sábado, 19 de maio de 2012

Cotidianos e (des)esperança


Cotidianos e (des)esperança
por maneco nascimento

11 poemas, uma cópia de fotografia aérea do mapeamento da cidade, uma capa em papel “craft” e um miolo de poemas em “ofset” AP (apergameado), essa é apresentação do livr(et)o de Rodrigo M Leite, “a cidade frita”(Leite, Rodrigo M. Teresina: Edições “Viver Teresina”, 2012.).

Todas as licenças garantidas à poesia e um risco aplicado de versos contundentes, reais e identitários à verve da cidade verde. “a cidade frita entre os rios/asfalto brita calafrios/a idade grita entre as pernas/sal limão sangue de menstruação”, é o segundo poema, o tema- capa

O primeiro, a capa em “craft”(cor madeira) e no centro dela um círculo fechado em preto, de onde brota o título da publicação "a cidade frita" (letras minúsculas na cor “craft”.) O aparente simples da apresentação, em capa, um jogo de símbolos entre o comum e o utilitário estético. Depois do poema que intitula a obra, um mapa aéreo, em xerox, da cidade difusa entre dois rios e delineada em seus traçados da planejada.

Em [Fotografia], na ordem dos versos impressos, a cidade delineada a matiz desbotadoO azul não é leve nem produz carinho,/O contorno torto e opaco./O vermelho está morto./O amarelo esbranquiçado, adoecido.”. Ouvidos e olhos poetas registram novidades e desencontro, em si mesmos e nublados.

As mortes sociais e físicas, bifurcadas, se encontram emChiquinho desceu às margens do rio:/Catou umas garrafas/Colocou-as num saco,/Numa caixa de fogão vazia,/Deu uma passadinha no Boca da Noite/E perdeu-se dentro da noite fria./(a imprensa no dia seguinte não noticiou o acontecido)" [Chiquinho Garra] e aindaO morto esboçado no chão com sua moto/Não é lembrado no Mercado Central/Onde cresceu e há anos não aparece (...)” [Previsão do Tempo]

À solidão do coletivo penado se inscreve em letras tais, “No meio do tempo e da história/Das almas que estão penadas (...)/Estamos todos, juntos e/sozinhos/Num poema de dezembro.” [Inscrição] e emNum puta boteco pros rumos do Verdão,/O tempo está parado num relógio sem pilhas (...)/E o coração dos homens lá dentro,/Vai sem muita pressa.” [Centro Norte]

Pelas memórias familiares e de DNA, a letra dizPor um instante/Registro na retina da pobre velha/Sentada na calçada com suas irmãs/O meu rosto: único/Assim como o teu o de Milton o de Adriana/É só mais um que colore o olhar vacilante da velha/No dia-a-dia dos ossos” [A Fadiga dos Dias].

O cotidiano das periferias humanas está em [Despertar] “Urubus nos postes do Parque Piauí/Esperam miúdos de frango jogados na mesma rua/Onde Assis caminha com o Brasil no peito/Na cabeça na caneta rumo ao mercado./ Uma carroça de massará/Range ferro com ferro/A ferrugem a madeira o capim/O chicote nas costas do animal/O bater de asas da liberdade/rumo à carniça/O sino do motoqueiro do gás/O silêncio de Assis (...)/Todos os ruídos são despertos.”

A indústria cultural emblematiza-se nas inscrições de marketing de consumoE nas paredes, mulheres desbotadas com garrafas de/ Catuaba Guaracy (...)" [Centro Norte] ou “A garota do outdoor continua intacta,/Frescura ninfal, na Raul Lopes./Ilesa, assiste seus comerciais de TV/Pintando as unhas, depilando o buço./Em pupilas dilatadas, rabos de olhos tráfegos/Segue para a eternidade das coisas vãs (...)” [A Garota do Outdoor].

A desesperança no olhar da vida Tudo é desgosto desvio/Tristeza arrepio/Numa pracinha da desilusão” [Pracinha da Desilusão] eE a vida, ferrugem do balcão, está no fim/Aos poucos sendo vencida./Os velhos não se olham mais nos olhos” [Centro Norte] ou “Amanhã o dia será chuvoso/Poucos irão ao seu enterro” [A Fadiga dos Dias].

O poeta recolhedor de memórias e emoções, da própria natureza flagrada, prevê o tempoO recém nascido Evangelina Rosa grita primavera rouca,/Coro que anoitece os olhos do pai (...)” [Previsão do Tempo].

E, criticamente, o poeta observa, como cronista do cotidiano, o hibridismo cultural à hegemonia de comportamento pastelOs ônibus tiram fino das garotas do CPI, todas iguais (...)” [Previsão do Tempo] ouIlesa, assiste seus comerciais de TV/Pintando as unhas, depilando o buço (...) Segue para a eternidade das coisa vãs (...)” [A Garota do Outdoor].

Teresina, essa verde cidade menina com sua temperatura comum aos nossos dias, em controverso de horas amenas ao calor incompensado, “Frescura ninfal, na Raul Lopes (...)/Na quentura do dia.” [A Garota do Outdoor] ou Pétalas de aço enferrujado rasgam o asfalto/Frei Serafim em meio do dia da/Quentura dos infernos (...)” [Previsão do Tempo].

Poema, poeta ao calor da idade dessa cidade mulher que abre-se em licença poética A cidade frita entre os rios/asfalto brita calafrios/a idade grita entre as pernas/sal limão sangue de menstruaçãoe "O calor, Tito, não é um mito.”.

Todo o poemadesfolha uma bandeira”, Rodrigo M Leite, um “homemleite” em registro da cidade só.

2 comentários:

  1. (re)publiquei o texto:

    http://acidadefrita.blogspot.com.br/

    abraço,
    rmleite.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. prazer em poder conhecer sua poesia, vc escreve com um cinzel de quem conhece o mármore de Moisés

      Excluir