Os surdos também amam
por maneco nascimento
O Projeto “Eu, você e o teatro da minha vida”, idealizado por João
Vasconcelos e, tendo como palco o Espaço Cultural “Osório Jr.”, anexo do Bar do
Clube dos Diários, recebeu nesta última terça feira, 2 de outubro, a partir das 20 horas, o
espetáculo “Diário de uma Feirante”, de Wilson Silva (Shana de Souza), com direção
de Cláudia Santos.
Em meio ao burburinho do trânsito, um samba no coreto da Praça
Pedro II e
os ruídos contumazes do centro da cidade, no entorno do Complexo
Cultural Clube dos Diários/Theatro 4 de Setembro, a
montagem de vida longa deu seu recado para bons ouvintes, dispersos,
transeuntes e platéia assídua do movimento do Bar do Clube dos Diários.
Shana de Souza reúne, em seu propósito de
encenação, muita força de vontade, uma concentração empertigada e um amor à
profissão que escolheu, como muitos artistas das cênicas, para comunicar sua
arte do fingimento e mímesis da vida como ela pode ser na representação da
cena. A história, em monólogo, de um recorte da solidão na terceira idade.
A peça reflete a sobrevivência de uma senhora, em seus pesos da solidão
e as conversas com “personagens imaginadas” que a visitam em seu horário de
descanso da labuta diária de feirante. Personagem introjectada na religiosidade,
tábua de salvação, sempre se reporta, além dos santos e orações, a dois netos, Francisco
e Jacinto. Família lembrada, só presente na linha divisória entre a verdade e a
memória.
Conversa com uma vizinha, com Ana Maria Rêgo (homenagem declarada a dama
do teatro local), com um padre, seu confessor, e sempre enfatiza os netos
ausentes. “Francisco! (...) Jacinto!”. Há uma verdade inflexionada, uma intenção que ecoa recheada de
sensibilidade materna e memória afetiva que ganha o público, na simplicidade de
dizer bem, mesmo que não esteja ouvindo a sim mesma.
A profissional de apoio técnico do espetáculo, Sandra Farias, antes da encenação,
apresenta a intérprete e revela o problema auditivo de Shana
de Souza. Informação desnecessária. Faz parecer que se quer ganhar a comoção do
público. Não há deficiência que impeça, ou diminua a presença de Shana. Sua
surdez é transformada em amor ao teatro e sua performance não desmerece nada,
ou ninguém. Atua bem e quebra o paradigma da “deficiência” adquirida.
Da dramaturgia à cena, S. Farias trabalha para acomodar o
predicado de ação da intérprete. A velha
construída tem seu tempo de arrastar-se na cena e medir, apoiada pela muleta da
personagem, os silêncios e repetidos gestos domésticos do cotidiano das horas
solitárias e ensimesmadas. Às vezes o prolongamento de mesma cena, não cria desgaste, mas merecia
ganhar enxugamento. Já há uma intensa verdade cênica, não precisa redundar.
Em sendo proposta de cansar, pela insistência ralentada do cotidiano
apresentado, então seria compreensível. Mas, caso seja só expressionismo de
liberdade improvisada, então talvez merecesse um pinçar da gordurinha
excedente, curar o colesterol e evitar entupimento no canal emissor/receptor,
ou ruídos desnecessários na comunicação ativada.
Refletir a sociedade mouca à terceira idade já aparece como tema venal. Trazer
para a cena viva uma sensibilidade particular e regurgitada na experiência do
fazer teatral de Shana de Sousa, já seduz o espectador, de cara. Carismática
e de determinado tônus à construção da personagem, Shana não chove no molhado,
hidrata as terras áridas e recorrentes da incomunicabilidade dos dias dessa
nossa contemporaneidade.
A cenografia simples, mas representativa da memória afetiva ao peso e medidas da solidão. Um
oratório, um véu de grinalda, quarto, sala e solidão visitada pelos dias repetidos.
Os adereços também se aglutinam na dramaturgia, o cachimbo da pitadeira, a
cesta de negócios da feira, seu terço funcional e outros “moquifos” espalhados
pelo corredor das lembranças.
“O Diário de uma Feirante” é amor revelado, é teatro comovente, é arte de sobrevivência da
cultura de encenação. Teatro é vida de escolha e Wilson
Silva (Shana de Souza) fez escolha acertada. Interpõe-se bem, compõe o teatro
com crença de existir e acerta o palco.
Sua arte demonstra, até para incrédulos, que os surdos também amam. O
teatro amador da cidade orgulha seu público e registra a própria história.
Caro amigo e respeitado profissional, devo aqui fazer uma retificação ao seu texto, que expõe meu nome aludindo à direção do dito espetáculo A direção, como falou ao final da apresentação Shana de Sousa é de Cláudia Santos, com figurinos e adereços de Chiquinho Pereira, a sonoplastia também é de Cláudia Santos, a luz posso estar enganada é de Nivaldo e maquiagem de Adalmir Miranda. Eu, Sandra Farias sou apoio técnico quando a equipe oficial não pode acompanhar ao espetáculo assim como Júnior Urubu, que o fazemos com muito gosto por consideração a uma amizade de bases fortes. Acrescento também minhas considerações quanto ao fato de ao início do espetáculo expor a deficiência de meu amigo, não quero e nunca quererei comover ninguém, pois tenho uma posição respeitosa às pessoas sejam elas com ou sem deficiência, o faço pelo fato de o próprio ator, sentir naturalmente e particularmente sua vontade de deixar bem claro a sua necessidade especial por se fazer ser ouvido e talvez pelo fato de não atender a possíveis intervenções caso essas aconteçam. Enfim, admiradora do seu trabalho minucioso de crítico de arte do Piauí, respeitosamente aconselho pegar informações pertinentes aos espetáculos caso queira tecê-las ao público seu leitor.
ResponderExcluircorrigidas as falhas sobre a direção do espetáculo, peço desculpas por esse descuido. quanto às outras observações, mantenho-as, esta é uma opinião de livre arbítrio de recepção.
ResponderExcluirquanto ao artista em questão: as pessoas não são especiais porque deficientes, as pessoas são especais porque desenvolvem talento de superação de quaisquer dificuldades que se lhes apresentem, inclusive a que serve de exemplo de superação em Shana de Souza(Wilson Silva. obrigado pelas observações.