Assimetria de gêneros

Assimetria de gêneros
por maneco nascimento

A melhor ideia será sempre a que melhor aproxime linguagens claras, práticas e representativas de identidades para identificações reais, mesmo que aplicada pelo viés da licença e da poesia quando o assunto é cultura e arte expressa.

Na última terça feira, dia 15 de maio de 2012, às 20h, O Theatro 4 de Setembro em parceria com a Escola de Dança do Estado “ Lenir Argento” apresentaram ao público da cidade a Paracuru Cia. de Dança e seu “Luz”, espetáculo que circula por onze municípios do norte e nordeste em 21 apresentações.

O projeto de circulação foi contemplado no II Edital Mecenas do Ceará, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, e é apoiado pela Companhia Energética do Ceará – Coelce.

A Paracuru Cia. de Dança, na defesa de ampliação de seu público, aponta apresentações em cidades onde, para ela, a circulação de bens culturais seria de difícil acesso, como nas regiões escolhidas, e revela uma pesquisa corporal própria e um trabalho autoral que toca principalmente o público jovem.

“Luz” é o que não falta na dramaturgia, no desenho coreográfico e na decisiva participação do elenco. Afinado e finalizado à lingüística limpa e eficaz em assimetrias concentradas para defesa de paixões, tensões, rupturas e interditos, silêncios e ruídos de corpos econômicos e inflamáveis, recheados de tônus criativo e de estética renovada.

“Criada em 2000 por um grupo de jovens da cidade e dirigida pelo bailarino Flávio Sampaio, a Paracuru Companhia de Dança busca compor seus trabalhos com ideias cênicas que traduzam as relações interpessoais dos jovens e adolescentes, levando em conta a cultura e as referências estéticas de seus integrantes como forma de manter sua personalidade artística.”, diz a nota da Paracuru, distribuída à imprensa.

Tá lá o corpo distendido em ação forte, determinante da informação e da comunicação de anatomias graduadas na nova dança. Pesquisa e escrita científica na linguagem de um corpo sincronizado para gestos precisos, muito definidos, instantâneos e congelados a efeitos de leitura impactante ao regurgito do público.

”Durante sua trajetória, a Companhia tem realizado uma pesquisa que parte do estudo do balé clássico e investiga movimentos baseados na cultura e nas danças nordestinas, como o coco de praia, o frevo e a capoeira, transformado-os em movimentos de dança contemporânea. Utiliza-se dessa pesquisa corporal para expressar-se com temas sociais atuais como a paixão intensa e fugaz, a solidão, o preconceito e as relações humanas tumultuadas, tornando a sua estética universal sem perder seus valores culturais.” (Idem)

Três bustos de manequins femininos suspensos no ar, uma luz tênue e implacável quando necessária, três lindas mulheres dançando à força do som do silêncio abrem o espetáculo “Luz”, para depois serem incrustadas de homens e seus sentimentos de intrusão e acolhimento. Bela peça de concepção e roteiro coreográfico de Ivaldo Mendonça para direção artística de Flávio Sampaio.

Há, no “Luz” revelado, segundo aponta a Paracuru Cia. de Dança, os anseios da modernidade, como o preconceito, a solidão, as relações interpessoais tempestuosas na adolescência e a paixão intensa e fugaz nos “tempos do fica”.

Percebe-se que não há só isso, mas um deslizar de glóbulos em átomos nelsonrodrigueanos de paixões que matam e curam. Mordem e lambem e, especialmente, refletem as assimetrias emocionais traduzidas em direitos e esquerdos composicionais de corpos falantes. Com técnica exemplar de abrir e concluir linhas de compreensão na interlocução para dores e amores.

De uma estética, aparentemente de margem a femininos universos, o “Luz” vai-se delineando para sorte de relações de prazeres e torturas entre homem e mulher, homem e homem, mulher e homem, mulher e mulher, assimetria de paixões de gêneros e humanidades em reflexões de corpos, falas e oralidades à razão e sensibilidades.

Essa Companhia atinge a maturidade artística sem deixar ruídos na comunicação. Um bom exemplo a ser apreciado por quem, em Teresina, defende a nova dança e o contemporâneo, variável entre a academia negada e o intuitivo de improvisações sobre o mesmo tema, em moto-contínuo esvaziado.

Há, em “Luz”, brilho de expansão que, focado na pesquisa, na técnica e na paixão à linguagem e à linguagem das paixões coletivas, prospecta íntimo recurso de arte praticada com essencial acuidade para estética revigorada.

O mínimo do alfabeto primitivo de dança contemporânea, neste espetáculo, tem desempenho de novidade fresca e reiterada de Elemental presença da identidade do coletivo expressivo. Da incursão de coreógrafo, diretor artístico, bailarino (a)s intérpretes criadores, iluminador e pesquisador musical, figurinista e cenógrafo, uma carta-poesia do indivíduo ao grupo e do grupo ao uno.

A resultado de dança tão inteiro, densidade leve e apropriada de vivências do artista do teatro vivo, difícil seria não falar de “Luz” em Direção de Flávio Sampaio, sóbria e plena; da Concepção e Coreografia de Ivaldo Mendonça, doce, delicada e de veneno que não nos deve deixar; dos recursos do ensaiador Adriano Araújo, a olhos vistos; da iluminação de Walter Façanha, precisa geografia; dos Figurinos de Ivaldo Mendonça e Flavio Sampaio, uma pele de composição.

Da "luminae" dos intérpretes Alexandre Santiago, Jamerson Rananan, Jerferson Freitas, Jocasta de Castro, Lairton Freitas, Miliane Moura, Rochele Conde, Wanderson de Sousa, beleza e verdade definidas a todo acerto.

Uma idéia em excelência de estímulo-resposta. Prazer em compartilhar dessa prática cênica na fuga premeditada do lugar comum, longe dos velhos e gastos gestos de desesperos decorados e marcas ilustrativas para peixes fora d’água.

Desse arrastão de cultura facilitada na comunidade de Paracuru (CE), o milagre do pão e peixes recolheu verdadeira arte construtiva de produto pronto a consumo de liberdades e expressão artística.

Um franco despertar em estações de Luz e palco.