sábado, 6 de outubro de 2012

Teresina Ardente


Teresina Ardente
por maneco nascimento

“(...) No tempo sem ovelhas, a cidade/abre o verão mais breve. Os seus rebanhos/na solidão da tarde vão perdendo./o sol. A sombra lhe devora a calma./e ruminando os seus passos na pedra/fiam na pressa o horizonte das ruas.” (O dia, 2005, p. 76 IN Reinaldo, Lilásia Chaves de Arêa Leão. A poesia moderna de H. Dobal. Teresina: UFPI, 2008. 184p.)

Teresina também poderia trazer semelhança com o poema de anti-lírica persuasão, ou de lírica moderna de crítico-reflexão dos dias “que ruminam o calor das tardes de agosto” e entram BRO-brós adentro. À sombra, a sensação térmica pode variar entre 40 a 42 graus para eufemismo e generosidade que não assustem as gentes, com tempos e dias de sobrevivência (in)diferenciada no calor da cidade verde.

Drummond também se nos apresenta uma radiografia já de dias urbanos onde a paisagem vislumbrada é toda forma de prisão e, a cidade verde parece que chegaria nesse lugar de observação do poeta, já que cresce em seus arranha-céus, substituindo os velhos casarios e arvoredos naturais para conforto do progresso e acomodação imobiliária especulada.

“Paredão – Drummond: ‘Uma cidade toda paredão./Paredão em volta das casas./Em volta, paredão, das almas.//O paredão dos precipícios./O paredão familial.//Ruas feitas de paredão/O paredão é a própria rua,/onde passar ou não passar/é a mesma forma de prisão [...]’” ([1979, p. 562] Idem. p. 72)

Claro que o centro urbano do poeta parece ser outro, mas Teresina almeja essa fotografia e o progresso não chegaria só para deleite do investidor, também arrastaria consigo a herança de dias de + calor em que a proteção disputada à sombra dos postes, à beira de marquises, no contorno sombreado e infugaz do sol, quando vai quebrando o dia e em outras formas de sobreviver por aqui, no desvio dos raios inclementes, é que toda estratégia de sobrevivência nos faz criativos.

“Réquiem – Nestes verões jaz o homem/sobre a terra./E a dura terra/sob os pés lhe pesa. E na pele/curtida in vivo arde-lhe o sol [...] ([O tempo, 2005, p. 27] Idem. p. 86)

Em nosso provinciano centro urbano, com um grande inchaço de veículos, interrompendo um trânsito novo rico, ruas e avenidas estreitas, pontes, viadutos e corredores de divisão da malha de veículos motorizada e gentes e bichos e ciclistas e pedestres e usuários de transportes coletivos e transeuntes sol acima, ruas abaixo vão compondo essa sinfonia caliente de riso hospedeiro em horas torrenciais.

Entre rios, outrora caudalosos, hoje semi-esgotos recepcionando os dejetos da cidade orgulhosa do progresso necessário. Do Poti ilhotas, de arranha-céus da burguesia antecipada, os água-pés povoam suas margens, alimentados pelos dejetos displicentemente deixados à estrumar a planta aquática.

Do Poti leste, dos shopings e lado nobre da cidade e de novos patrimônios arquitetônicos edificados à Teresina século 21, também o tapete da planta verdeja margem esquerda e direita em aquavívida de sobrevivência às custas dos esgotos aos tempos de contemporaneidade consequentes.

E arde-se ao calor já das seis da matina e em sua gradação dia adiante até quedar à sombra natural das tardinhas antes festejadas com a hora da fresca às calçadas. O sopro quente nos corredores da cidade em seus paredões de novas construções, em seus asfaltos negros e irradiando um calor de todo um dia e em ruas mais simples de calçamento com pedra cabeça de jacaré, arde-se em nível igual desse lado de cá da linha do equador.

A água tratada ainda disponível, por vezes, desperdiçada, talvez nos possa faltar em tempos bem curtos. Por enquanto, esse líquido precioso controlado pela empresa de águas e esgotos local sofre a suspeição de níveis intoleráveis de coliformes fecais. Quem precisa beber e saciar a secura dos dias de verão, às custas dos reservatórios de tratamento do serviço público, corre os riscos e se protege como pode, mas precisa (sobre)viver.

Os picolés, dindins, geladinhos, sorvetes, sucos, água natural filtrada ou mineral, ventiladores, climatizadores, ar condicionados, splits e centrais de ar são as estratégias que acompanham a pirâmide social e seu nível de escala econômica a debelar sua porção de calor da cidade ardente.

Teresina arde os verões e cotidianos ruminados ao sabor dos agostos, setembros, outubros, novembros e, por fim, dezembros que poderiam, às portas do natal, trazer um refresco de dias amenos.

Por enquanto, da Matinha ao Monte Castelo, do Satélite ao velho centro da cidade verde, Teresina nos consola, aquecida, dos bombardeios da energia nuclear desse sol que nos protege.

De couro grosso, sobrevive-se à pele curtida pelo verão nosso de cada dia.

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