segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

"zonasub", zona franca


“zonasub”, zona franca.
por maneco nascimento

(...) O poeta, em contrapartida, jamais atenta contra a ambigüidade do vocábulo. No poema a linguagem recupera sua originalidade primitiva, mutilada pela redução que lhe impõe a prosa e a fala cotidiana (...) Palavras, sons, cores e outros materiais sofrem uma transmutação mal ingressam no círculo da poesia (...) Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é – ritmo, cor, significado – e, ainda assim, é outra coisa: imagem (...) O artista é criador de imagens: poeta (...) O poema é tempo arquetípico, que se faz presente mal os lábios de alguém repetem suas frases rítmicas. Essas frases rítmicas são que chamamos de versos e sua função é recriar o tempo.” (Paz, Octavio. O Arco e a Lira; trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 368 p. [Coleção Logos])

O articulista mexicano ao tratar de Poesia e Poema (pgs. 25, 26 e 27) e d’ O Ritmo (pgs. 77 e 78) traduz, nos  textos acima, e dispõe ao leitor em que meandros se geram a poesia e as falas do poema. De como seria reinventado o tempo que traduz o poeta, sua obra criadora e criativa e que faz com que poesia e poema, forjas dadas, reflitam o homem e seu tempo na reinvenção do paradigma poético. A palavra do poeta, imagens. O criador de imagens, o poeta.

Rodrigo M. Leite, jovem poeta local, na louçã criativa de frases de poéticas urbanas, vem curtindo seu couro de bode e delineando peças manufaturadas que amaciam a aridez da urbe de ricos chiqueiros de bichos fechados em seu ruminar, ou que desfilam em pastagens cinzas, dos dias contados, no calor da cidade verde.

Na apresentação de sua nova publicação “zonasub” abre identidade de memória e história quer às cidades visíveis, ou também as invisíveis e reflete outro(a) artista “‘...não se está nunca diante da cidade, mas quase sempre dentro dela.’” E completa, o raciocínio, “‘mesmo numa cidade perdida nos confins da história ou da geografia há pelo menos uma calçada ou praça que é de todos e não é de ninguém.’” Textos atribuídos a Raquel Rolnik.

M. Leite brinda o leitor a refletir-se na própria urbe e estar sempre dentro dela em pertencimento e identidade dos dias, horas, o tempo e o evento das histórias e geografias que, sendo de todos, não é de ninguém. “...cidade, te/quero qualquer coisa de minha/relâmpagos saraivados de sabores/terra entre dedos domingueiros/abraços d’avó querida (...)/quero alarido ronco uma dose ausente/um dia nublado, saudade/o gemido da gente”. (cidade, te. pg. 5)

Memórias de história da construção da cidade em trocadilho inteligente a relâmpagos e dedos intertextuais a Saraiva e Domingos Mafrense, sem perder as próprias memórias afetivas e poéticas. E à crônica urbana, “durante o dia feéricas ondas de calor com areia/misturadas ao óleo diesel borracha ferrugem e saudade/envelhecem acontecimentos presentes/torrão chapada do corisco (...)/à noite, junto de gestos precários/homens sem sombra, partes da clandestina escuridão (...)/adiante, zona sul, esquina da Mapil/garotas de esqueléticas formas, comedoras de brasa/cuspidoras de fogo!/atiçam corações feridos de aço e sucata,/esmagados pelo esquecimento”. (a tabuleta é um bairro pesado. pg. 7)

que os homens andem vagarosamente/passos lentos corredor/que os móveis estejam empoeirados/telhas quebradas goteiras (...)/que eu caminhe contigo,/aceite tua bebida! (...)/se estive pensando no rio/nos banhos não dados todo esse tempo? (...)/a sombra ainda me agrada os membros/relaxos, contornos” (posso te dizer uma coisa? – ao descobridor Arnaldo Albuquerque. pg. 8)

O olhar do poeta radiografa temas, aparentemente, fugazes. Estão na esteira de inteireza cotidiana, “da tarde que segue nervosa os homens surgem suados/carregados de preocupações, destinos a esmo/- me vê uma Antártica gelada (...)/a urbe urge roncos trôpegos/a tarde é consumida dentro de um café” (Café Art Bar. pg. 9), ou também “ao meio dia:/temíveis ondas de calor!/algumas nuvens ainda tornam a cidade nublada/claro-escura/óculos escuros (...)/ ao meio dia/anúncios comerciais em bicicletas falantes:/fogo! fogo! fogo! (delírio ao meio-dia. pg. 10).

Estes últimos versos poderiam abrir alusão contextual aos incêndios criminosos da cidade de palha, década de 1940, e, no link histórico, lembrar da metáfora popular, feita licença poética. Não podendo mais dizer fogo! fogo! fogo!, se adotou chuva! chuva! chuva!, para driblar a desproteção gerada pelos horrores violentos da polícia proibitiva de Leônidas Melo.

E, quando reluz ambigüidade, o poeta faz-se toda prova de medidas palavras, protegidas pelas imagens e outras intenções, “te/escrevo/poema duro/feito água/[não em dose]/substância presa/num copo de (...)/água/água solta/sanitária!/cáustica!/desinfetante!/água/água doida/oxigenada!/ardente!/alucinante!/naquela noite – incêndios pela casa enquanto todos dormiam/procurei escórias, ruídos, suspiros/insone/restaurei gemidos/sangrados,/sussurros/na ponta da língua, bico do seio/na flecha[na lança}/defuntas metáforas despertaram insalubres (...)/te/escrevo/poema duro feito água/água” (poemaduro. pgs. 12, 13)

Ainda sensual e narrativo humorado,combinamos/aquele Hollywood: o último/você pediu pra fumar primeiro/acendi o cigarro na sua boca, fogo!/- bem, não quero morrer igual aquele cowboy (...)/ainda não morremos  tuf tuf tuf/nem deixamos de fumar – mas aquele/foi o último cigarro que queimamos juntos” (Hotel São Francisco – em frente a rodoviária. pg. 16)

De volta aos velhos temas [tão banais], “vigas inacabadas miram o céu,/refletores desligados do estádio./na quase solidão do cimento esverdeado/vermelhas Monark’s velozes/inauguram cicatrizes, rachaduras no chão/na boca o gosto de limão/ - tradição desde 1957/ardor azedalaranjado/de um por-do-sol metálico/sísmicos abalos no meu peito/anoiteço ferrugem beira de calçada” (o entardecer baldio no terreno entre o Estádio Lindolfo Monteiro e o Verdão. pg.  17)

De volta à Chapa referenciada, “a banda tocou outro jazz/meu peito elétrico/sonhei contigo/noite inteira/Teresina, New York: Praça da Bandeira” (conversávamos na chapada iluminada. pg. 19) e,  novamente, à variação sobre o mesmo tema, o sensual noite aflora faunadentro/silêncio no afago de pernas/embaixo das mesas” (Ed. Silvestre Saraiva de Siqueira, Bar Canto Alegre. pg. 20), ou “(...) entre velhos discos novos amores/está o centro daquelas vidas naquele momento/alta noite vai quente/o sexo de todos entre as pernas,/também” (Clube do Vinil, 2010. pg. 21)

 E da expectativa (in)compensada, da presa vigiada ao testemunho da solidão não desejada, noites adentro guardam “contos”/”cantos” beirando fábula, sonhos e ou retrato sem Dorian, nem éden, “colírio meus olhos abertos/vermelhos teus pés descalços/cachorras palavras desertas (...)/rabisco teu nome parede/cerveja meu verso alado/faísca menina com sede/arisco retrato gelado (...)/alísio geral insone/teu corpo latido com rima/faísca menina com fome/--------/desisto do rastro caminho/termino o poema/sozinho” (colírio meus olhos abertos. pg. 22)

 O risco das palavras, arisco corajoso não cala, fala, estala sensações e imagens decantadas na verve dos subúrbios, periferias e urbanos versos poéticos. Assim se me deparo na recepção de zona franca de rodrigomleite. zonasub. teresina: editora paissandu, 2012. 23 páginas de licença convertida em poeta.

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