terça-feira, 28 de agosto de 2012

Teatro é física

Teatro é física
por maneco nascimento

Mas
 é também matemática, química, biologia e olha que nem falei ainda das ciências sociais e humanas. Teatro é magia na razão e razão sensível para efeitos de aproximação e interação do público com o ato encenado. “Dia Desmanchado”, da Companhia Teatro Torto (RS), é desse universo conspirado e + outros elementos das entrelinhas, silêncios e ruídos, corpos e corpus expresso de humana compreensão.

O Projeto Palco Giratório, vide SESC nacional em parceria com os regionais, no incremento do entrecruzamento da cultura das cênicas e aproximação de linguagem à cepa comum do fazer teatral, trouxe à Teresina montagem gaúcha para o ensaio de um dia em desmanche contínuo. 

A primeira apresentação ocorreu dia 27 de agosto de 2012, às 15h30, no palco do Theatro 4 de Setembro, a um público vigoroso. A Segunda entrada da cena gaúcha será dia 30, às 20 horas, na mesma Casa de espetáculos.

“Dia Desmanchado” se nos apresenta o ator Marcelo Bulgarelli, dirigido por Tatiana Cardoso, numa virtuose de energia concentrada e movimentos precisos e lúdicos em fidelização da dramaturgia construída e do exercício prazeroso do fazer rir e refletir um “de já vu”, brincado para anatomias distendidas e prospectadas do próprio veio corporal.
 
(Marcelo Bulgarelli/foto: divulgação)

Da
 dramaturgia pedagógica de base das linhas, o espetáculo narraria a história de um exterminador de insetos que, mergulhado na banalidade de seu cotidiano, recebe uma carta de uma mulher com a proposta de um encontro. Em alerta de sentidos, ensaia ao momento esperado de forma a tentar concentrar sucesso na ocasião.

Da
 dramaturgia de pedagogia construtivista à personagem, vai-se imbuindo dos sentimentos naturais de corrida contra o tempo e o moto contínuo de um dia que volta ao mesmo ponto. Um gracejo do dia, das horas, da angústia de aproximação da expectativa em exasperada sutileza do brinquedo elaborado. Realidade óbvia e paralelo do assimétrico temporal ganham o fabuloso e o mágico do dramático jogo de vencer o tempo da espera.

Ideia de desmanche a partir da obra “O ensaio”, do dramaturgo norte americano Benjamin Bradford, “Dia Desmanchado” é um luxo expressionista do brincar em ciência com o corpo. Detalhes medidos de movimentos e articulações, num frenesi de quase caos à nova potência, causam impressão de deleite à plateia atenta e ganhada.

Biomecânica teatral, exercícios físicos do ato encenado, reflexões do tempo, ato entre o cognoscível e o incognoscível, entre o normal, ideal e o fora do normal, ruptura e emendas das fissuras do tempo, repetição do mesmo dia e mesmo tempo acionado em precisão emblemática de dramaturgia experimentada, uma poção de magia de sabor de eureka. Esse é o divertido enredo de “Dia Desmanchado”. 

(Marcelo Bulgarelli/foto: divulgação)

 E se “a vida inclui tudo aquilo que poderia ter sido”, a dramaturgia da angustiosa espera da chegada de uma mulher, forjada por Marcelo Bulgarelli e Tatiana Cardoso, é de caráter científico, sensível e atomiza arte em franca expansão de novidade à cena brasileira.

A
 Cenografia, de Maíra Coelho, um mimético laboratório da experiência testada. Cenário e objetos de cena, um efeito placebo a saúde do enredo.

A
 Trilha Sonora Original, de Jackson Zambelli e Sérgio Olivé, uma orquestrada vida pela pauta musical que parece correr feito sangue na veia do homem que espera. Acertou na via natural de desmanchado tempo de espera. Doces e bárbaros acordes e melodias transmutados à rotina alegre e de compassada subjetividade criativa ao objeto pensado.

O
 Figurino, do próprio Teatro Torto, está na vantagem de desenho de mesmo genoma. Não compete, aglutina estética e plástica nuclear. A contrarregragem, de Giovanna Zottis, é de efeito invisível. Discreta, precisa e matemática. Quase um show de ilusionismo.

O Rádio, de Heitor Schimidt, afinada pesquisa de charmosa memória da radiodifusão e seus peculiares ruídos na comunicação das ondas eletromagnéticas. Uma mímesis da rotina singular do audiente.

Os recortes de luz, da Iluminação de João Carlos Dadico, preenchem as vagas de atos e entreatos sem remendos. Claros e escuros pragmáticos para desenhos de emoções do dual consciente/inconsciente da ciência das lâminas de luz desenhada. Aquecem as emoções de fragilidades e ousadias do corpo que fala.

O
 regurgito da técnica, de Meyerhold, da biomecânica teatral Gennadi Bogadanov, do Vindenes Bro (Iben Nagel Rasmussen), do Odin Teatret (Dinamarca), volta em expansão de luz, na métrica digerida de Marcelo Bulgarelli e sua diretora de cena. 

 energia qualificada, força equilibrada, física quântica experimentada no ideal dramático, a uma quase atomização da matéria teatral feito corpo.

“Dia Desmanchado”, de Marcelo Bulgarelli, no viés do lado direito e esquerdo do cérebro, um canhoto e (as)simétrico fenômeno de teatro confirmado pela arte de reinvenção da própria invenção da cena. 

O Teatro Torto, um direito particular de inversão da realidade com deveres concentrados no exercício do exercício dramático ao prazer do ato e obra aberta.






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