por maneco nascimento
O Projeto Terças da Casa trouxe para a edição do Terça Dança, na última terça feira, 11, uma bela manifestação da nova dança, com acuidade estética e criação livre de imergir no universo feminino e tirar proveito do "poder" de observar, imiscuir e trazer novo olhar, ao emergir do mergulho, da busca escafandrada na veia da mulher.
"Meninas, vestidos e segredos", criação de dramaturgia, direção e atuação realizadas pelo intérprete criador e coreógrafo Samuel Alvís. O seu partner, numa figura variável entre alter ego, sombra e luz da personagem, da mulher curiada, está repercutido no corpo denso, econômico e audaz de movimento, na tessitura da narrativa empreitada, que se instala pelo colega de cena, Adriano Abreu.
A cenografia, móbiles descidos do céu do palco, formada por cabides/cruzetas que amparam o camarim da personagem que vai trocando de pele, à medida que a mulher evolui e ou matura os conflitos, passagens e mudanças camaleônicas sofridas pelo gênero expiado. Dos cabides, pendentes, são retiradas as gerações, em representação das idades da mulher, a partir das roupas que a vestem.
Os adereços também estão pelo círculo das memórias e histórias contadas, desde a infância e adolescência, as mudanças de jovem para adulta até o desfecho com a velha em simbiose brechtiniana de conter/expandir a energia do corpo falante. Sapatos, coração almofada, vestido de noiva, véu grinalda, buquê "fantasias", calcinha, sutiãs, vestidos, saias, xale (figurinos e adereços), emblemáticos de representações sociais do comportamento feminino e seus saltos de liberdades e aprisionamentos.
(fotos/acervo da Só Homens Cia. de Dança)
Samuel Alvís reconstrói uma memória feminina, em busca de libertação e seus conflitos intrínsecos de vencer a própria fera contida, ensimesmada na personagem de decifra-me ou devoro-te. O segredo da esfinge se revela na evolução da própria espécie provocada. O corpo da(s) personagem (ns) fala (m) por si mesma (s).
A partitura do intérprete criador, Alvís, é clara, contundente, eficaz e declara língua e linguagens devoradoras da recepção atenta. Samuel domina os eixos simétricos e assimetrias da anatomia distendida e desenhada na variação da narrativa densa e perspicaz de conter, contar, condensar informação que, quebra paradigmas do movimento dança tradicional, em reelaboração do mesmo tema reverberado, no mapeamento anti didático, sem deixar de ser educativo e instrutivo de possibilidades de descobertas do corpo experimental.
Lúdico e cartesiano, "Meninas , vestidos e segredos" espelha mulheres imberbes e vestidas de segredos e atitudes que, ilustradas também nos suportes de vestuário e adereços, detêm maior compreensão de quem elabora e a quem recepciona a narrativa, na linguística do corpo que escreve as memórias conflituosas e redentoras da personagem.
Um luxo de atenção e acuidade no ato criador e criativo do dramaturgo da cena e um libelo emblematizado a signos e siglas da alma feminina descrita em tempo cênico.
A música que corre paralela à dramatização é forte e atenta a manter atenta a plateia. Os solilóquios, em inglês, provocativos, recortados da compreensão contumaz do imagético apresentado e charmoso, por terem efeito de cinema, noir romântico, e expressivo sonoro de legenda sem tradução, dão uma estranheza indescartável.
A luz, assim como a música, cumplicizam o efeito dramático e se encarregam de azeitar os tempos de viver e horas de reflexionar os (des) caminhos daquela (s) menina (s) mulher em seus vestidos, fantasias, segredos e reparações das identidades femininas e comportamento no cerne do discurso social e falas do eu ao outro (a) e deste (a) ao coletivo versejado.
Bela experiência da manga larga de Samuel Alvís, numa montagem da Só Homens Cia. de Dança que, nesta hora de atuar e ser presente do indicativo de cena viva e dinâmica da dança contemporânea experimentada, à ótica de reinvenção do método e práxis da nova dança, é show.
Parabéns, ao Samuka e à Só Homens Cia. de Dança.
Quem esteve presente, entre o público da noite, na Terça Dança, da pauta do Terças da Casa, dia 11 de agosto, colheu uma performance que excele qualidade técnica e respostas estéticas determinantes à nova identidade e forma e fórmulas, desvinculadas do velho, que é conformidade ao novo.
"Meninas, vestidos e segredos" abre precedentes de apreensão para
novas leituras que o corpo que fala se nos tem apresentado, através do corpus que dança em Teresina na assinatura da Só Homens.
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