domingo, 30 de agosto de 2015

Como era bom

o meu absurdo
por maneco nascimento

A cabeça ficou, com certeza, sobre o pescoço e atenta, como toda a assistência que foi ver o espetáculo de Porto, Portugal. Da Chão de Oliva - Cia de Teatro de Sintra.

O doce deleite da apresentação de "E a cabeça tem de ficar?" deu-se no Theatro 4 de Setembro, às 20h30, do dia 29 de agosto, em dias de já finalizações dos serviços do FestLuso (penúltimo dia), que já deixa saudades lusófonas.

O espetáculo de Sintra. Sinta-se contemplado, pelo menos em algum momento, ao ler esse relatório, comentário de observações da cena portuguesa vista no 4 de Setembro, na noite de 29 de agosto, sábado último.

Um absurdo? Um absurdo. Um absurdo! Para risos e interações estéticas. Um exercício de teatro do absurdo, com afinada atenção de intérpretes e dramaturgo de cena e de todo o corpo do corpus técnico, envolvidos no espetáculo e, em elogio sincero e apaixonante à arte de representar, fingir, convencer, persuadir a recepção. E, o faz de maneira, sinceramente, magistral.

(um absurdo!: Nuno Machado/foto acervo Chão de Oliva- Cia  de Teatro de Sintra)

Choques na comunicação, desencontros, volta ao mesmo ponto em variações de temáticas a variar ao mesmo ponto, sempre com qualidade, técnica e artística dos intérpretes, irretocável. 

Alexandra Diogo e Nuno Machado, são achados e estão achados no que há de + afinado, afinizado e refinado ato de compor, contar e encenar quando o tema é teatro, de desejos e vontade. 

Disciplina cênica, rigor dramático dosado, equilíbrio e coreografias de movimentos e ações redondos, quais os círculos das mesmas, outras conversas em mito do eterno retorno. Finas ironias e humor venal, em economia de estar e ser riso, alegria, irônica, de pequenas maldades, ao perverso delicado, aplicadas de formas risível e intacta do riso fácil e pejorativo ao gargarejo.

Encenação, de João de Mello Alvim, e Dramaturgia, de Manuel Sanches, afiadas à faca "cega" que enxerga vozes, vezes, frases, efeitos, palavras, chaves, portas que abrem e batem em meias entradas, ou entradas em meio tempo de absurdos, do absurdo revestido de humor e obra de muito trabalho investido e não da descida da inspiração sobre o criador, como defendeu o diretor, ao final do espetáculo, João de Mello Alvim. 

Têm um trunfo, um doce e delicado manjar a ser degustado devagar e sempre, às vezes de ambrosia servida aos deuses e que, em "E a cabeça tem de ficar?", nos é dada, servida, após ter sido "roubada", da cozinha dos divinos.

A Assistência de encenação, de João Mais, e a Direcção Musical, de André Rabaça e Interpretação Musical de Isabel Moreira (piano) e Samuel Matias, são + água na fervura, no caldeirão de delicadezas aplicadas aos estímulos e respostas provocados na encenação de belos tempos, silêncios e pequenas esquizofrenias regurgitadas por todo o corpus que encena "E a cabeça tem de ficar?".

O Desenho de Luz, André Rabaça, economia nos recortes e concentração da iluminação ao contraponto das confusões, "distúrbios" e caos cênicos e dramáticos do casal. Luz circular, referenciada ao círculo de repetições e fluxos do ruído das comunicações, empreitadas pelas personagens, e contempla ótima fusão de cores quentes, em sobriedade do confuso e humorado tempo de ser e gerar ações e gestos, enquanto sublinha e concorre ao conjunto do contadores da narrativa karl valentiana.

A cenografia (Cia Teatro Sintra), de simplificação que gera melhor efeito de imagens e dinâmicas acionadas ao redondo cênico. A bicicleta de época (veículo, deslocamentos, instrumentos de trabalho e alçapão para tiradas de novidades); a cesta (bagageiro, na garupa da bicicleta, de onde saem elementos de surpresas e composições narrativas); o telefone que recebe corda, provocada pelo homem, na bicicleta; as estantes de música ao dueto final e + contrarregras, que assomam a história de vais e vens nos diálogos tabelados, são leves e emblemáticos.

Os finos Figurinos (Cia Teatro Sintra) compõem e deslizam nas personagens de forma suave, representativos e segunda pele inseparável, às vezes da ação dramática exercitada. Vestem bem, deixam à vontade às personagens e, expressamente, liberam as mesmas energias que pululam no universo das confusões, (des)acertos e dramatizados feitos e efeitos que se instalam na cena.

Os intérpretes Alexandra Diogo e Nuno Machado, são impagáveis. A "colagem articulada de pequenas peças de um dos fundadores do Café-Teatro, Karl Valentin", como esclarece o Grupo, encontra verso e reverso cênicos na energia dramática atomizada, a partir de textos do autor e revitalizam vida, em obra karl valentiana.

Alexandra e Nuno vivem intensa arte dramática praticada, em sutis e delicados prazeres cênicos e, prazerosamente, amam os pequenos e curtos momentos de ser absurdo, rirem de si mesmos e estar absurdo cênico, com muita acuidade de gerar profissão de ator e método.

A cena do dueto, que se nos apresentam uma bela canção, em mergulhados do absurdo pungente e deliciosamente empertigados na música cantada, para plateia de si em nós e da rotação da terra de seus mundos ao cotidiano das vidas contadas, é um luxo de talento e artístico consignados.
 


Grande ato de intérpretes e colegas de construção da cena vista. Teatro vivaz e dinâmico de nunca perder a chama de teatro vivo. Parabéns ao Chão de Oliva - Cia de Teatro de Sintra, Sintra (Portugal) que nos degola e recompõe a cabeça sobre os ombros, enquanto em risos e humor entrecruzados, das pequenas ironias perversas, nos deixa a dúvida ao inquirir "E a cabeça tem de ficar?".

Bravos!

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