por maneco nascimento
Língua, linguagem, falas e vozes integradas a oito mãos que reúnem autores de quatro nações de distintas (sobre)vivências, mas de língua comum.
Portugal, Angola, Cabo Verde e Brasil reuniram esforço de beletras e, em escopo de produto criativo de interações estéticas e literárias, pariram "Quotidiamo - esta não é uma história de amor", do português Rui Zink, do angolano José Mena Abranches, do caboverdeano Abraão Vicente e do brasileiro Ivam Cabral.
A obra, em livro, tem uma acuidade visual artística. Nas cores, da capa e design (Carlos Roque), a apropriação de uma foto do espetáculo. Emblemática, em reprodução na projeção de uma cena que poderia abrir margem à recepção de "masturbação", prazer solitário da mulher montada numa cadeira de "época", estilo colonial.
As cores, na foto encorpada à capa, variam do pino de luz, amarelo, fechado na cena da atriz, em fusão com o vermelho da + iluminação que cobre a atriz/personagem e destaca, também, a cadeira de palhinha em tons amarelo ouro e rebuscados de contornos, em branco e amarelo. Ao fundo, projeção de contraponto da mulher, delineada em cores de roxo e preto à imagem dessa fêmea em ávida expressão de gozo.
No conteúdo do livro, o texto da peça está sanduichado pelas cores de intracapas, a cada capítulo, no matiz do preto. As fotos, internas e intensas, do cotidiano vivenciado das personagens, também estão em registro em preto e branco. Arte visual de confirmação do jogo do preto no branco, para duas cartadas e dois destinos intrínsecos do dia a dia de devoradores da própria sorte.
Livro Peça de teatro, Peça de Teatro, feita Livro, em oito atos. Uma provocação do diretor, autor, encenador de teatro, dramaturgo de palco e Director do Grupo do Centro Cultural Português do Mindelo, João Branco, gerou a obra para palco, bibliotecas e novas leituras.
"Sinceramente, não sei onde ou quando me nasceu a ideia. Desafiei o escritor Rui Zink, de Portugal, a iniciar o processo. Depois, o dramaturgo José Mena Abrantes, de Angola, a dar o seguimento. De Cabo Verde, convidei o Abraão Vicente para avançar com a terceira parte e, finalmente, desafiei o Ivam Cabral, cujo espírito de generosidade falou mais alto do que a falta de tempo provocada pelos biliões de projetos em que sempre se encontra envolvido. Que privilégio, um texto escrito por quatro pessoas tão talentosas!" (João Branco, de Portugal/Cabo Verde IN Zink, Rui; Mena Abrantes, José; Vicente, Abraão; Cabral, Ivam. Quotidiamo - esta não é uma história de amor. Luanda: Mayamba. 2015. 84 p. [Coleção Nzadi])
Texto direto, prático, contemporâneo e de estreita proximidade de língua, linguagem e estilo apropriados aos intertextos e particularidades linguísticas transversais de fala, escrita e oralidade da língua portuguesa, brasileira e crioula, indistintas, na intervenção estético literária apresentada em peça de oito cenas, escrita a oito mãos.
Cenas I e II escritas por Rui Zink; Cenas III e IV, por José Mena Abrantes; Cenas V e VI, por Abraão Vicente e as VII e VIII cenas, pelas mãos de Ivam Cabral. Na abertura, da primeira cena/texto, o aparentemente comum atendimento, em um guichê de banco, em que uma mulher dialoga com homem que pede empréstimo à instituição financeira.
Na negação do empréstimo, em tempos de crise sócio econômica, os desdobramentos da conversa acabam em contrato, acordo de casamento em que começam os jogos de poder, domínio e dominador(a), blefe, humilhações, cobranças de contas e juros da relação comercial de negócios conjugais e as viradas que o jogo dá.
Da cena do empréstimo ao cotidiano das vidinhas acertadas, num contrato de jogos, com direitos a mudanças de regras, ou desvio do acordo primitivo na tentativa de reinventar os jogos dramáticos e mortais da relação de negócios, sem amor, e com paixões reveladas, mas nunca concretizadas, pois fora das regras do jogo, a tragédia não anunciada se instala.
(cena de Quotidiamo/acervo GTCCPortuguês do Mindelo IC Mindelo)
Esquizofrenia conjugal que começa com dois desconhecidos que se alçam a um contexto de casal até a intrusão de um amante, para concretizar novas regras ao triângulo escaleno do jogo de amores frustrados.
Um brinquedo perigoso que ganha "insights" deslizados a pequenas psicopatias celebradas na brincadeira séria e histerias contrapostas na relação de vida e morte experimentadas na agulha da arma de fogo testada, à exaustão, no jogo da roleta russa, composto na disputa de sexos e para efeméride da vida expiada, num ambiente familiar de casados.
O jogo termina como começa, no balcão de negócios com a inversão de papéis para o desfecho de voltar a jogar, sem espaço para amor ou felicidade. Há um mundo esquizofrênico para indelicadas incursões de perversidades mastigadas e regurgitos de frustrações e desejos sonhados, que nunca encontram ecos de afeição, ou propriedade de gozar o prazer de um negócio de amor lucrativo.
A troca de papéis, no poder, ao jogo do mata-mata, se instaura sempre na vidinha em círculo vicioso e viciado e retira quaisquer possibilidades de encontrarem saídas que não sejam permanecer no jogo, consignado desde o balcão de negócios.
Na dialética de inflexões das vozes socais, "Quotidiamo - esta não é uma história de amor", fica sujeito e está objeto de reflexões, acerca de relações humanas e que propósitos reviram-se em perdas da humanidade e fragilizam a ação solidária de que um(a) possa encontrar no outro(a) a identidade e identificação ao amor, perdão, cessão de turno nos relacionamentos sociais, sem enfraquecimento das liberdades individuais e na convivência em harmonia com divisão de tarefas de gênero, sem que um(a) detenha força sobre outrem.
Uma livre e concreta electra inconcreta, licença poética às vezes de autores e dramaturgos que se permitiram unificar pensamento e arte da escrita dramática para efeito de palco. Clareza, coesão e coerência na escritura e domínio de amarras na carpintaria textual ao teatro vivo, dinâmico e discursivo expiador das relações humanas intrincadas e comuns em qualquer língua, nação, ou conflitos geradores de reflexão e transformação à filosofia moto contínua de gerar mudanças sempre.
A montagem, do texto, para espetáculo facilitado às últimas mãos, a um então somatório de dez, ficou a cargo de João Branco. No livro editado, imagens fortes (fotos de Hélder Doca/Cabo Verde) de cenas escafandradas da dramaturgia textual e de palco.
"Quotidiamo - esta não é uma história de amor", do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português IC Mindelo - Mindelo/Cabo Verde, encenação de João Branco e actuação de Janaína Alves Branco e Renato Lopes, não deve jamais decepcionar.
A Cia. de Teatro do Mindelo, conspirada pela arte de cena possível por Branco e seu elenco, já deu provas do fazer teatral, quando esteve em Teresina Piauí Brasil, durante edições anteriores do FestLuso.
De +, estará, este espetáculo mindelense/caboverdeano, se apresentando dentro do 6o. Festival de Teatro Lusófono - FestLuso 2015, dia 29 de agosto (sábado), às 23 horas, no Teatro Estação (Trilhos do Teatro/antiga estação ferroviárias RFFSA, Miguel Rosa com Frei Serafim, centro/norte).
É só conferir, pra ver que a obra literário dramatúrgica (Zink, Abrantes, Vicente, Cabral) tomou forma de palco e saltou da vida de letras dramáticas para vida de cena (Branco, J. Alves Branco e R. Lopes) e não há chances do universo não ter conspirado a favor.
Serviço:
6o. FestLuso 2015 Ano Tarciso Prado
a peça: "Quotidiamo - esta não é uma história de amor"
encenação: João Branco
interpretes: Janaína A. Branco e Renato Lopes
dia 29 de agosto
às 23 horas
no Teatro Estação.
Concorra a seu ingresso e não perca esta emoção.
Entrada Franca!
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