segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mate. Curo.


Mate. Curo.
por maneco nascimento

Com Licença Poética
Quando nasci um anjo esbelto,/desses que tocam trombeta, anunciou:/vai carregar bandeira./Cargo muito pesado pra mulher,/esta espécie ainda envergonhada./Aceito os subterfúgios que me cabem,/sem precisar mentir./Não sou tão feia que não possa casar,/acho o Rio de Janeiro uma beleza e/ora sim, ora não, creio em parto sem dor./Mas o que sinto escrevo./Cumpro a sina./Inauguro linhagens,/fundo reinos/- dor não é amargura./Minha tristeza não tem predigree;/já minha vontade de alegria,/sua raiz vai ao meu mil avô./Vai ser coxo na vida é/maldição pra homem./mulher é desdobrável./Eu sou.” (Adélia Prado)

Em universo da construção social brasileira patriarcal, surge no século 20, lá pelos anos de 1936 a menina Adélia, a mulher Adélia Luzia Frado Freitas, nascida em Divinópolis, Minas Gerais, dia 13 de dezembro dos primeiros trinta e poucos anos daquele tempo de novas luzes na seara literária brasileira modernizada.

Adélia Prado “(...) é uma escritora brasileira. Os textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características o estilo único (...) Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora tornou-se a atividade central. Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como pensante (...) Adélia incorpora os papéis de intelectual e mãe, de esposa e dona-de-casa, (...) considerada como a que encontrou um equilíbrio entre o feminino e o feminismo, movimento cujos conflitos não aparecem nos textos.” (www.wikipedia.com.br/acesso: 03.08.2012, às 17h20m)

Dessa geração de mulheres literatas que o Brasil pariu, Adélia chega em tempos de grande interação de gêneros, também literários, mas especificamente de inclusão do papel criador e do direito de conquista pela pena da criação da mulher brasileira.

Alguns intelectuais piauienses assim se manifestam sobre a mulher, quiçá a pleiteante a escritora, “O que os olhos não vêem, ouvidos não ouvem, coração não deseja.” (Clodoaldo Freitas IN Rocha, Olívia Candeia Lima. Mulheres, Escrita e Feminismo no Piauí (1875 – 1950). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198p.)

Clodoaldo, um homem do século XIX, já A. Tito Filho, que também elogia a mulher da preferência dedicada, é livre pensador do século XX e assim dedica formação de opinião à mulher, “A arte da mulher deve ser a arte de amar e de ser amada. (Arimatéia Tito IN Idem, pag. 37)

Sair da função da mãe, mulher, educadora, boa esposa e querer, ainda, alçar vôos de liberdade criativa em ambientes puramente masculinos levou tempo e algumas estratégias de rompimento inteligente das benditas entre os homens. Elas foram muito eficazes e o tempo deu a prova.

“Menina não entra. Este era o lema da Academia Brasileira de Letras até pouco tempo atrás. Já na sua criação, em 1897, a aplaudida romancista, contista e cronista Júlia Lopes de Almeida foi deixada de fora e em seu lugar convidado o marido, Filinto de Almeida, escritor inexpressivo. Em 1930, a piauiense Amélia de Freitas Beviláqua era forte candidata para a cadeira nº 23, mas também foi preterida com a justificativa de que no estatuto constava que a Academia era apenas para os brasileiros, não para as brasileiras (história narrada no próprio site da ABL). Essa lógica, absurda e criticada mesmo àquela época, ainda deixou de fora escritoras como Clarice Lispector e Cecília Meireles. Somente em 1970 uma mulher tornou-se imortal, Raquel de Queiroz, e apenas em 1996 uma mulher presidiu a Academia, Nélida Piñon.”(www.digestivocultural.com/Spalding,Marcelo: A literatura feminina de Adélia Prado/25/7/2006)

E se ganhar espaço entre os homens, já no século XX, ainda tinha suas dificuldades às mulheres, então que dirá em dias do XIX, “(...) eu não contesto a aptidão das mulheres nem as desejo reclusas estupidamente nos gineceus. Não é esse meu pensamento. Quero que a mulher estude e aprenda sem pretensões a doutora, sem a vaidade alarmante de querer sair do círculo suave da família, onde deve imperar. Nada de mulheres eleitoras e guerreiras, políticas e santas (FREITAS, 1996, p. 71 IN Rocha, Olívia Candeia Lima. Mulheres, Escrita e Feminismo no Piauí (1875 – 1950). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198p.)

A mulher brasileira, mãe, dona de casa, escritora e intelectual na mesma medida do gênero masculino também defendeu a própria sorte e construiu discurso que homens, de um século retrasado e de um quartel do passado, se retornassem aos dias de hoje, talvez estranhassem. Mas nossas pioneiras deixaram legado às nossas mulheres desse contemporâneo, no diverso do matiz criador e profissional.

E no princípio de suas práticas literárias tiveram que arder intenções no mundo de pensamento do homem e seu tempo e estar no seu papel das convenções das épocas, “(...) a concordância com a atuação literária feminina ocorria de forma vinculada à manutenção dos papéis femininos na família (MAGALHÃES, 1998). A prática literária podia ser desenvolvida sem retirar a mulher por longas horas do espaço doméstico (...)” (Rocha, Olívia Candeia Lima. Mulheres, Escrita e Feminismo no Piauí (1875 – 1950). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198p.)

Segundo pesquisa da historiadora Olívia Candeia, esta estratégia de manutenção do cotidiano doméstico e aliado às possibilidades do ato criativo literário “(...) possibilitava às mulheres instruídas da classe média e alta escrever colaborações para a imprensa de maneira discreta ou mesmo sem o conhecimento de seus familiares. Um segredo que podia ser mantido com o uso de máscaras propiciadas por pseudônimos.” (Idem, pag. 47)

Os avanços sociais e o livre arbítrio feminino tomado para si tornaram a literatura brasileira + dinâmica e + diversa. Para tanto o tempo e as transições das sociedades deram seu tom. “A transformação dos modelos de mãe e esposa demandava uma preparação para o desempenho dessas funções por meio da educação formal (...) A abertura de espaços para a atuação feminina no mercado de trabalho educacional favorecia a ampliação do contingente de mulheres instruídas e possíveis leitoras, (...)” (Idem, pag. 49)

Possíveis leitoras, autoras em potencial, colaboradoras e invasivas no espaço masculino, por vezes foram contestadas e, por outras, meio aceitas. Em tendo que conviver com o comportamento de mata e cura masculino, as literatas, a seu tempo de poesia e prosa, tinham novo beberagem que curava as “fissuras sócio domésticas” abertas.

Júlia Lopes de Almeida, Amélia de Freitas Beviláqua, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, Nélida Piñon, Cora Coralina, Adélia Prado, Alvina Gameiro, entre outras que abriram as porteiras às nossas contemporâneas educadoras, mães, poetas, cientistas, formadoras de opinião, doutoras, mulheres de seu próprio tempo.

Essas herdeiras daquelas pioneiras, Ana Regina Rêgo, Assunção de Maria, Jacqueline Dourado, Stela Viana, Joselita Izabel, Salânia Mello, Silvana Pantoja, Silvana Ribeiro, Silvana Calixto, Muna Cerqueira, Cláudia Simone, Marleide Lins, Zilma Martins, Cristiane Sekef et all., um mundo de brilhantes mulheres produtivas e produtoras de conhecimento.

Mulheres de agora que talvez não precisem + responder ao mate, curo. Já têm a própria cura no diverso do papel social feito seu.










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