quinta-feira, 21 de junho de 2012

Clara e literária

 Clara e literária
por maneco nascimento

A menina moça, Clara Mello, conseguiu lançar seu primeiro livro profissional, em 2010, no Rio de Janeiro, pela editora Mirabolante e assim se apresenta, na orelha esquerda do livro, “Meu nome é Clara e tenho 17 anos. Tenho uma família de artistas, e minha casa é cheia de gente e de arte. Desde que me lembro adoro livros e quero ser escritora. Estou terminando o terceiro ano do ensino médio e vou cursar Letras.” (Mello, Clara. A casa de Isabel. Rio de Janeiro: Mirabolante, 2010. 144p.)

Naquele ano surgia + uma nova escritora brasileira e, com tão pouca idade, para um contexto de diversos e dispersas informações em ágeis fluxos comunicacionais, ainda se dava a uma insistente arte de “resistir” ao mundo do silício e construir obra para livro de papel. Ponto aos leitores tradicionais.

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A casa de Isabel" mantém uma qualificada estética de impressão. Bom papel, ilustrações(Fernanda Barreto) a carvão, muito concentradas no enredo. Diagramação equilibrada e capa (frente) fundindo cores do (carvão) com um azul suave mesclado por grafite a acinzentar as horas do céu semi-límpido. A fachada de um solar carioca antigo, recortado por um gradeado à base de estilismos, completa a sobriedade da burguesia carioca recatada em bairros tradicionais do Rio de Janeiro.

Na contracapa (verso) duas árvores ilustram o quintal do solar, protegidas pelas grades do circuito de proteção da propriedade, espaço reservado pela autora para enredar a história do livro que se dá pelo período de um carnaval. Dois jovens, um homem e uma mulher, são reunidos a partir do telefonema da protagonista (Isabel) ao amigo de infância (Teo), no qual informa a morte da irmã + velha da moça, Cecília.

Resolvidos os problemas burocráticos e traumáticos da morte da irmã de Isabel, o casal de amigos divide a Casa, dos pais da protagonista, que se mantivera fechada desde a morte do pai e a diáspora do restante da família. 

Naqueles dias e horas reservados, mas confrontados com os ruídos do carnaval lá fora, eles recordam a infância, as traquinagens, as mudanças, as prisões e liberdades regurgitadas e, por fim, a redenção feliz quando fecham novamente a casa.

História simples, mas bem construída. A irmã “estranha”; o pai amoroso que morre; a mãe que precisa aprender a sobreviver e criar as duas filhas; a filha + velha que vai embora; a mãe que resolve voltar para a Bahia; a volta da irmã + velha para a casa dos pais; o telefonema marcando encontro com Isabel na casa em que cresceram e o suicídio da filha pródiga que gera um quase diário juvenil, bem construído é claro, pela irmã + nova e narradora da reviravolta familiar e desfecho em dias momescos.

A escritura limpa, capítulos e períodos curtos. De ingenuidade em franco processo de maturidade de argumentação e enredo, coesão e coerência à afinação desejada. E uma história de paixões infantis, desejos naturais de sobrevivência recatados, amores não revelados, sinceras amizades e um desfecho aberto, sem deixar pistas românticas de folhetim.

Na orientação lingüísticas de frases, orações, períodos e capítulos enredados
 só algo criou um “desconforto” frasal, em todo o livro, mas talvez seja apenas um purismo lingüístico, que pareceu cacofônico: De todos os sentimentos, ela tinha alguma experiência para compartilhar (...)” (pag. 91) e “Isabel pareceu pensativa. Fiquei imaginando se ela tinha uma rosa seca dentro de si.” (pag. 92).

Purismo vernacular, ou só estranhamento de leitura. A linguística aposta que, em comunicando, tá tudo certo. Há comunicação e, tinha ela as próprias intenções de construir as frases como dispostas no livro. A latinha não pode conservar purismo ao ato criativo. Machado(s) e Graciliano(s)eram gênios, mas não se sabe que tenham condenado aspirantes a escritores.

Salvo essas digressões gramatiqueiras, "A casa de Isabel" é um ensaio bem definido da aprendiz de feiticeira, Clara Mello. E, de sobra, é lamber a própria cri(a)ção sem vaidades e umbigos inflamados para fogueiras fortuitas. A arte de escrever parece exigir talento, leituras, vivências e muita determinação. 
 

Essa nova escritora já sabe o caminho das próprias pedras, agora é descobrir qual a que está no meio do caminho, e quais são as para efeito de passadio à profissão de escrevinhadora. De sorte é que construiu uma obra aberta e parece que sem arroubos de envaidecimento, ou pretensões de ser “Best”.

É leitura para não ofender arcanos, nem troianos. Qualquer leitor será capaz de entender e, sem resistência, gostar da construção textual direta e econômica ao mundo de Clara e literária produção.


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