A(h)Lice! Não mora ainda aqui.
por maneco nascimento
No último sábado, 29, no palco do Theatro 4 de
Setembro, a Cia. Teatro da Tribo, de Franklin Pires, reapresentou sua versão de
“Alice no país das maravilhas”, baseada no original de Lewis Carrol. A partir das 17 horas, o
público infantil e pais acompanhantes receberam uma montagem muito interessante
desse clássico universal para pequenos.
A cenografia é funcional com painel ao fundo que emblematiza o mundo encantado
ao qual a menina Alice é transportada para viver uma aventura
extraordinária. Ainda complementa a cenografia as árvores que premeditam uma 3D
e um relógio a la estética surrealista de Salvador Dali. A luz também adquiriu,
desde a estreia, uma sobriedade que parecia ainda patinar àquela data.
Os figurinos e adereços têm o apelo infantil e o
cuidado de permanecer entre o real e o imaginário para público infantil, sem
perder a magia e o encanto necessários à obra tão visitada e sempre sujeita a
expectativas e comparações com a imortalizada versão do cinema. Franklin
Pires realiza uma versão textual fiel e uma direção enxuta, inteligente e,
seguramente, pragmática para convencimento e atração das crianças.
O prólogo ocorre no procênio, com cortinas fechadas, para o encontro da menina
com o coelho apressado e responsável pela descida da menina ao reino encantado. F.
Pires divide-se entre o Coelho do relógio, o Gato de sorriso
enigmático e o Chapeleiro maluco. Consegue concentrar estilo próprio e cuidado em
economizar fingimento para distanciar personagens tão próximos na fantasia
dramática.
Luciano Brandão e Márcio Brito se desdobram nas vezes dos Gêmeos (muito
engraçados), as lebres do encontro para o chá e os Guardas do exército de
cartas da Rainha, que resumidos em duas cartas de espadas dão uma graça particular de
solução cênica para leitura épica.
Nayara Fabrício compõe a Lagarta, a Borboleta libertada do casulo e a
Rainha do mundo de cartas de baralho. Também tem uma eficiência
prática para enredo tão enxuto e de soluções à dramaturgia de cena muito
regular.
A montagem não deixa brechas para a criança desconcentrar. Mantém
uma energia equilibrada sem querer parecer “of Broadway”, mas sem também
apontar teatro franciscano. Tem medida infantil.
Gleyciane Pires, a atriz que veste as roupas de Alice, parece ainda não ter aprendido
a lançar-se ao abismo em busca de sua ostra. Sem descobrir o canteiro de ostras
não conseguirá armazenar a pérola da fantasia necessária ao universo do
fingimento. Como a peça exige desdobramento de intérprete à personagem
da trama que leva o nome da protagonista, G. Pires precisa correr atrás do
prejuízo.
Há uma verdade brincada e prazerosamente encontrada em F.
Pires, L. Brandão, M. Brito e N. Fabrício, mas um artificialismo de entrega, uma dinâmica
descomprometida, talvez por falta de compreensão, na atriz G.
Pires.
O texto na boca da atriz sai numa neutralidade que nem passa pela naturalidade
premeditada, nem pela escolha conceitual da intérprete, ou diretiva do
encenador. É + um esforço em atender a um chamado para algo que parece
não estar convencida de realizar. O intérprete não convencido da cena, não
convencerá a ninguém muito menos.
A peça tem calor inteligente de dramaturgia premeditada que perde
força nos textos da Alice de Gleyciane. O carvão
abanado ganha calor e vai perdendo a energia nas intervenções da atriz de Alice
franklinpireana. + sabatina no texto de inflexões emboladas e um chacoalhar na idéia de
interpretação de G. Pires talvez encontrem a pedra de toque que falta ao conjunto de tão
significativa montagem.
“Alice no país das maravilhas” não está no grupo nem de montagens infantis locais caça níqueis, nem
das que esperam resolver os problemas quando Deus quiser. Está
no tempo certo de entreter, divertir e atrair a atenção infantil. Detém
qualificado mapa de linguagem ao público infante, sem querer aplicar pedagogia
de dramaturgia voltada a excitar os pequenos.
Salvo o desnível de crença, que parece existir na atriz e que impede o
domínio da grande personagem que é Alice, o espetáculo está no caminho certo
para coelhos, gatos, lagartas, lebres, rainhas, gêmeos, chapeleiros malucos e
guarda real. Agora é só reunir energia inteira e ganhar a fantasia.
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