Teresina Ardente
por maneco nascimento
“(...) No tempo sem ovelhas, a
cidade/abre o verão mais breve. Os seus rebanhos/na solidão da tarde vão
perdendo./o sol. A sombra lhe devora a calma./e ruminando os seus passos na
pedra/fiam na pressa o horizonte das ruas.” (O dia, 2005, p. 76 IN Reinaldo,
Lilásia Chaves de Arêa Leão. A poesia moderna de H. Dobal. Teresina: UFPI,
2008. 184p.)
Teresina também poderia trazer
semelhança com o poema de anti-lírica persuasão, ou de lírica moderna de
crítico-reflexão dos dias “que ruminam o calor das tardes de agosto” e entram
BRO-brós adentro. À sombra, a sensação térmica pode variar entre 40 a 42 graus
para eufemismo e generosidade que não assustem as gentes, com tempos e dias de
sobrevivência (in)diferenciada no calor da cidade verde.
Drummond também se nos apresenta
uma radiografia já de dias urbanos onde a paisagem vislumbrada é toda forma de
prisão e, a cidade verde parece que chegaria nesse lugar de observação do
poeta, já que cresce em seus arranha-céus, substituindo os velhos casarios e
arvoredos naturais para conforto do progresso e acomodação imobiliária
especulada.
“Paredão – Drummond: ‘Uma cidade
toda paredão./Paredão em volta das casas./Em volta, paredão, das almas.//O
paredão dos precipícios./O paredão familial.//Ruas feitas de paredão/O paredão
é a própria rua,/onde passar ou não passar/é a mesma forma de prisão [...]’” ([1979,
p. 562] Idem. p. 72)
Claro que o centro urbano do
poeta parece ser outro, mas Teresina almeja essa fotografia e o progresso não
chegaria só para deleite do investidor, também arrastaria consigo a herança de
dias de + calor em que a proteção disputada à sombra dos postes, à beira de
marquises, no contorno sombreado e infugaz do sol, quando vai quebrando o dia e
em outras formas de sobreviver por aqui, no desvio dos raios inclementes, é que
toda estratégia de sobrevivência nos faz criativos.
“Réquiem – Nestes verões jaz o
homem/sobre a terra./E a dura terra/sob os pés lhe pesa. E na pele/curtida in
vivo arde-lhe o sol [...] ([O tempo, 2005, p. 27] Idem. p. 86)
Em nosso provinciano centro
urbano, com um grande inchaço de veículos, interrompendo um trânsito novo rico,
ruas e avenidas estreitas, pontes, viadutos e corredores de divisão da malha de
veículos motorizada e gentes e bichos e ciclistas e pedestres e usuários de
transportes coletivos e transeuntes sol acima, ruas abaixo vão compondo essa
sinfonia caliente de riso hospedeiro em horas torrenciais.
Entre rios, outrora caudalosos,
hoje semi-esgotos recepcionando os dejetos da cidade orgulhosa do progresso
necessário. Do Poti ilhotas, de arranha-céus da burguesia antecipada, os
água-pés povoam suas margens, alimentados pelos dejetos displicentemente
deixados à estrumar a planta aquática.
Do Poti leste, dos shopings e
lado nobre da cidade e de novos patrimônios arquitetônicos edificados à
Teresina século 21, também o tapete da planta verdeja margem esquerda e direita
em aquavívida de sobrevivência às custas dos esgotos aos tempos de contemporaneidade consequentes.
E arde-se ao calor já das seis da
matina e em sua gradação dia adiante até quedar à sombra natural das tardinhas
antes festejadas com a hora da fresca às calçadas. O sopro quente nos
corredores da cidade em seus paredões de novas construções, em seus asfaltos
negros e irradiando um calor de todo um dia e em ruas mais simples de
calçamento com pedra cabeça de jacaré, arde-se em nível igual desse lado de cá
da linha do equador.
A água tratada ainda disponível,
por vezes, desperdiçada, talvez nos possa faltar em tempos bem curtos. Por
enquanto, esse líquido precioso controlado pela empresa de águas e esgotos
local sofre a suspeição de níveis intoleráveis de coliformes fecais. Quem
precisa beber e saciar a secura dos dias de verão, às custas dos reservatórios
de tratamento do serviço público, corre os riscos e se protege como pode, mas
precisa (sobre)viver.
Os picolés, dindins, geladinhos, sorvetes,
sucos, água natural filtrada ou mineral, ventiladores, climatizadores, ar
condicionados, splits e centrais de ar são as estratégias que acompanham a
pirâmide social e seu nível de escala econômica a debelar sua porção de calor da
cidade ardente.
Teresina arde os verões e
cotidianos ruminados ao sabor dos agostos, setembros, outubros, novembros e,
por fim, dezembros que poderiam, às portas do natal, trazer um refresco de dias
amenos.
Por enquanto, da Matinha ao Monte
Castelo, do Satélite ao velho centro da cidade verde, Teresina nos consola,
aquecida, dos bombardeios da energia nuclear desse sol que nos protege.
De couro grosso, sobrevive-se à pele curtida pelo verão nosso de cada
dia.
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