por maneco nascimento
Um belo espetáculo, de sabor quente dos cotidianos iguais de qualquer homem, mulher, família em centros urbanos, ou franjas sociais de expiação,das próprias sortes traduzidas, na estética de linguagem de Teatro na Rua.
A experiência veio de Fortaleza, Ceará, Brasil e se apresentou na tarde lusófona do dia 26 de agosto. O Grupo Teatro de Caretas demonstrou de cara limpa, em cena dramática para efeitos de distanciamentos e prospecção nas emoções que imperam as vidas comezinhas, ao nosso contexto, do homem (genérico) que expia a vida, como ela é em suas nuances de tragédias urbanas.
O espetáculo se instalou na Praça, desta vez na João Luís Ferreira, a partir das 17h30 e seguiu roteiro disfarçável de teatro cortejo e de intervenção direta com a plateia, em dialogismo de aproximação das identidades sociais. Convencer e conduzir plateia a intervencionar, com rito da procissão, na vida do espetáculo de variação de núcleos de atuação.
Começa com uma D.R.(discussão de relação) na cama (calçada) do passeio público. O tema, o (a) filho (a) que liberta-se das amarras familiares de tradição concebida aos valores de repetição, dos costumes e/ou de negação das mudanças que sofrem sociedade e comportamentos em novos tempos.
(a cama na calçada à D.R/fotos: Sol Coelho)
O diálogo com o(a) filho(a) (Non Sobrinho) com a mãe (Vanéssia Gomes) na rua, uma comovente ação de teatro oprimido e de natureza humana desvirginada à calçada de cotidianos comuns. O sabor, das lembranças, ganham gosto amargo, mas engolidas com pouca dificuldade, pois bem degustadas pela fala da personagem da Ofélia das Águas.
Um rio caudaloso, de natureza humana, desliza pelas pedras portuguesas da praça e vai contando a vida da mulher, do marido, do filho (a), da mãe (Vera Araújo) da mãe (avó) que tece uma grande renda, qual Penélope, esperando o tempo da filha maturar. enquanto dá-lhe conselhos. A personagem da mãe também abre recepção ao mito do tempo, trabalhando os fios da mora, a cozer a renda dos destinos observados.
As memórias das águas desgraçadas que levou um dos filhos gêmeos. A lembrança da filha natimorta e a segunda barriga que gera gêmeos (Aderbal e Adalberto) e ela perde um para o rio encantado e o outro (a) para o livre arbítrio. Ofélia das Águas que vai na busca de sua própria compreensão do mundo, perde-se no tempo de desexistir.
O sonho de casamento feliz e o amor que não vingou culminam no rio de fogo das paixões e a sobrevivência da mulher, abandonada, é tratada em festa na mesa do bar lanchonete, enquanto as cartas coletivas, de grandes distâncias, abrem divã à terapia, em grupo de discussão "familiar", com os convidados do casamento.
(casamento regado a champagne/fotos: Sol Coelho)
A violência, o crime, a morte na rua, o filho da mulher morto no chão da calçada. Ofélia das Águas encontra a liberdade no crime e castigo. Uma mãe de qualquer estação, de trem desgovernado, dos tráfegos de cotidianos urbanos, perde seu curso ao perder seu último filho, que morreu na contramão da própria história.
(morte na contramão da própria história/fotos Marcos Montelo)
A quebra do eixo dramático se desfaz com a chegada do policial violento, que para o trânsito, desce do carro e, em acesso de poder, obstrui a cena dramática, do crime de natureza cênico. Encerra o rito trágico, causa um estupor e deixa uma indignação, entre línguas mortas e outras tortas que enfrentam a justiça dos homens da lei.
(Adélia das Águas tomba na calçada/fotos Marcos Montelo)
O espetáculo termina, com a saída do policial, ator coadjuvante, que rompe a tradição dramática impondo um mundo real às estupefações, indignações e silêncios vociferados. Depois é aliviar a tensão de ser atraído para o redemoinho do rio de sangue e arte dramáticas que nos possibilitam o Final de Tarde", do Grupo Teatro de Caretas, de Fortaleza.
(mãe chora a perda do filho(a)/fotos Marcos Montelo)
O espetáculo tem um redondo de resultado. Direção e Dramaturgia, de André Carreira,com sua Assistente de Direção, Lara Matos, estão de parabéns. Espetáculo atraente, comovente e que mantém a tomada ligada, em distanciado processo dramático de narrar uma tragédia anunciada.
(cena do divã na mesa do Bar/fotos Marcos Montelo)
Todo um espetáculo finalizado para cumprimento do ritual do fingimento acertado. Os figurinos, de Jacqueline Brito; Projeto cenográfico, deslocamentos e ambientações à construção do teatro, Diego Brito e a cenografia (da cadeira) de Cleomir Alencar, ao plano superior, presa na árvore para essa apresentação, ganha a dimensão de distancia para observar e, talvez, "punir". Também estão no jogo dramático afinado de respostas, a cenotécnica de Rebeka Lúcio, Isabele Teixeira, Juliana Santana e Anderson Silva.
Os atores protagonistas do pai (Non Sobrinho), mãe (Vanéssia Gomes), Ofélia das Águas (Non Sobrinho), avó (Vera Araújo), a policial fardada, cumprem bem o papel de contar uma história na rua, com recursos de ator e método de interpretar com tranquilidade, limpeza de narrativas, composição dosada da construção das personagens e leveza em discutir tragédia, sem apelo ao melodramático.
Ceará foi show! O FestLuso agradece.
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