Mate. Curo.
por maneco nascimento
“Com Licença Poética
Quando nasci um anjo
esbelto,/desses que tocam trombeta, anunciou:/vai carregar bandeira./Cargo
muito pesado pra mulher,/esta espécie ainda envergonhada./Aceito os
subterfúgios que me cabem,/sem precisar mentir./Não sou tão feia que não possa
casar,/acho o Rio de Janeiro uma beleza e/ora sim, ora não, creio em parto sem
dor./Mas o que sinto escrevo./Cumpro a sina./Inauguro linhagens,/fundo reinos/-
dor não é amargura./Minha tristeza não tem predigree;/já minha vontade de
alegria,/sua raiz vai ao meu mil avô./Vai ser coxo na vida é/maldição pra
homem./mulher é desdobrável./Eu sou.” (Adélia Prado)
Em universo da construção social brasileira patriarcal, surge
no século 20, lá pelos anos de 1936 a menina Adélia, a mulher Adélia Luzia
Frado Freitas, nascida em Divinópolis, Minas Gerais, dia 13 de dezembro dos
primeiros trinta e poucos anos daquele tempo de novas luzes na seara literária
brasileira modernizada.
Adélia Prado “(...) é uma escritora brasileira. Os textos
retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e
permeados pelo aspecto lúdico, uma das características o estilo único (...)
Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que a
carreira de escritora tornou-se a atividade central. Em termos de literatura
brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino
nas letras e da mulher como pensante (...) Adélia incorpora os papéis de
intelectual e mãe, de esposa e dona-de-casa, (...) considerada como a que
encontrou um equilíbrio entre o feminino e o feminismo, movimento cujos
conflitos não aparecem nos textos.” (www.wikipedia.com.br/acesso:
03.08.2012, às 17h20m)
Dessa geração de mulheres literatas que o Brasil pariu,
Adélia chega em tempos de grande interação de gêneros, também literários, mas
especificamente de inclusão do papel criador e do direito de conquista pela
pena da criação da mulher brasileira.
Alguns intelectuais piauienses assim se manifestam sobre a
mulher, quiçá a pleiteante a escritora, “O que os olhos não vêem, ouvidos não
ouvem, coração não deseja.” (Clodoaldo Freitas IN Rocha, Olívia Candeia Lima.
Mulheres, Escrita e Feminismo no Piauí (1875 – 1950). Teresina: Fundação
Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198p.)
Clodoaldo, um homem do século XIX, já A. Tito Filho, que
também elogia a mulher da preferência dedicada, é livre pensador do século XX e
assim dedica formação de opinião à mulher, “A arte da mulher deve ser a arte de
amar e de ser amada. (Arimatéia Tito IN Idem, pag. 37)
Sair da função da mãe, mulher, educadora, boa esposa e
querer, ainda, alçar vôos de liberdade criativa em ambientes puramente
masculinos levou tempo e algumas estratégias de rompimento inteligente das
benditas entre os homens. Elas foram muito eficazes e o tempo deu a prova.
“Menina não entra. Este era o lema da
Academia Brasileira de Letras até pouco tempo atrás. Já na sua criação, em
1897, a aplaudida romancista, contista e cronista Júlia Lopes de Almeida foi
deixada de fora e em seu lugar convidado o marido, Filinto de Almeida, escritor
inexpressivo. Em 1930, a piauiense Amélia de Freitas Beviláqua era forte
candidata para a cadeira nº 23, mas também foi preterida com a justificativa de
que no estatuto constava que a Academia era apenas para os brasileiros, não
para as brasileiras (história narrada no próprio site da ABL).
Essa lógica, absurda e criticada mesmo àquela época, ainda deixou de fora
escritoras como Clarice Lispector e Cecília Meireles. Somente em 1970 uma
mulher tornou-se imortal, Raquel de Queiroz, e apenas em 1996 uma mulher
presidiu a Academia, Nélida Piñon.”(www.digestivocultural.com/Spalding,Marcelo:
A literatura feminina de Adélia Prado/25/7/2006)
E se ganhar espaço entre os homens, já no século XX, ainda tinha
suas dificuldades às mulheres, então que dirá em dias do XIX, “(...) eu não
contesto a aptidão das mulheres nem as desejo reclusas estupidamente nos
gineceus. Não é esse meu pensamento. Quero que a mulher estude e aprenda sem
pretensões a doutora, sem a vaidade alarmante de querer sair do círculo suave
da família, onde deve imperar. Nada de mulheres eleitoras e guerreiras,
políticas e santas (FREITAS, 1996, p. 71 IN Rocha, Olívia Candeia Lima.
Mulheres, Escrita e Feminismo no Piauí (1875 – 1950). Teresina: Fundação
Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198p.)
A mulher brasileira, mãe, dona de casa, escritora e intelectual
na mesma medida do gênero masculino também defendeu a própria sorte e construiu
discurso que homens, de um século retrasado e de um quartel do passado, se
retornassem aos dias de hoje, talvez estranhassem. Mas nossas pioneiras
deixaram legado às nossas mulheres desse contemporâneo, no diverso do matiz
criador e profissional.
E no princípio de suas práticas literárias tiveram que arder
intenções no mundo de pensamento do homem e seu tempo e estar no seu papel das
convenções das épocas, “(...) a concordância com a atuação literária feminina
ocorria de forma vinculada à manutenção dos papéis femininos na família
(MAGALHÃES, 1998). A prática literária podia ser desenvolvida sem retirar a
mulher por longas horas do espaço doméstico (...)” (Rocha, Olívia Candeia Lima.
Mulheres, Escrita e Feminismo no Piauí (1875 – 1950). Teresina: Fundação
Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198p.)
Segundo pesquisa da historiadora Olívia Candeia, esta
estratégia de manutenção do cotidiano doméstico e aliado às possibilidades do
ato criativo literário “(...) possibilitava às mulheres instruídas da classe
média e alta escrever colaborações para a imprensa de maneira discreta ou mesmo
sem o conhecimento de seus familiares. Um segredo que podia ser mantido com o
uso de máscaras propiciadas por pseudônimos.” (Idem, pag. 47)
Os avanços sociais e o livre arbítrio feminino tomado para si
tornaram a literatura brasileira + dinâmica e + diversa. Para tanto o tempo e
as transições das sociedades deram seu tom. “A transformação dos modelos de mãe
e esposa demandava uma preparação para o desempenho dessas funções por meio da
educação formal (...) A abertura de espaços para a atuação feminina no mercado
de trabalho educacional favorecia a ampliação do contingente de mulheres
instruídas e possíveis leitoras, (...)” (Idem, pag. 49)
Possíveis leitoras, autoras em potencial, colaboradoras e
invasivas no espaço masculino, por vezes foram contestadas e, por outras, meio
aceitas. Em tendo que conviver com o comportamento de mata e cura masculino, as
literatas, a seu tempo de poesia e prosa, tinham novo beberagem que curava as
“fissuras sócio domésticas” abertas.
Júlia Lopes de Almeida, Amélia de Freitas Beviláqua, Clarice
Lispector, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, Nélida Piñon, Cora Coralina,
Adélia Prado, Alvina Gameiro, entre outras que abriram as porteiras às nossas
contemporâneas educadoras, mães, poetas, cientistas, formadoras de opinião,
doutoras, mulheres de seu próprio tempo.
Essas herdeiras daquelas pioneiras, Ana Regina Rêgo, Assunção
de Maria, Jacqueline Dourado, Stela Viana, Joselita Izabel, Salânia Mello,
Silvana Pantoja, Silvana Ribeiro, Silvana Calixto, Muna Cerqueira, Cláudia
Simone, Marleide Lins, Zilma Martins, Cristiane Sekef et all., um mundo de brilhantes
mulheres produtivas e produtoras de conhecimento.
Mulheres de agora que talvez não precisem + responder ao
mate, curo. Já têm a própria cura no diverso do papel social feito seu.
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