Clara e literária
por maneco nascimento
A menina moça, Clara Mello, conseguiu lançar seu primeiro livro profissional, em 2010, no Rio
de Janeiro,
pela editora Mirabolante e assim se apresenta, na orelha esquerda do livro, “Meu
nome é Clara e tenho 17 anos. Tenho uma família de artistas, e minha casa é
cheia de gente e de arte. Desde que me lembro adoro livros e quero ser
escritora. Estou terminando o terceiro ano do ensino médio e vou cursar Letras.” (Mello,
Clara. A casa de Isabel. Rio de Janeiro: Mirabolante, 2010. 144p.)
Naquele ano surgia + uma nova escritora brasileira e, com tão pouca
idade, para um contexto de diversos e dispersas informações em ágeis fluxos
comunicacionais, ainda se dava a uma insistente arte de “resistir” ao mundo do
silício e construir obra para livro de papel. Ponto aos leitores tradicionais.
"A casa de Isabel" mantém uma qualificada estética de impressão. Bom papel,
ilustrações(Fernanda Barreto) a carvão, muito concentradas no enredo. Diagramação
equilibrada e capa (frente) fundindo cores do (carvão) com um azul suave
mesclado por grafite a acinzentar as horas do céu semi-límpido. A fachada de um solar
carioca antigo, recortado por um gradeado à base de estilismos, completa a
sobriedade da burguesia carioca recatada em bairros tradicionais do Rio
de Janeiro.
Na contracapa (verso) duas árvores ilustram o quintal do solar,
protegidas pelas grades do circuito de proteção da propriedade, espaço
reservado pela autora para enredar a história do livro que se dá pelo período
de um carnaval. Dois jovens, um homem e uma mulher, são reunidos a partir do telefonema
da protagonista (Isabel) ao amigo de infância (Teo), no
qual informa a morte da irmã + velha da moça, Cecília.
Resolvidos os problemas burocráticos e traumáticos da morte da irmã de Isabel, o
casal de amigos divide a Casa, dos pais da
protagonista, que se mantivera fechada desde a morte do pai e a diáspora do
restante da família.
Naqueles dias e horas reservados, mas confrontados com os ruídos do carnaval lá
fora, eles recordam a infância, as traquinagens, as mudanças, as prisões
e liberdades regurgitadas e, por fim, a redenção feliz quando fecham novamente
a casa.
História simples, mas bem construída. A
irmã “estranha”; o pai amoroso que morre; a mãe que precisa aprender a
sobreviver e criar as duas filhas; a filha + velha que vai embora; a mãe que
resolve voltar para a Bahia; a volta da irmã + velha para a casa dos pais; o
telefonema marcando encontro com Isabel na casa em que cresceram e o suicídio
da filha pródiga que gera um quase diário juvenil, bem construído é claro, pela
irmã + nova e narradora da reviravolta familiar e desfecho em dias momescos.
A escritura limpa, capítulos e períodos curtos. De ingenuidade em franco
processo de maturidade de argumentação e enredo, coesão e coerência à afinação
desejada. E uma história de paixões infantis, desejos naturais de sobrevivência
recatados, amores não revelados, sinceras amizades e um desfecho aberto, sem
deixar pistas românticas de folhetim.
Na orientação lingüísticas de frases, orações, períodos e capítulos enredados só
algo criou um “desconforto” frasal, em todo o livro, mas talvez seja apenas um
purismo lingüístico, que pareceu cacofônico: “De
todos os sentimentos, ela tinha alguma experiência para
compartilhar (...)” (pag. 91) e “Isabel pareceu pensativa. Fiquei imaginando se ela tinha uma
rosa seca dentro de si.” (pag. 92).
Purismo vernacular, ou só estranhamento de leitura. A linguística aposta
que, em comunicando, tá tudo certo. Há comunicação e, tinha
ela as próprias intenções de construir as frases como dispostas no
livro. A latinha não pode conservar purismo ao ato criativo. Machado(s)
e Graciliano(s)eram gênios, mas não se sabe que tenham condenado aspirantes
a escritores.
Salvo essas digressões gramatiqueiras, "A
casa de Isabel" é um ensaio bem definido da aprendiz de feiticeira, Clara
Mello. E,
de sobra, é lamber a própria cri(a)ção sem vaidades e umbigos inflamados para
fogueiras fortuitas. A arte de escrever parece exigir talento, leituras,
vivências e muita determinação.
Essa nova escritora já sabe o caminho das próprias pedras, agora é
descobrir qual a que está no meio do caminho, e quais são as para efeito de
passadio à profissão de escrevinhadora. De sorte é que construiu uma obra
aberta e parece que sem arroubos de envaidecimento, ou pretensões de ser
“Best”.
É leitura para não ofender arcanos, nem troianos. Qualquer leitor será
capaz de entender e, sem resistência, gostar da construção textual direta e
econômica ao mundo de Clara e literária produção.
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