segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Do harém ao Harém


Do harém ao Harém
por maneco nascimento

harém . [Do fr. harém ár. *arCm , 'aquilo que é proibido, ou que se deve manter fora de alcance, defendido'; 'objeto ou pessoa sagrada'; 'santuário, lugar inviolável'; 'a parte da casa reservada à mulher (e à qual um estranho não pode ter acesso)'; 'a(s) esposa(s)'.] S. m. 1. Parte do palácio do sultão muçulmano onde se acham encerradas as odaliscas; serralho. 2. O conjunto das odaliscas de um harém. 3. Parte da casa muçulmana destinada à habitação das mulheres. 4. Fig. V. prostíbulo. [Cf. arem, do v. arar.] (fonte: www.harem.blogspot.com.br/)

Surgido no ano de 1985, o Harém Pictures de Teatro/Grupo Harém de Teatro tinha em suas prerrogativas primeiras a abertura de canais e territórios para a cena que se propunha impor o homem brasileiro no centro da cena. Discurso dono das falas de qualquer projeto cênico nacional moderno, ele veio com a força do jovem Grupo piauiense para novas linguagens e signos transgressores.

Assim o Grupo Harém de Teatro desenhou a própria forma e determinou seu espaço de atuação e mercado de encenação, somando-se ao histórico do teatro local já existente e perseverante. Dos primeiros passos do Grupo, a montagemO trágico destino de duas Raimundas ou Os dois amores de Lampião antes de Maria Bonita e só agora revelados”, direção e dramaturgia de cena de Arimatan Martins, foi sem dúvida o grande começo de tudo.

Texto de Chico Pereira da Silva, uma das peças que compõe a Tetralogia "Raimunda Raimunda", que o autor piauiense, de Campo Maior, dedicou à amiga Fernanda Montenegro, no começo da década de 1970, já trazia uma renovada leitura para teatro de autor genuinamente afeito da identidade brasileira a nordestes descobertos no descentrado universo da fala nacional.

 (Cena dos caminhoneiros: Francisco Pelé, Airton Martins e Marcel Julian/"Raimunda Pinto, sim senhor!", de Chico Pereira da Silva)

Das outras peças da tetralogia, “Raimunda Jovita na roleta da vida ou Quis o destino: de Pucella e Ninon”, montagem do Grutepe, com direção e dramaturgia de cena de José da Providência; “Raimunda Pinto, sim senhor!”, direção e dramaturgia de cena de A. Martins, o maior sucesso de público, crítica e bilheteria do Harém, ficou no ar por 19 anos até fechar carreira em 2011 e “Ramanda e Rudá”, montagem de São Luis, do Maranhão, com direção do argentino Marcelo Flexa.
Das boas relações sociais, criativas e interacionais de estética e plástica cênicas o Harém de Teatro solidificou e parcerizou respostas e encontros não só com os diretores e atores que passaram pela carpintaria de Chico Pereira da Silva, como reiterou laços de amizades cênicas com o Brasil que parecia desdenhar a força do teatro amador do Piauí.

Na esteira do Grutepe, agremiação bem reconhecida fora das fronteiras do estado, o Harém foi furacão de defesa e renovação do olhar para a nossa cena e garimpou os + diversos prêmios comOs dois amores de Lampião...”, “Raimunda Pinto...”, “O Vaso suspirado”, textos de Chico Pereira eO Auto do Lampião no Além”, d’outro piauiense mágico à dramaturgia ao palco, Gomes Gampos.

Ampliando sua teia de autores nacionais montou, de Plínio Marcos, “O assassinato do Anão do caralho grande”, direção e dramaturgia de cena de Arimatan Martins; “Dois perdidos numa noite suja”, em parceria com o Extremo de Teatro, de Almada/Portugal e, repetindo a dobradinha de nações, “Quando as máquinas param”. As duas últimas montagens, direção e dramaturgia de cena de Fernando Jorge, diretor de teatro do Extremo.
 (elenco de "O Assassinato do anão do caralho grande", de Plínio Marcos)

 Nos 25 anos completos, O Harém devia-se um autor + ampliado das nossas fronteiras, mas não fora da identidade ibérica. Da nova investida, “A Casa de Bernarda Alba”, do granadino Garcia Lorca, um dos + montados e respeitados na cena mundial, também recebeu olhar de Arimatan Martins e grafou latitudes e longitudes na geografia dramtúrgica a nordestes e Espanha.
(Bernardas do Harém: "A Casa de Bernarda Alba", de Garcia Lorca)

 Do começo de tudo em que o trocadilho do nome de identidade do Grupo tinha relação direta com o enredo deO trágico destino de duas Raimundas ou Os dois amores de Lampião antes de Maria Bonita e só agora revelados”,em que o Rei do Cangaço mantinha um harém, para agrado e confronto da sultana Raimunda Borborema, a agremiação Harém ficou tendo como pedra base um elenco masculino, fazendo caminho inverso do harém de cultura muçulmana.

Esse harém às avessas rendeu “horrores” de sucesso. Com montagens em que homens fizeram as vezes de personagens femininas e sempre muito bem realizadas. Como diria o diretor Arimatan, em defesa de sua dramaturgia, era preciso que atores pudessem vivenciar, na cena, a alma e sentimentos femininos para compreender a força da mulher brasileira traduzida pelos autores.
(Cena da troca de maridos/"Raimunda Pinto sim senhor!", de Francisco Pereira da Silva)

Um Harém para todo o permitido, dentro do alcance e do defendido, estudo do objeto à ciência do sacro e profano, é santuário violável ao diverso das estéticas, lugar e casa reservados ao homem (genérico) e às falas do espírito universal. Nesse local causaria estranheza o não acesso a casamentos de linguagens e línguas próprias da cena.

O Harém de Teatro, nos seus 26 anos de história planejada, é espaço de homens e mulheres livres e receptáculo de arte e cultura do diverso do espírito humano.


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