segunda-feira, 4 de junho de 2012

Revestrez do Tempo


Revestrez do Tempo
por maneco nascimento

Meu primeiro contato, de perto, com João Cláudio Moreno foi quando produzia filmagens para o Documentário Theatro 4 de Setembro – 100 Anos. O ano era 1989. O Departamento de produção de tevê da Fundação Antares – Rádio e Televisão Educativas do Piauí tomara a iniciativa de realizar um documentário ficionado da história do surgimento daquela Casa de espetáculo.

 (o homem João Cláudio/ foto colhida de: palcomp3.com)

O diretor do departamento, José Gallas, também diretor e argumentador do roteiro do projeto, me incumbira de catar artistas para as filmagens. Contactei João Cláudio que, prontamente, se dispôs a gravar conosco. Era uma cena de um intelectual do século XIX. Gravamos no Museu do Piauí. 

O cara gravou de primeira e tinha uma qualidade traquejada de dizer o texto que me impressionou na lata. Amei aquele jeito compenetrado, de concentração rara para texto e para a tevê. Dali nasceu um fã do artista, sem tietagem porque, parafraseando o poeta, “(...) sem fazer barulho, é claro, que barulho nada resolve.” (CDA, Morte do Leiteiro, 1945 – A Rosa do Povo)

 (o homem João Cláudio/ foto colhida de: palcomp3.com)

Passei a acompanhar a carreira desse piauiense, de Piriripi, terra também de meus troncos familiares. Vi-o na telinha da Globo, em shows, no 4 de Setembro,  com filas dobrando a banca do Joel, com se dizia antigamente. Também observei sua passagem pela Câmara de Vereadores de Teresina. O mesmo homem, sempre com a mesma postura e suas idiossincrasias naturais.

Agora topo com esse mesmo artista, + maduro naturalmente, numa entrevista na revista estalada de nova Revestrés – Literatura, Arte, Cultura E Algo Mais. A matéria da capa “Tá rindo de quê?”, número correspondente a maio/junho 2012#02, Edição Helly Batista. 

Ao ler a entrevista sóbria, pertinaz e cheia de observações muito honestas acerca de política e seus profissionais da área, mídia, religião, amor e outras falas sobre toda a verdade será castigada, parafraseando outro grande autor nacional, Nelson Rodrigues.

 De João, só reservo orgulho e prazer em encontrar alguém com tamanha coragem em província tão afeita a proteção dos seus e de suas capitanias hereditárias e nepóticos acordos de currais.

E, sem medo de ser feliz, ataca: “O que eu acho hoje é que não só a aparelhagem de cultura, mas tudo o que se chamava Estado, foi desmontado e se esvaiu. Não temos mais um Estado com idéia de responsabilidade social. Até os secretários, antigamente, eram bem escolhidos, hoje qualquer pessoa pode ser. Nós estamos vivendo a falência do Estado (...)” (Tá rindo de quê?.  Revestrés. Teresina: Quimera, 2012, 86p. [entrevista da capa])

A entrevista vai ganhando a cara do João Cláudio e possibilita um sabor de vitória ao leitor da revista, não só pela conversa franca e desenvolta do artista, mas com todo o conteúdo da publicação. Como ninguém nasce piauiense impunemente, o ator e humorista não se faz de rogado, assume a própria língua viva.

E sobre política dispara: “As coisas estão ficando imorais. Oitenta mil reais de verba de gabinete para um deputado estadual é um escândalo! E todo mundo engole isso. E depois o deputado sai da Assembleia e vai pro Tribunal de Contas. Aí ele vai cobrar os prefeitos, criar dificuldades, colher vantagens... E nessas e outras é que avião explode e que acontecem essas coisas.” (Idem)

A gente nem sempre engole essas e outras de pedros malasartes da oficina de cachoeiras e outras valas comuns da imoral política nacional. Sobre projetos de investimentos públicos para lamber o próprio umbigo, indica:

“Olha como é difícil ser Paulo Francis no Piauí: eu fui pago pelo Sebrae pra ir ao Piauí-Sampa, quando voltei botei no meu twitter: ‘Piauí-Sampa é a maior farra de dinheiro público’. E é. Eles levam o pessoal daqui pra se ver lá, as pessoas saem daqui pra comer paçoca em São Paulo. O evento não significa nada, não tem público paulista, as palestras são um fiasco, vai um grupo de jornalistas daqui pra falar bem nos jornais daqui. Isto é uma autotapeação institucional que nos atrasa muito. Eles se zangaram e nunca mais me chamaram.” (Idem)

Querido colega de cena e bom amigo (se o destino nos permitir), quando foi que a política se interessou por cultura de verdade? E quando foi que políticas de cultura públicas, no estado, despenderam qualquer esforço para que se efetivassem mesmo. Os oito anos petistas, exemplo perto, foram + de maquiagens das paredes descascadas da prima pobre do orçamento que qualquer ação efetiva que ganhasse futuro. Parece que para o político, artista não vota.

E esperança, salvo o contrário do pensamento da Regina Duarte, toda uma grande maioria brasileira teve. E localmente, você mesmo respondeu: "(...) Veio o Wellington Dias e eu esperava uma reação, mas não aconteceu. O Estado tá sem regra, sem rumo.” (Idem)

Sobre sua carreira que “forçosamente” a cidade o impingiu a deslanchar, herdamos esse privilégio de humor tão perspicaz, inteligente e pessimista de salvação, como você cita em Saramago. Suas justificativas para o grande artista que esse estado pariu se solidificam pelo seu bom humor:

“Um dia falaram ‘o humorista João Cláudio’ e eu, ‘meu Deus, sou eu!’. Ai eu fui pensar: numa terra em que o maior intelectual é o Clidenor, o maior jornalista é o Kenard, não tem nada eu ser humorista!” (Idem)

Na defesa de nossa terra, ninguém melhor a defendeu sem qualquer complexo de Nazaré. “Eu não vi em nenhum lugar do mundo pessoas mais inteligentes que no Piauí. Aqui tem  gente que se destaca em tecnologia, sociologia, medicina, educação, artes; mas muitas vezes o resto do mundo não fica sabendo. Apesar da globalização, as coisas ainda ficam aqui, no nosso isolamento geográfico e psicológico (...)” (Idem)

Seu olhar para a cidade que não tem + fim, como dizia o poeta Torqua, está recheado de sabedoria e justiça, senão não seria o João Cláudio. Do matiz de intelectuais daqui você credita um só peso e uma só medida, discurso incomum:

 “Acho o Albert Piauí um grande intelectual, e ele não tem compromisso nenhum com a intelectualidade (...) O Paulo Nunes já é um intelectual de outro tipo, um homem que engoliu citações, antologias, e tem uma maneira de ser, tem disciplina de leitura.” (Idem)

E sobre o homem que você é, insistindo na autenticidade, nos brinda:

“Eu gostaria de ser um virtuose do acordeon, um grande bailarino, um Gene Kelly, eu tenho inveja dessas coisas. Tenho inveja do Veríssimo, do jeito que ele escreve, do Pavarotti... Eu não tenho inveja do Tony Trindade. Eu queria ser bonito como Richard Gere, eu não queria ser bonito como o Ciro Gomes, não.” (Idem)

A revista Revestrés está de parabéns, não só pela qualidade técnica de material impresso, como de conteúdo refinado. É dessa imprensa que a cidade não pode prescindir. 

Quando eu crescer, quero ser como João Cláudio Moreno.


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