Um
Coxo Brilhante.
por maneco nascimento
Oito atores, cinco técnicos e um mundo de fantasia premeditada, lúdico
dividido, estética de palco concentrada e uma energia atomizada à sorte de
melhor cena planejada. Assim se estabelece o Grupo de Teatro Clowns
de Shakespeare e a majestade para cômicos e trágicos destinos encenados,
em Sua Incelença, Ricardo III, visto no quintal do Teatro
Municipal João Paulo II, dia 17 de junho de 2012, a partir das 19 horas.
(Marco França em "Sua Incelença, Ricardo III"/foto: Pablo Pinheiro)
Caso a Cenografia (Ronaldo Costa) tivesse que passar
despercebida, seria uma outra fábula, a do esquecimento. Porque o
que parece simples, embora cuidadosamente elaborado sob pesquisa de cultura
nativa e popular, vai ganhando forma de pompas e circunstâncias às nobrezas,
realezas e aristocracias ilustrativas do “engodo” da razão e historicismos.
A cerca de faxina que transforma-se na prisão de Clarence e
campo de sua morte, um luxo do simples elemento rústico do nordeste (varas e
cipós) em legenda de identidades e identificação. As carroças ciganas,
emblematizando carroções medievais e sacadas de palácios, a seu turno, ou ainda
janela de cortejo do fuxico, servem aos dois universos contextuais do enredo,
sem nada a nenhum dever.
Os Adereços (Shicó do Mamulengo) qualificam a
dramaturgia da estética composicional que apresenta as personagens e enriquece
o campo de guerra, intrigas e traições arquitetadas pelo Javali
Sanguinário. Os objetos de cores e efeitos estão para a terra árida
de qualquer sertão brasis, ou às vezes de geografias britânicas e reafirmam a
experiência que, a placebos e ciência estudada, receita soluções vigorosas ao
teatro vivo.
Escudos de cipós, lanças de varetas e talos, espadas (peixeiras
cangaceiras), cabeças de nobres artesanadas à base de coco da praia, coroas e
adereços diversos de cabeça, reinventados de chapéus de palha e, ou de couro de
boi curtido (ao cangaceiro/matador de aluguel), entre outros, uma
heterogeneidade para anglicismo, iberismo e nordestes em sangria de vidas
severinas.
O Vestuário (Gabriel Villela) das personagens figuram uma riqueza
sublime e criativa, arraigada de elementos da elegia e religiosidade em cores,
signos e emblemas naturais da cultura de heranças imbricadas entre a Ibéria
mestiçada e o contemporâneo de novos elementos prospectado da conformidade do
“velho”.
(Marco França em "Sua Incelença, Ricardo III"/foto: Pablo Pinheiro)
Da rosa vermelha (bem querer) à rosa branca do contraponto (vilão), em
metalinguismos dos matizes correspondentes, o mimético dá-se, no todo, a viés
afinado pelas mãos da magia villeliana.
O Mapa Musical que envolve, na Direção, Marco França, Ernani
Malleta e Babaya; nos Arranjos Vocais, Ernani
Maletta e Marco França; nos Arranjos Instrumentais, Marco
França; na Preparação Vocal e Direção Vocal para Texto e
Canto, Babaya; na Música Instrumental Original, Marcos
França e na Pesquisa Musical, Gabriel Villela e o Grupo
Clowns de Shakespeare, uma deliciosa entrada de rigor e elaboração
aos efeitos sonoros entre o canto popular, o rock, o erudito e as virtuoses
musicais indefectíveis.
O enredo musical que desliza pelas cirandas, as tradicionais poesias
musicadas e memórias nordestinas gonzaguianas, incelenças às exéquias e o rock
inglês de melhor ponta, temperam as vidas devassadas pela ruína das relações de
nobreza isabelina, invadidas pelos agouros da Acauã, ou
maldizer da sorte de Açum Preto. Mistura e combinações
tabeladas às novas químicas que elementam universos do Ocidente maior e
ocidentes outros sobreviventes.
A Iluminação (Ronaldo Costa) que mapeia a fábula, no círculo das
falas e falhas trágicas da humanidade shakespeariana representada, eleva a
energia plantada na cena e vigora a luz e brilho ascendente das personagens do
brinquedo elaborado. A ribalta, círculo limítrofe da cena em arena, se
amplifica com a guirlanda à feita de céu do circo popular fascinante. Os lampiões
a gás que alumiam os “carroções/palácios e sacadas”, completo ciclo luminar de
Sua Incelença, Ricardo III.
A Adaptação Dramatúrgica (Fernando Yamamoto) é de uma sacada max
para texto original de Shakespeare. Em forte aliança de
linguagem, coroa a cena no casamento acordado com a Direção (Gabriel
Villela), sem perder-se lição trágica original feita tão envolvente e
envolvida na natureza da cultura popular nordestina, entre o alegre, o
histriônico e o clownesco de tradição.
Elenco enxuto e invejável. Dudu Galvão se desdobra em
Narrador, Lady Anne, Rivers, Cidadã, Buckingham e Richmond, com
qualidade de individuação cênica feliz do palhaço ao trágico, é show de brilho.
As facetas de César Ferrario para Clarence,
Duquesa e Tyrrel Jararaca, uma sorte de amor tranqüilo ao teatro
apaixonante e apaixonado.
Joel Monteiro, em máscaras de Brackenbury, Hastings,
Cidadã, Rei Henrique VI, Rei Eduardo IV e Prefeito, dá-se em completo
deleite e doces facilitações do riso e da felicidade. Camille
Carvalho e suas personagens de Assassino, Criança, Cidadã
e Soldado de Ricardo, bem como Paula Queiroz/Diana Ramos
na pele de Assassino, Criança, Cidadã e Soldado de Ricardo,
conseguem um exército afinado à virtuose do diverso da interpretação.
As outras mulheres fortes, Renata Kaiser (Margaret e Cidadã) e
Nara Kelly/Titina Medeiros (Rainha Elizabeth), completo conjunto
feminino de melhor defesa da própria arte. Cada qual a seu tempo, sua inflexão
textual e arroubos do histriônico e tragédias anunciadas tendem a ser muito +
que a literatura dramática possibilita.
Um homem coxo e brilhante, um animal racional transmutado a “besta”
(des)governada pela própria falha trágica, com todas as anomalias morais que a
natureza ricardiana possibilita. Está encharcado de perfídia, tramas,
deliciosas traições e um desgoverno da mora já sendo fiada, é a melhor tradução
ao risível dramático cinzelado por Marco França.
Com sobrenome que antecipa o nome do Estado bélico que
derrota Ricardo, parece costurar, como Vil
Aranha, a sorte em que o virtuoso França se
autoflagela, quando feito Cão Imundo ou Porco Espinho e
veste-se para matar, na pele de Ricardo III. Na licença
poética de recepção, a França derrota o França, cavalo
do Sapo Danado.
Íntegra interpretação para malícias, silenciosas armadilhas em maléficos
olhares e máscaras assentadas que traduzem em corpo de economia ou de amplos
arroubos de poder do senhor aleijão. Marco França, um
marco espelhar de solos interpretativos do ator à cena. Qualidade encontrada no
coletivo da montagem.
Uma incelença, duas, três incelenças em loas ao vilão que desce ao
Paraíso das sombras, enquanto ascende ao banquete de ambrosia à
mesa de Baco, Sua Incelença Ricardo, de M. França.
Gabriel Villela, Ivan Andrade e Fernando Yamamoto, Marcos Barbosa, Giovana
Villela, Maria Sales, Nilson da Silva, Kika Freire, Janielson Silva, Diano
Carvalho, Rafael Telles, Anderson Lira, Caio Vitoriano, Larissa Azevedo, Pablo
Pinheiro e Arlindo Bezerra estão com a “merde” em amor tranqüila.
O Clowns de Shakespeare tem o segredo de Midas às
mãos da cena acesa. Meu cavalo por um reino de excelência
dramática potiguar!
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