terça-feira, 8 de novembro de 2016

Um Triângulo de Valetes

em Copas no jogo de Espadas
por maneco nascimento


Numa disputa pelo ouro das 7 minas, um triângulo amoroso homoafetivo se instala e instaura um jogo de amor a brinquedo perigoso. “Uma Cama Quebrada”, texto dramático [(...) livremente inspirado no livro “Urânios”, do escritor piauiense ROBERTO MUNIZ DIAS, escrito em 2013 (...) sic], reúne três homens dispondo no taboleiro das cartas ridículas a busca do "Pássaro Azul”. 

Uma casa, um casal em estase e um terceiro elemento como intrusão às quebras do confronto e salto ao clímax repercutem a relação, a três, ampliada. 

"Uma Cama Quebrada" reflexiona a busca do um no outro, a ausência e presenças de ser e estar contido na relações íntimas que vigorem amores, paixão, sexo, (in)fidelidade conjugada ao triângulo das cuecas. Sinestésicos apuros de corpos e sensações em sexos presentes e permutados à sinergia de sensuais apartes por apegos à felicidade.

[(,,,) É bem mais fácil caminhar sem perder o prumo, equilibrando apenas seu corpo e não vidas em jogo. Esse negócio de amar pode fazer mal. Esqueci-me de abotoar a camisa, de fechar minhas páginas, de encontrar-me na esquina. Preferi ir mais longe, de mãos dadas, conversando, dialogando sem me ouvir. Os olhos fixos no outro, sempre atento. Esqueci-me de muitas coisas. Perdi meu momento. Passou. E perdi meu sorriso (...) ] (Dias, Roberto Muniz. Uma Cama Quebrada. São Paulo: Giostri, 2015. 80 p. {Voz do Narrador, pags. 65/66})
Ênio, Dino e Pedro (o triângulo de Valetes), o Galo colorido (alter ego/espelho da Madastra) e o Amigo (o segundo choque da realidade) fazem as vezes da carpintaria construída por Muniz que revela, questiona e abre frestas à um terceiro olho aos Cabras cegos, em Copas, no jogo de Espadas.

No taboleiro de brinquedos perigosos,  a relação triangulada e vendada à realidade de primeiras razões, se instala para a alça de novas interações corpóreo-sensuais que estabelecem regras de bem viver até que a morte do jogo os separe.

[(...) Agora procuro o que perdi, que nem ao certo sei. Talvez o sono, o sonho, ou a luz da minha alma; talvez um desejo, um pedido, sei lá. Tá faltando algo. Algo que pesa. que me esvazia, que me comprime e me torna menor. Vou lá, não sei onde. Vou seguindo sozinho. Talvez assobiando para sentir-me vivo, cantando uma música perdida. A memória tenta não repetir os mesmos passos. Lugares, só os vazios. Cantinho, somente aquele do sozinho. Ai vou esquecendo. Vou indo. Acostumo com o ritmo. Aprendo a medida para um novamente (...) Um dia eu pensarei no amor. Não vai doer. Vai demorar entender de novo (...) Ele pode entrar quando quiser (...) E ai, quando me lembrar dele de novo... já não me fará tanto mal.](Dias, Roberto Muniz. Uma Cama Quebrada. São Paulo: Giostri, 2015. 80 p. {Voz do Narrador, pags. 66/67})

Aos poucos no avançar do enredo carpintado se vai conluindo com o estratagema marcando as pedras do jogo entre os três pares na relação doméstica, que começa com um pedido, feito por quem pode ver a luz que rasga a mortalha do sonho de uma noite que não verão jamais se repetir depois que se concluem as peças do quebra cabeças, cabaços dos falsos ingênuos, dos fátuos românticos enredados na aventura, em que se atiram abismo adentro do fundo e largo escuro da trama a prazeres de olhos fechados.

A cama já estava quebrada, antes do jogo começar, e às emendas ao soneto de amor, em tempo de fúria e sexo de doces e delicados selvagens, só se salva mesmo, faz-se crer a dramaturgia, os que mereceram porque geraram obediência ao princípio da trama de salvação arquitetada.

A regra de três, fora um, deixa os rastros do fora da regra de sobrevivência. E, seu romance vira solidão, em que regurgita o passado feliz. Sobra a Pedro, o terceiro vértice, os velhos e saudáveis diálogos com o alter ego (O Galo colorido) à feita do Galo lendário português (de Barcelos), que numa indireta ação de retirar o barro dos olhos do abandonado, gera o milagre de trazer de volta a luz aos olhos de Pedro.

(fotos/imagem: Maria Vitória Nascimento)

Num intertextual, às avessas, o quadro pintado do Galo que cria vida, e que  passa a observar e relata o cotidiano, conversas e pensamentos e os encontros fortuitos dos amantes, já em desvio do triângulo, seria, talvez, uma alusão ao complexo de Madrasta que tem no espelho a lembrança da realidade, ou a maldição de um Gray e sua obra retratada à anima de um Galo, mas que não há qualquer deformidade no retrato, ao contrário este é que fala o que talvez o amante desiludido preferisse não ouvir, as "deformidades" do triângulo escaleno.

Lendas, mitos e licenças poético-fabular ganham espaço na trama e douram a pílula da sobrevivência do pacto, ou da ausência do pacto amoroso. [ (...) No corredor se depara com uma grande carranca com rosto de Medusa. Fita-a por alguns minutos. Bebe todo seu vinho. Adormece (...) No outro dia. Um galo canta. Pedro desperta. Segue direto par a mesa e sua máquina de escrever (...)] (Idem. {pag. 19}]

[ Galo Colorido - Por que você me pintou? (Por que eu te pintei?)
Pedro - Eu registro tudo em minha obra. E não poderia ser diferente com o amor. Eu te pintei porque eu amei. Toda vez que me apaixono, preciso refletir isso em minha obra. É uma espécie de confirmação de meus mais puros sentimentos para com aquela pessoa (...) E toda vez que chega ao fim uma relação, eu preciso exorcizá-la por meio de minha arte. Tem sido assim desde então (...)] (Idem. pags. 17/18 )

Ainda da carpintaria dramática, a partir do segundo ato, cena III, a Voz do Narrador vem à mora do tempo dramático fazer costuras, tecer os alvoreceres e anoiteceres do conflito instalado. Às vezes de Téspis que salta do coro e cria a primeira personagem, o narrador é o eco do Coro grego que vem explicar, adiantar, confirmar ou dar clareza + de entendimento e abrir caminhos à narrativa dinâmica que corre.

Um pássaro, um raio, um desejo, um Galo colorido que desperta o amanhã pras vidas e poderia ser uma bandeira pride, o beijo, o pacto, o sexo, a quebra do protocolo, a insurreição, o rompimento do paradigma das tradições formais, o sonho do amor burguês, o sono da anestesia do conto de fadas, os ritos de amor e sexo, os rituais de sobrevivência na ausência e na presença do eu no outro, e do outro sem o eu, a ausência de porta retratos, o retrato de um Gray Galo falante, sem deformações dentro da obra, o ciúme, Mario Quintana, o cego que enxerga por outros sentidos, o falso cego-voyer que a tudo vê, o Tirésias de uma fábula romântica, a loucura, a solidão, a experiência falha por obra da espionagem industrial que levou os resultados consigo, Marx intertextual indireto à mais valia do sexo no triângulo de Valetes, em que um em Copas perdeu espaço no front das Espadas calientes.

Sem faltar o discurso intrínseco de autor/personagem-escritor-artista visual que cria, ou precisa encontrar o deus Ex-machine para liberar as forças da catarse que imperam nos destinos da triangulada ação dramática escalena.

E, para defesa de identidade, afirmação social e reiteração das liberdades individuais, a insubordinação social, para desfazer regras e cumprir novos ritos, mesmo que o mito do eterno retorno os traga de volta ao lugar comum, a regra de três que gera uma zona de conforto e comodidade à velha roupa colorida.

[(...) Nessa desconstrução que fizemos de nossos valores, de nós mesmos, construindo essa bolha onde estamos. Esse carinho, essa permissão contínua de nossos desejos divididos... (ligeira euforia) Percebe que vivemos algo que nem nossos amigos entendem? (hesitação) Nem mesmo a gente sabe?
Ênio - Fodam-se! A sociedade é hipócrita mesmo. A gente luta tanto por respeito e acaba criando dentro dos pequenos mundinhos regras internas de aceitação. Eu num tô nem ai! (ligeira revolta)
Pedro - Concordo, mas primeiro temos que resolver nossa situação para depois brigarmos com o mundo. Concorda? (...)] (Idem. pag. 16)

"Uma Cama Quebrada", revela um novo autor brasileiro, um dramaturgo piauiense, Roberto Muniz Dias, em suas investidas ao novo e renovado teatro moderno contemporâneo nacional. 

Briga de abrir fronteiras a novas escolhas e liberdades e o faz com seriedade de discutir gênero, direitos individuais, sexo, prazer, amores homoafetivos, escolhas arbitradas à feição de novas descobertas e abrigo à diversidade, na presença e também ausência que mergulhe na máxima poética drummoniana de que amar se aprende. amando.

Um comentário:

  1. Só tenho palavras de agradecimento, ainda mais que precede de quem vive e sente o teatro.
    Eu reputo que seja a análise mais pessoal e mais certeira em relação às intenções e recepções. Deve-se considerar que Uma cama quebradaA provem do Urânios e por esta razão, bebe de uma fonte cheia de referências mitológicas – apreço que tenho e predileção pelas tragédias humanas e a potência dos deuses; estes tão próximos da gente comum. E assim surgiu esta CAMA QUEBRADA, já ruída pela passagem do tempo e da espera. Os remendos, tão inteligentemente percebidos por Maneco, eram apenas a euforia inicial da descoberta – uma nova rebeldia para uma causa da liberdade do amor. Amar é livre. Pedro não sabia disso. Então o sofrimento, o GRAY GALO – adorei esta comparação – como um Deus onipresente a delatar todas as verdades.
    A dicção desta peça foi feita nesta tentativa hercúlea de harmonia entre a prosa – difícil de largar o escritor – e a dramaturgia como acesso ao novo, novo fôlego para minha escrita. Intimamente eu consegui este feito, ao término estava tão fraco quanto Sansão sem sua juba. Abri meus poros para suar este drama tão a flor de pele. Eu criei uma história dentro de uma dor, mas na busca de uma epopeia própria.
    Palavras como as do Maneco – e as atuações de atores e diretores, que reinventa(m) e recepcionam a escrita – são o bálsamo do qual eu retiro a persistência.
    Gratidão eterna!

    ResponderExcluir