sábado, 22 de dezembro de 2012

Cultura e identidade


 Cultura e Identidade
por maneco nascimento

O Grupo Afro Cultural Afoxá, cumprindo gentileza de convite, apresentou-se na Praça Aberta do Teatro Municipal João Paulo II, dia 11 de dezembro de 2012, às 18h30m, durante a Mostra de Residentes do Teatro João Paulo II. Numa noite que reuniu manifestações da dança em linguagem ao contemporâneo, com variações para dança nova, o street dance, hip hop, contemporâneo street, intervenção street e capoeira, O GAC Afoxá abriu os serviços de apresentação com um trabalho de pesquisa e cultura de, identidade étnica, bem descolado.

Negros Olhos de Orvalho”, com desenhos de dramaturgia coreográficos facilitados por Artenildes Afoxá e elencado por um coletivo bastante centrado no estímulo/resposta ao objeto da dança pesquisado, é de uma expressão que libera licença poética, abre margens para reflexão de história e memória dos povos africanos, em forçado rompimento de origens e reafirmação em outra terra. Também revela, através da dança e heranças culturais de raiz, a reinvenção da cultura afro-descendente para solo brasis.

Teatro e dança vão se formatando e enredando o caminho da pesquisa elaborada à estética dos corpos que falam e das tradições religiosas, de memórias orais e das interrelações de ritos e passagens ao novo momento de (re)nascer, sem jamais perder os troncos de afinidades e história que compõem territórios africanos mesclados com brasileiros.

Artenildes Afoxá, ao enredo dramático, lança mão de trechos de poemas, quando os recita com muita verdade e força interpretativa recheada de ação e atitude dramática eficaz. Todo o mapa dramático e enredo premeditado impõem lembranças de emblemas a dias fatídicos, do tráfico negreiro, dos açoites e indignas ações de escravizadores, mas também da resistência redentora. 

A dramaturgia também ilustra cenas de dança/teatro que revigoram todo corpo da montagem, sem trazer tratamento romantizado, panfletário ou discurso em desuso. O discurso fala pelo corpo que dança e exprime razão e sensibilidade reflexiva e com acuidade artística.

Um centrado coletivo que dança e impõe ao espectador imagens de um quase “(...) Tinir de ferros... estalar de açoites.../Legiões de homens negros como a noite,/Horrendos a dançar.../Negras mulheres, suspendendo às tetas/Magras crianças, cujas bocas pretas/Rega o sangue das mães:/Outras moças, mas nuas e espantadas,/No turbilhão de espectros arrastadas,/em ânsia e mágoa vãs! (...)" (Alves, Castro. O Navio Negreiro)

Também na cadeia evolutiva da cultura musical, herdada da verve africana, os bailarinos demonstram as novas linguagens e ritmos que abrasileiraram raízes negras e reinseriram no mundo moderno e midiático a força da dança, música, gingados e rituais renovados à identidade afro-brasileira. As cores e manifestos santos da religião sincrética, no Brasil, também são apresentados do divino primitivo ao ícone de Nossa Senhora Negra, rainha do país. É uma sacada de sutileza criativa.

A velha que conta histórias, também vivida por Artenildes, traz o público às oralidades, do tempo da vovó, e reinsere as velhas memórias de tradição e traços sócio-históricos. “Negros Olhos de Orvalho”, espetáculo montado pelo Grupo Afro Cultural Afoxá, repercute arte experimentada, cultura valorizada, pesquisa equilibrada à estética da cena da dança e abre canal crítico reflexivo à cidadania, valoração de etnia e identidade cultural pragmática.

São olhos que vêem a própria história, sem cair na cilada do piegas e da demagogia do varejo. É arte equilibrada à dança e ato de aprender a aprender a própria identidade e pertencimento. 

É cultura maturando propósitos.

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