuenberger/foto: divulgação)

No descanso, do êxtase, a personagem rola sobre o próprio corpo e vai amaciando, na delicadeza da natureza em processo de zerar energias distendidas, todo o esforço representado.

 A suavidade da música se bifurca com o gesto que se apequena até uma neutralidade da ação “agressiva”. Do chão amaciado à postura ereta do sapiens sapiens, a personagem retira a caixa de som do tripé e carrega-a sobre o peso dos ombros, enquanto realiza enredo depoimental da própria história.

Talvez um Atlas carregando o mundo nos ombros, costas e cabeça, numa coreografia de apresentação da proposição cênica. Do transitivo ao intransitivo, um extasiante processo do homem e seus gestos, de energias e sombras confirmadas no ato de representar-se a si mesmo e reiterar identidades masculinas presentes no cotidiano do animal pensante do gênero “alfa” da criação.

Como último ato, este de interação com o público. O Bailarino desce do palco e sugere que alguém da platéia o ajude a demonstrar uma emoção de choro, a partir de provocações físicas, tapas no rosto, facilitadas pelo coadjuvante saído do público.

Quem se ofereceu ao exercício foi o bailarino-coreógrafo, Paulo Beltrão. O que se segue é uma pessoa distribuindo tapas na bochecha do intérprete. Uma sessão diferente e + real, haja vista esse novo enredo quebrar a quarta parede para ato impactante.

Do choque da ação assistida pelo público à expectativa gerada a um resultado solicitado pelo intérprete-criador, não houve, na noite do dia 9 de março, o que propunha Chris Leuenberger com auxílio da assistência.

Foi apresentada uma justificativa, de ambas as partes, do diálogo de tapas e ansejos, e, em seguida, após agradecer a participação de Paulo Beltrão, o coreógrafo ainda solicitou uma segunda pessoa da platéia para uma nova tentativa do exercício. Como não houve nenhum outro voluntário, Chris deu por encerrada a sessão de “Masculinity”. 

De toda a obra representada há uma, muito presente, máquina humana, com suas sutilezas e sensibilidades encravadas no gestual entre “brusco” e concentrado em definição conflituosa de natureza do homem. Gera, no lucro, estética de cena, estilo e pesquisa corporificados à nova dança inteligente e, no particular do teatro de propósitos, toda uma argamassa experimental e fruto de repertório de vivências para fuga do lugar comum.
(Masculinity: Chris Leuenberger/foto: divulgação)

Simples e complexo, de lingüística laica, que expressa energia e sombras em luzes do ato criador perspicaz e de eficiência cênica. Masculino, de razão e sensibilidade projetadas no artista, em sua expansão do homem que fala a própria língua e detém atenção do interlocutor voltado ao “Masculinity”, de Chris Leuenberger.

Aos curiosos e amantes da nova dança, ainda há + uma sessão do espetáculo. Nesse domingo, às 20 horas, no palco do Complexo Cultural do Matadouro – Teatro do Boi. Quem não vier, viverá para lamentar não ter visto “Masculinity”.

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