por maneco nascimento
Silmara Silva demonstrou, em ato livre de muito boa interpretação, a performance à imersão da personagem dramática que atravessou os tempos e manteve-se incólume, desde que feita obra de arte e história cultural dramática, Medeia.
(luz e sombras sobre Medeia/foto, de Pablo Erickson, da apresentação no Glauce Rocha - RJ)
A cenografia e adereços (A. Abreu e David Santos) compõem-se de cabos esticados do céu da plateia ao chão do palco, entrecruzados até encontrarem com o terceiro vértice no fundo da cena divisada. No centro da pirâmide, formada por cabos, quatro pernas, à alusão de elétricos uma mandala do tempo dramático da personagem em alta tensão.
Dos adereços, um pote à feição de clássico helênico e pequenos frascos das poções de magias, encantos e instrumento à vingança. O desenho da pirâmide, no chão, também encontra, para reforço da marca, algumas velas do altar de oferendas e sacrifícios, entre a geografia do triângulo e a mandala do coração de sangue magoado.
Da iluminação, de Pablo Erickson, vê-se forte, de sutilezas técnicas presentemente dramáticas que reservam momentos belos de realce da Medeia e dos sentimentos que acompanham a narrativa da personagem que vai enredando a trama na definição do percurso e falha trágica sugestionada na leitura de Adriano e Silmara para um mergulho na alma "suja", ou confusa da mulher amante do homem que a pretere por outra candidata a companheira.
(a máscara neutra da tragédia interna/foto Ana C. Carvalho)
A luz, de pino, que reduz o entorno e fecha na máscara trágica, rosto da preterida, no início do espetáculo, é sintética e emblemática, amplia o discurso da estética e das falas sociais embutidas nas vozes de defesa e ataques de Medeia. A dança da luz na cobertura do movimento e coreografias de definição da tensão e intenções da personagem é dinâmica. A luz de sangue que assina o fim do espetáculo é também muito sígnica.
A maquiagem e "stylist hair" que têm o apoio de Mikael Dackson compõem sobriedade tensionada ao enredo denso internalizado de economia tensa.
(a dança da trama das mortes/foto Ana C. Carvalho)
O ritmo cartesiano, preparação corporal de Ieda Gabrielle, aplicado à sensibilidade expressiva da cena, articula marcas expressivas, espartanas, de definição da guerra interna travada à exteriorização da força e sede de vingança.
O figurino, de cor negra, em fios pendidos e tecidos da mora tramada de vestida para matar, mostra e esconde a primeira pele da mulher que viceja o doce e o amargo sabor do veneno à demonstração de fera, fêmea e assassina premeditada. Vestimenta de leveza e peso da cor, tessitura a morte social própria ao imprimir a morte física de seus "inimigos". Cai bem para a vida e a morte na catarse proposta.
(a espartana armada para vencer/foto Ana C. Carvalho)
A direção de Adriano Abreu imprime técnica, estética e pesquisa centrada na arquitetura de teatro de tradição e renovação das velhas formas e fórmulas de fazer o novo teatro e vivo. Constitui amor revelado à cena e à acuidade da construção desta e facilitação da construção da personagem que fidelize arte de teatro e discurso pragmático de estilo e atomização da cartografia para intérprete e método.
A atriz Silmara Silva dispensa comentários efusivos. Economia e regurgitação silenciosa amparam melhor recepção e interpretação de tamanha e delicada práxis de persuadir e convencer em seu melhor e tranquilo exercício de fingir.
"Exercício Sobre Medeia" revela um exercício sob a paixão de Silmara e sobre o domínio em que expande e franqueia seu modo particular que matura arte de razão e sensibilidade aplicados ao seu tempo de atriz.
Ser ou não ser, está completamente sóbria e segura na cena de estar na pele de sua Medeia.
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