Sangria na cultura
por maneco nascimento
No último dia 10 de outubro, o estadão.com.br trazia matéria sobre crise
nas instituições culturais européias e realinhamento financeiro que
justificaria arrumar as contas e sobreviver aos dias de união europeia em
crise.
O lide da notícia, construída pelo correspondente Jamil Chade, “Crise
leva instituições culturais européias a fazerem cortes” e,
no sub-lide, “As artes se transformam numa das maiores vítimas da política de
austeridade que passou a dominar o continente diante das dívidas colossais” (Chade,
Jamil/notícias > cultura/www.estadao.com.br/10 de outubro de 2012, 3h17)
Quem acompanhou o noticiário da quebradeira européia que envolveu países
antes jamais pensados como personagens com problemas de dívidas, sabe o
significado da sangria que ora será sinal de preservação de outras ações
públicas para manter, de pé, o estado da união europeia.
“GENEBRA - Museus com orçamentos cortados, orquestras sendo obrigadas a
se fundir, teatros com produções reduzidas, ministérios da Cultura sendo
fechados e músicos sendo obrigados a trocar os palcos por turnês em cruzeiros
de luxo, só para manter a renda. A crise financeira na Europa jogou o
continente em seu pior momento desde a 2.ª Guerra e fez o desemprego atingir
recorde desde a criação da zona do euro. Mas enquanto sindicatos tentam manter
benefícios sociais e governos tentam encontrar meios para manter indústrias e
bancos, as artes se transformam numa das maiores vítimas da política de
austeridade que passou a dominar todo o continente diante das dívidas colossais.” (Chade,
Jamil/notícias > cultura/www.estadao.com.br/10 de outubro de 2012, 3h17)
No Brasil, sem muita cultura política de investimento efetivo em arte e
sem o percentual orçamentário desejável, embora haja algum recurso direcionado
a políticas públicas culturais, é também país que quando é necessário o
arrocho, o primeiro nome da lista é a cultura. Não é esse país, novo
rico, páreo ao velho continente com suas milenares memórias culturais e
artísticas. Mas é nessa hora do aperta para manter acesa a chama da sobrevivência
que a velha Europa dá sinais, também, de que ninguém é imbatível.
“Da Igreja a monarcas, passando por grandes mecenas, a cultura europeia
sempre teve um de seus pilares no financiamento massivo por parte de
personalidades e instituições que viam nas artes um instrumento para demonstrar
sua influência e até poder. Agora chegou o momento de o Estado mandar um recado
claro: a Cultura precisa começar a ser autossustentável e não depender de
recursos públicos. O problema é que nem todos concordam com essa visão e
alertam que a cultura faz parte do sistema de ensino da sociedade europeia e da
herança histórica do continente, portanto, não é apenas uma mercadoria.” (Idem)
Numa coisa se deve concordar, mesmo com a nova acepção da cultura dos negócios, cultura
não pode mesmo ser tratada apenas como uma mercadoria. Os grandes saltos da
humanidade também estão interrelacionados com arte e cultura. Dos signos rupestres à
virtuose medieva e todo o paradigma herdado à contemporaneidade, a
cultura teve papel divisor diferencial nos negócios do estado, da religião, da
arte propriamente e no essencial transformador e mola propulsora do espírito
criativo das civilidades.
Na paz e na guerra, na crise e na depressão, na ameaça obscurantista ou
na vanguarda iluminista, a cultura da arte foi, invariavelmente, válvula de
sobrevivência do homem (genérico) e de suas idiossincrasias e olhares para o
mundo de convenções, conveniências e negócios de estado e de cultura. E, quando
o estado ameaça quebrar, a cultura é a primeira ao sacrifício.
“O caso mais drástico é o de Portugal. Para ter acesso a um resgate do
FMI e da UE, Lisboa aceitou um rígido programa de redução de custos do Estado.
Salários foram encolhidos e mesmo feriados foram suprimidos. Mas, no caso das
artes, o corte foi ainda maior. O governo português optou em 2011 por
simplesmente acabar com o Ministério da Cultura, pasta agora transformada em
apenas em uma secretaria.
Com isso, o governo espera economizar 2,6 bilhões, implementando o plano
de reduzir em um terço o número de diretores de departamentos dentro do Estado.
A medida teve como consequência a fusão de grupos artísticos e uma verdadeira
gritaria, dentro e fora de Portugal, diante da opção de sacrificar a cultura.” (Idem)
No Piauí, como exemplo + localizado, em que a pasta da cultura de âmbito
municipal, ou estadual tem que conviver com orçamentos incertos e alguma
perspectiva de recurso sempre sujeito a ser coptado para suprir qualquer outra
emergência da pasta do estado, vive-se muito mal obrigado, acerca de políticas
de cultura.
O MINC até que faz sua lição de casa com parceiros e contribuições de
estatais, mas recurso mesmo sempre é choramingado para país continental. E educação e cultura,
embora estejam juntas em teoria, na práxis a educação nunca está tão bem e a
cultura é sempre a última da fila de barganhas orçamentárias.
No
Brasil se é de uma complicação histórica, sem o histórico de velhas culturas
fomentadoras da arte. O país está acostumado com o certo “descaso” em que
trata a própria cultura, é da veia natural brasis. Mas o mundo europeu sempre
foi primeiro mundo.
“Em Madri, a situação também é crítica para o setor. Pressionado a rever
as contas do Estado e pedir um resgate, o governo espanhol de Mariano Rajoy já
anunciou que, para 2013, os museus do Prado, o Rainha Sofía e o
Thyssen-Bornemisza sofrerão cortes de orçamentos de mais de 30%. No total, o
governo irá reduzir sua ajuda aos museus em 17 milhões. Em comparação com o
orçamento de 2010, o museu Rainha Sofía terá 45% a menos de recursos em 2013, e
o Teatro Real, 33% a menos (...) o Estado espanhol reduziu seu apoio à cultura
em 70% em apenas quatro anos. Para justificar o corte, o ministro da Fazenda,
Cristóbal Montoro, reclassificou o setor, designando-o como "área de
entretenimento", o que deixou furiosa a classe artística. Esta reagiu
acusando-o de não saber diferenciar cultura e passatempo.” (Idem)
Como no Brasil se pratica a cultura da emenda do soneto e, criativos
como somos, sobrevivemos bem, não nos parece afetar a cultura em queda livre na
Europa empobrecida. O velho mundo com sua cultura de mecenas e investidores
contemporâneos fez sua história e agora se vê em situação de cortar a própria
carne.
A Grécia, berço mátrio da civilização ocidental, há muito que parece
estar de pernas quebradas.
“Os cortes também têm afetado a Cultura na Grécia, país que em 2013 terá
seu sexto ano consecutivo de contração da economia e hoje sobrevive graças aos
recursos do FMI e da UE. Em apenas um ano, o Ministério da Cultura grego viu
seu orçamento ser reduzido pela metade (...) Além de afetar dezenas de grupos
artísticos, o corte ainda coloca em risco os projetos de manutenção de locais
arqueológicos do país, uma verdadeira mina de ouro para atrair o turismo.” (Idem)
Enquanto o Brasil se torna exemplo de país em desenvolvimento com a sola
dos pés na porta de entrada do primeiro mundo bem sucedido, convive com uma
incerteza estatística sobre os números de pobres e miseráveis nacionais, com
índices de analfabetismo que parecem não dar o braço a torcer e com histórico
de acesso cultural efetivo ao pequeno burguês. A cultura européia encolhida não
nos afeta, nem de fato ou de direito à reclamação.
“Nem na Itália, um dos pilares do desenvolvimento cultural do Ocidente, o
setor foi poupado. O prestigioso Teatro Scala, em Milão, soma uma dívida de 7
milhões e os cortes já começaram para fazer frente a essa situação (...) No
caso da Holanda, país que tem uma das taxas de desemprego mais baixas da
Europa, o governo anunciou o corte de US$ 265 milhões no orçamento para a
Cultura, uma redução de 25% em 2013 (...) Na Alemanha, a Südwestrundfunk,
a tevê e rádio regional de maior prestígio, será obrigada a reduzir seus gastos
em 166 milhões. Para tapar o buraco em suas contas, a proposta votada e
aprovada pelo conselho da empresa é a de fundir as duas orquestras financiadas
pela emissora: a Radio Sinfonieorchester Stuttgart e a Sinfonieorchester, ambas
fundadas em 1946.” (Idem)
Nossa cultura é + de sobreviver como puder. Não havendo investimento ou
políticas públicas eficientes, dá-se um jeito. Prioridade é sobreviver bem,
seja sem investimentos culturais reais e não passar batido em província
acostumada aos truques, esperteza política da pecha de Macunaíma.
A união européia encontrará seu caminho de sobreviver mesmo com
políticas públicas de cultura encolhidas. Não se tornou velho mundo à toa.
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