terça-feira, 21 de agosto de 2012

Ela, premiada.


 Ela, premiada.
por maneco nascimento

A original e criativa dramaturgia de João Vasconcelos e coreografias de Valdemar Santos voltaram à cena para reavivar um melhor exemplo de dança e teatro bem definidos como idéia, em que todo o universo conspirou a favor. “Ela”, que tem assinatura de Direção Geral e de Arte, de J. Vasconcelos e a sensibilidade afinada em desenho coreográfico de V. Santos, disse em bom tom da dança que uma ótima criação nunca perde efeito.

Em temporadas nos sábados de agosto, às 19 horas, na Sala de Ocupação OPEQ (Anexo do Restaurante/Lanchonete cultural da ADH), o espetáculo demonstra que desde sua criação original mantém força que reúne elementos naturais do tema, estética bem definida, direção de arte equilibrada, desenhos dramatúrgicos e coreográficos afinados, coletivo de dança ao projeto eficaz e a energia da mulher como pedra de toque. O mote do belo para razões e sensibilidades decantadas.

Dia 18 de agosto de 2012, a partir das 19 horas, voltei a rever uma das + significativas manifestações da área de dança por aqui melhor finalizada. “Ela”, uma ideia original de João Vasconcelos que aglutina sua paixão incondicional por Elis Regina, Chico Buarque, Joyce, Ela (a canção), dança, teatro, direção de cena e dramaturgia de espetáculos e essa mulher que nos pariu a todos e debelou as veredas da salvação para contar seu próprio memorial.

Impressionante como uma boa idéia consegue prender a atenção do público, comover e arrastar, incondicionalmente, a assistência para dentro da cena, sem que se perca o domínio do distanciamento e senso crítico para o que está sendo demonstrado de forma plástica e de ciência do conhecimento aplicado. Assim é “Ela”, o espetáculo.

Da flor rubra, tendo como estrume e raiz de oxigênio a mulher, nasce o macho, despencado da alcova do gineceu. Em meio às tempestades da criação, o gérmen criador ganha espacialidade e, no milagre da evolução natural, perde a casca primordial para dar nascença a mulher primitiva (Artenildes Afoxá), que recolhe as peles transmutadas em o rebento, acolhido na manjedoura confeccionada dos cabelos de palhas, dos velhos ancestrais (Obaluaye, senhor da terra, da morte e da vida).


(arte do cartaz "Ela", o espetáculo/criação:Tupy)



A mulher primordial é a própria Eglantine* (palavra da língua francesa que é usada como referência a diversas flores, como Dália, Jasmin, Lis, Lótus, Rosa, Violeta, entre outras),mimetiza-se na flor rubra e pare novos rebentos com a determinação de quem revelará, através de seu útero (gineceu ancestral), a garantia da continuidade da própria espécie .

A velha primordial parideira, de Artenildes Afoxá, um prazer de ver tanta demonstração sincera pela arte, crença e prazer de representar história, memória e arte da mulher revelada.O alter ego da Mulher (menina moça), representada por Alzirarriza, faz os corte e alinhavos do tecido antropológico medidamente pensado.

O enredo do acasalamento vem muito bem ilustrado pelo idílio que percorre os momentos de lazer e vaidade naturais das kunhãs, cunhatãs e curuminhas em volta do lago, preparando-se para as festas da escolha/encontro do parceiro prometido. Numa preparação emblemática de dança das virgens (Cleide Fernando, Vitória Holanda, Artenildes Afoxá e Carla Sousa) e de apresentação do varão (Márcio Gomes), a dramaturgia percorre linguísticas culturais que são de achado muito sucinto e representativo.

O abayoni (encontro feliz, em yorubá) dá-se entre a cunhã enamorada (Vitória Holanda) e o guerreiro da tribo (Márcio Gomes) a quase “uma caça premiada” para emprenhar o futuro branco dos centros urbanos e suas fábricas de produção moto contínua. Em representação do libelo da liberdade, o coletivo de “Ela” nos transmuta para o ano de 1857. 

No dia 8 de março de 1857 (...) as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias que, nas suas 16 horas, recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas.” (www.eselx.ipl.pt/ciencias sociais/Temas/direitos mulher...)

De volta das cinzas, qual fênix, “Ela” queima o sutiã e revela-se em Ela, a canção de Joyce. O alter ego da Mulher (a menina moça Alzirarriza) prepara a casa da mulher contemporânea em seu diverso de sedução ao homem, seu parceiro de memórias. Do oitavo andar repassa sua história e flagra o álbum de fotografia em cores.

“Ela”, apresentado no espaço Sala de Ocupação OPEQ, ficou minimal. Causa uma sensação muito legal de ter a mulher e sua cena tão próximas do público. Espetáculo planejado para espaço de palco italiano, ganha nessa economia de encenação uma interação + direta entre plateia e personagem. A quebra da quarta parede possibilita o público dentro do espetáculo e “Ela” interagindo diretamente com os espectadores.

Há uma luz, também finalizada, para novo espaço empreendido, mas mantém fidelidade à original. O elenco está + afinado do que nunca. Artenildes Afoxá, Cleide Fernando, Carla Sousa, Vitória Holanda, Alzirarriza e Márcio Gomes deslizam pela cena como a melodia “Por Elise”, de Beethoven, música suave “paratodos” ouvidos. Márcio Gomes consegue recuperar, com competência indiscutível, a personagem só encontrada na estréia dessa bela obra, há + de milanos atrás.

A pesquisa musical cai como pétala no Nilo das deusas da Macedônia e a cenografia e figurinos idem. A ensaiadora Beth Bátalli tem um mérito que não pode ser repassado a ninguém. Conseguiu equilibrar vigor, técnica e talento selecionados em espaço bastante reduzido para montagem, originalmente, pensada a grandes canteiros da obra. Parabéns à Bátalli, faz jus ao nome e sobrenome dessa mulher.

“Ela” um libelo à liberdade criativa e à arte e cultura de memória reinventada, sem negar o passado das origens da criação. “Ela” por todos, um prazer de ver.

Serviços:
* sobre Eglantine (informação colhida de Rocha, Olívia Candeia Lima. Mulheres, Escrita e e Feminismo no Piauí [1875 - 1950]. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2011. 198 p.)

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