Nelson
sem obsessão
por maneco nascimento
O Grupo OFIT (MS), composto por Luciana Kreutzer, Bruno Moser, Emmanuel,
Natali Allas, Mayer e Aline Duenha, mostrou sua cena no palco do Thetaro
4 de Setembro, dia 08 de agosto de 2012, às 15h30m, para um público
extraordinário de artistas, curiosos, amantes de Nelson Rodrigues
e estudantes convidados do Colégio Estadual Zacarias de Goes – Liceu
Piauiense.
A montagem, “A Serpente”, de Nelson Flor de Obsessão Rodrigues,
chegou até as terras piauienses na esteira do Projeto SESC Amazônia das
Artes, que através do SESC Piauí encontra facilitação
interativa do teatro da Amazônia Legal. Vindo do Mato
Grosso do Sul, o Grupo OFIT experiencia aos olhos daqui
sua visão para uma das + delicadas, numa seara de grandes textos, carpintaria
nelsonrodrigueana.
Dois casais dividem o mesmo apartamento, doado pelo pai das irmãs Guida e
Lígia. Um casal é realizado plenamente e o outro tem problemas desde a noite de
núpcias. Nesse universo de amor, (in)fidelidade, ódio, ciúme, traição, desejos
interditados ou revelados e o sexo como mote para a tragédia enredada, com
força dramática e acuidade textual impenetrável para erros dramatúrgicos, é que
se conspiram as vozes de “A Serpente”.
A dramaturgia de cena, de Nill Amaral, tenta equalizar
Nelson sem fugas para virtuosismos conceituais. Mantém a rubrica do
autor a quase cegueira das paixões obsessivas, meticulosamente construídas na
dramaturgia autoral. Por outro lado o elenco parece vomitar o sintético e
persuasivo texto nelsonrodrigueano sem ter aprendido a digeri-lo. Cai no
lugar comum e desfaz a mora tão bem costurada pelo genial Nelson.
Falas diretas, objetivas, coerentes e coesas para contextualização dramática,
mas moderníssima, perdem todo efeito de inflexão da emoção fria e cínica, para
decair, nessa montagem, na aspereza da efeméride de dramalhão longe da ideia
original planejada. Até que a dramaturgia de composição abre um sinal
de fumaça “noir”, quando apresenta uma quase linha de transformação da trama
enredada em um tango a “la brasilena”.
Nesse quase perspectiva, os casais representados, dessa leitura, não se
definem se dançam ou se intepretam o que sugere, para ato de ator, o artista
carpinteiro e pai do teatro moderno brasileiro. Há cenas em que as
personagens das irmãs poderiam pisar firme em chão manchado de luxúria, mas
andejam como se ensaiassem passos de dança de salão.
Os homens da peça, representantes do obsessivo tônus de pegantes e viris,
canalhas e cínicos, não conseguem ganhar forma na linguística corporal dos
atores que interpretam Décio e Paulo.
Para Nelson Rodrigues, o ator que se intimidar com a instigante e
provocadora habilidade de choque e causa-efeito, impacto pelo morde e assopra
pimenta, cai em desgraça de não realização. A metralhadora giratória
dialogada em bem construído raciocínio mordaz é para ser enfrentada sem tabus,
ou meias verdades. É Nelson por Nelson, não dá para ser diferente. Será
diferente é o resultado, fora do Nelson, com a perda da obsessão.
A leitura à cena do OFIT é imberbe, ingênua, tímida e quase
lograda ao erro dramático. O elenco parece imaturo, ou então optou pelo +
fácil.
O texto sai mal compreendido, as intenções perdem-se no vazio de ouvidos
moucos e tem, essa “ Serpente”, uma ligeira e incondiconal tendência à
monocordia. Soa distante e cheia de ruídos à comunicação de propósitos
específicos do autor. Sibila um Nelson sem obsessão. Não fosse toda
ciência de construção textual finalizada em “A Serpente”, do Nelson, nada +
consistente sobraria na realizada pelo OFIT.
A cenografia de cortinas para filó, algodãozinho e renda que recortam
ambientes e criam espaços de fugas e de representação à sombra e penumbras
propostas, é de olhar muito eficaz, pena que as personagens, em
pouca compreensão do objeto já bastante dissecado, não conseguem deslizar pelos
espaços fragmentados e propostos pelo cenógrafa Maira Espíndola.
A luz, de Gil de Medeiros Esper, também inspira ambientações e força
nelsonrodrigueana. Há claros e escuros dissimulados, caminhos e armadilhas que
finalizam o ardor que a obra natural exige, para céus e infernos
meticulosamente pensados à dor de mata e cura, sem culpas ou falsos pecados
capitais.
Não há como distinguir qualquer sinal de diferença nas interpretações,
são de uma “sobriedade” de pouco conhecimento e nenhum monólogo interior.
Os dois rapazes que praticam as vidas de Paulo e Décio caminham
pela margem das personagens, sem perceberem que em não pisando na água, no
exato momento das intenções, não lograrão o mesmo rio, ou talvez morram na
praia sem descobrirem para que lado deveriam ter nadado.
As garotas, na pele de Lígia e Guida, brincam de fingir sem experimentar
o verdadeiro princípio do fingimento, a arte do ator e de seu método sempre
reiventado para teorias propostas. Gritam sem arranhar o próprio útero,
não encontram nuances nas falas tão apropriadas das amarguras, dissimulações,
cinismos e ironias colocadas na boca das personagens.
É impossível não emocionar qualquer público para uma cena posta. Colegas
de cena que os assistam, talvez se incomodem pela imaturidade imprimida para
textos tão cheios de frescor e verdades sórdidas que antes de serem ditas,
precisam ser ouvidas por quem as vai deter na cena, para só então elas se
organicizarem no reverbero à recepção.
O Projeto SESC Amazônia das Artes cumpre seu papel de circulação
de informação, de culturas distintas e de possibilidades de demonstração
da arte em cena realizada por outros colegas e estados desse continental Brasil
criativo. Walfrido Salmito, que não disfarça o empenho em
nos aproximar do teatro brasileiro de qualquer resposta, está de
parabéns, cumpre um papel sócio cultural que a cidade precisa.
A nosotros, insistentes da cena, ficaremos nos devendo ver uma montagem
de “A Serpente” com seus diálogos curtos, pragmáticos e recheados do veneno
mordaz da Flor de Obsessão.
Salvo o centenário do grande Nelson que se comemora neste ano, toda
palavra dramática será motivo de expiação e todo teatro nelsonrodrigueano será
para enleio e orgulho, mesmo que seja o imberbe Nelson sem obsessão do Grupo
OFIT.
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