quarta-feira, 25 de abril de 2012

"hiena coroada"


“hiena coroada”*
por maneco nascimento

Nos idos do II Reinado do Brasil quando opositores, moderados e leais ao governo dividiam espaço em jornais para suas defesas e ataques, o mundo da imprensa nacional e local ia ganhando forma e fórmula de comunicação de massa, a seu contexto. Na defesa da República surgiu o Manifesto do Partido Republicano, no “Jornal A República”, de 3 de dezembro de 1870, em que a defesa documental e contundente dava mostra dos rumos que urgiam que o país deveria tomar.

No tópico desse Manifesto, intitulado “A Verdade Democrática”, tem-se entre outros pontos da defesa do diverso democrático que

(...) Ou o príncipe, instrumento e órgão das leis providenciais, pela sua só origem e predestinação, deve governar os demais homens, com os predicados essenciais da inviolabilidade, da irresponsabilidade, da hereditariedade, sem contraste e sem fiscalização, (...) ou a divindade nada tem que ver na vida do Estado, que é uma comunhão à parte e estranha a todo interesse espiritual, e então a vontade dos governos é o único poder supremo e supremo arbítrio dos governos.” (Rêgo, Ana Regina Barros Leal. Imprensa Piauiense: atuação política no século XIX. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001. - Anexo I, pag. 143)

David Caldas, o republicano a quase pregar no deserto, que, segundo pesquisa da cientista da comunicação social Ana Rêgo, mantinha em seu histórico de jornalista, intelectual e político de defesas sócio-políticas, os jornais próprios “O Amigo do Povo” e o “Oitenta e Nove” em que

(...) consegue expressar o que pensa sobre Monarquia e República (...)” ou ainda “(...) Neste contexto, David Caldas constitui exceção e, por isso mesmo, a expressão maior da propaganda republicana no Piauí.” (Rêgo, Ana Regina Barros Leal. Imprensa Piauiense: atuação política no século XIX. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001. – Livro I. Imprensa Piauiense e os ideais republicanos: Considerações Finais, pag. 120)

Eram dias de busca da República e o articulador abria discussão crítica acerca do poder da vontade dos governos e supremo arbítrio dos governos. Reproduzia, em seu jornal, o Manifesto Republicano ao que as idéias republicanas deveriam sobrepor aquele contexto e fazer valer a soberania nacional como condição indispensável e inalienável.

E para texto republicano nacional, reproduzido localmente, vê-se a noção esclarecedora sobre a práxis de governar “(...) A prática do direito e não o direito em si é o objeto do mandato. Desta verdade resulta que, quando o povo cede uma parte da sua soberania, não constitui um senhor, mas um servidor, isto é um funcionário. Ora, a conseqüência é que o funcionário tem de ser revogável, móvel, eletivo, (...)” (Rêgo, Ana Regina Barros Leal. Imprensa Piauiense: atuação política no século XIX. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001. – A Verdade Democrática/Anexo I, pag. 144)

À beira de completar 123 anos de proclamação da República, a democracia brasileira mantém direitos e deveres sob vigilância constitucional. Da Carta de 1824 à de 1988 foram saltos históricos e conquistas indispensáveis à construção social e política brasileira. E, dentro dos princípios democráticos e de livre arbítrio, surgem novidades e estratégias para funcionalidade, ou contestação da Lei Magna.

Os deputados devem estar sabendo de algo mais que os pobres mortais. E estão certos que hoje haverá eleição do novo conselheiro para o Tribunal de Contas do Estado. E maior parte não duvida de outra coisa: A deputada Lílian Martins será a escolhida. Com muita folga, aliás.” (Opinião. Eleição, Sim/meio norte/Política & Justiça, Teresina, 25 de abril de 2012, A/3)

Parece que, na república do Piauí contemporâneo, política e justiça entram em desacordo acerca de procedimentos legais e constitucionais no que diz respeito a indicação de novo conselheiro ao TCE. A disputa de ocupação vem atender a vacância surgida com a morte, recente, de um conselheiro daquela Corte.

O Juiz da 2ª. Vara dos Feitos da Fazenda Pública, Reinaldo Araújo Magalhães Dantas, suspendeu ontem a eleição para a vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (...) A decisão atende a ação civil pública impetrada pelo promotor Fernando Santos pedindo a anulação do edital apontando inconstitucionalidade (...)” (Assembleia recorre para manter eleição para TCE/meio norte/Política & Justiça, Teresina, 25 de abril de 2012, A/3)

A matéria aponta que a motivação de anulação do edital impetrada da-se porque alguns dispositivos da Constituição Estadual e do Regimento Interno da Assembleia Legislativa afrontam a Constituição Federal.

(...) Fernando Santos afirmou que a Constituição Federal determina que o ato de nomeação do conselheiro seja sempre do Executivo (...)” (Assembleia recorre para manter eleição para TCE/meio norte/Política & Justiça, Teresina, 25 de abril de 2012, A/3)

Não é novidade a ninguém, já que a imprensa divulgou sem cerimônias, que teria havido acordos em que o Presidente da Assembleia Legislativa, Temístocles Filho, abriria mão de concorrência natural, com apoio de seus pares naquela Casa, ao cargo vitalício de conselheiro do TCE. Em troca receberia, do governador do estado, apoio em pleitos eleitoreiros futuros. Dessa forma, a mulher do governador e deputada estadual Lílian Martins seria alçada a conselheira do TCE.

Caso a justiça penda para o lado da manutenção da anulação do edital de concorrência, tirando dos deputados a decisão de apontar conselheiro(a), que feriria a CF, a decisão ficaria nas mãos do chefe do executivo estadual.

(...) Nessa situação, em caso de eleição de deputada estadual Lilian Martins para a vaga de conselheira a mesma teria que ser nomeada pelo seu esposo, o governador Wilson Martins.” (Assembleia recorre para manter eleição para TCE/meio norte/Política & Justiça, Teresina, 25 de abril de 2012, A/3)

Devido ao grau de parentesco entre a futura fiscal de contas públicas e o comandante em chefe estadual, o processo de escolha executiva seria passível de contestação jurídica.

Eis que, no entendimento da Lei Superior, a democracia e acordos políticos deveriam apontar rumos menos hereditários da vontade dos governos, que seria o único poder supremo e supremo arbítrio dos governos. Tal entendimento já inspirava reflexão lá no Manifesto Republicano de 1870.

Voltando ao século XIX, na pesquisa de Ana Regina Rêgo, “Os jornais de David Caldas, incluindo O Amigo do Povo como pré-republicano, destinam grande parte de seu espaço a matérias de cunho doutrinário (...) em menor escala, um discurso agressivo. Mas, ao contrário dos monarquistas, dirigem sua ira para a alteridade maior, a figura imperial, a quem, nas páginas de O Amigo do Povo chamam, com freqüência, de ‘aranha real’, ‘hydra de lerna’, ‘imperial Vesúvio’, ‘Gabriel coroado’, ‘sultão’, ‘hiena coroada’ etc.” (Rêgo, Ana Regina Barros Leal. Imprensa Piauiense: atuação política no século XIX. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001. – Livro II. Imprensa e Política no Piauí no Segundo Reinado -, pag. 328)

Havia um descontentamento com um modelo político governamental caduco e viciado a decisões e acordos de benefícios de seus pares e apoiadores do regime cômodo. Nos dias atuais de república e democracia contemporânea também parece sobreviver certo “métier”, quase de heranças de Brasil colônia e monarquia de benesses familiares e de abraço aos coligados.

Que desapareça, nesse contexto atual, qualquer apologia ao bicho chamado hiena, até porque ofende o animal. E, “(...) Ao contrário do que todos pensam, as hienas não são comedoras de carniça mas caçadores, qualificados e agressivos, embora as suas matanças, não estão no topo da cadeia alimentar, como os leões.” (www.achetudoeregiao.com.br/animais/hiena.htm)
( dupla de hienas malhadas/www.nature-pictures.org/pt/foto)
 
As sociedades e “as culturas de grupos”, também dos bichos, foram confirmadas por aquele(a) que determinou o próprio território e limites de domínio.

Com as hienas não seria diferente. “Embora possa se encontrar esses animais solitários, eles normalmente vivem em grupos familiares ou clãs, liderados por uma fêmea adulta. O tamanho do clã varia de 3 até 15 ou mais indivíduos, com cada clã defendendo um território que é marcado com urina, secreções de glândula anal, que normalmente são depositados em locais de latrina.” (Idem)
 Mas, saindo do mundo animal, em retorno à sociedade do racional e político, crê-se que em mapas de monarcas, príncipes, nababos e personagens de Maquiavel também sobra espaço para socialismo de origens puras e democracias com olhar à letra da Constituição Federal, ou não.

Déspotas e néspotas seriam coisas do passado? O Tempo da política dirá.

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