Transversal da lírica moderna
por maneco nascimento
Terras de França Brasil São Paulo e Piauí
dividiram cena no palco do Theatro 4 de Setembro, na noite em que foi aberto o
Festival de Teatro Lusófono – FestLuso 2013. O espetáculo Inferno na Paisagem
Belga, da Cia., de Teatro Os Satyros, de São Paulo, um furacão de arte e
cultura e transgressão consentida para orgulho e arte de renovar a cena.
Antes da apresentação d”Os Satyros, foi aberto,
oficialmente, o FestLuso, no Espaço Cultural Osório Jr e Bar do Clube dos
Diários para uma concorrida assistência. Na ocasião, o coordenador geral do
Festival, Francisco Pellé, lembrou o desfalque sofrido pelo FestLuso, com o
impedimento da entrada do ator espanhol Enano José Torres que, convidado a vir
ao Piauí Brasil, se apresentaria dia 29 de agosto, na Praça Pedro II, às 17h,
com o espetáculo Red Chocolate. Impedido de descer em solo brasileiro, o
artista foi repatriado para sua terra de origem, por problemas de endurecimento
de relações que envolvem as embaixadas Brasil e Espanha.
O ator
também ministraria a Oficina Em Busca do Nosso Próprio Palhaço, de 27 a 29 de
agosto, na Escola Técnica de Teatro Prof. Gomes Campos. Com a sua ausência, a
coordenação do Festival lamentou que um ator tenha sido forçado a voltar a sua
origem sem poder cumprir o ritual de quebra de fronteiras que o teatro lusófono
sem tradução representa. Lembrou que o artista é profissional sem fronteiras.
Na sequência da programação da noite, foi o
momento do público acorrer ao 4 de Setembro para ver São Paulo em cena.
Era a hora e a vez do território da lusofonia
dramática ver ousadia e arte reveladas d’Os Satyros. Inferno na Paisagem Belga
aborda, de forma livre e associativa, segundo a própria Cia., a relação e a
obra de dois gênios da literatura universal.
No início do espetáculo o elenco faz uma preleção,
de recepção da plateia, a partir da leitura de traduções de poemas dos Paul
Verlaine e Arthu Rimbaud, os dois artistas revelados. Em seguida o público é
provocado a ler uma poesia do tema, ou uma de cunho próprio. Na interação com o
Piauí, Os Satyros conseguiram que poetas, ou leitores locais interagissem com o
espetáculo. Jean Pessoa, ator, e Thiago E., poeta e músico, foram elenco
expressivo, entre outras participações bem quentes.
Da vida e obra dos poetas dissecada, uma surpresa
e uma harmonia entre o novo de fins do século XIX e as inclusões das
influências e modernidades do nosso mais (in)vulgar contemporâneo. A obra
aberta às intervenções e interferências provocadas pelo elenco. O brega
repagina-se para pop e o pop de novas tendências para + virtuose do mundo
herdado das luzes de Verlaine e Rimbaud.
A direção de Rodolfo Garcia Vázquez, com
assistência de Oscar Silva, um êxtase em transgressão e antropofagia
desmistificada e justificada por comportamento que poderia ser de qualquer um
da plateia. Os atores-criadores Ivan Cabral, Oscar Silva, Robson Catalunha, e
Tiago Capela Zanotta desempenham partitura que não desmereceria nem a oitava
geração que sucedesse os poetas. Ganham a plateia com segurança e ousadia assumida
e (des)pretensão que mimetizam vida e cena colocadas na berlinda.
O Roteiro de Rodolfo Garcia Vázquez parece
metamorfosear-se com a Sonoplastia, de Diego Mazutti, e o som direto, quando
incluído, quase a pulsar mesma veia, de linguagens aparentemente (in)comuns,
mas nunca indiferentes na comunicação. A Iluminação de Flávio Duarte de tão
eficaz e feição quase mágica, se não fosse técnica, se confunde com as
Intervenções em Vídeo, de Henrique Mello. Metamorfoseiam ações, sentimentos,
nudez e impudores revelados à plástica da canção de lírica moderna, que condena
a todos a gostarem, incondicionalmente, da poesia e das estratégias de prisão
às lições poéticas de graves, ou líricos tratamentos de impacto devorador.
O cenário, de Rodolfo Garcia Vásquez, dinâmico,
plástico, de estética variável entre o contemporâneo e o instalativo de
reinvenção das velhas novas estéticas. A cenotécnica, de Carlos Orelha e Tiago
Capela Zanotta, veste e despe as personagens, devora qualquer coisa que esteja,
ou não no ciclo de sua reprodução da vida e poesia revisitada. Guarda surpresas
que quebram o óbvio.
O figurino, de Ivan Cabral, na sua acuidada
despretensão, se instala como falsa pele que não incômoda, mas emblemática do
simples, neutro e, vigoroso às anatomias, que impregnam à trama impressões
sensuais de intérpretes e personagens.
Inferno na Paisagem Belga, oitenta minutos
pancada. Quem tiver um cú que cuide dele, ou esquive-se das intervenções e
referências cobradas pelos intérpretes criadores ao público. A poesia forte,
determinante de uma geração, de século(s) passado(s) e o mundo posterior aos
poetas, é recarregada e devora qualquer ignorância sobre o que sejam
modernidade e pós-modernidade arbitrada pela ciência e filosofia acadêmicas.
As linguagens se transfundem, se completam, se
amam para gozos visuais e sensitivos de expressionismos ditados pelas novas
tecnologias indispensáveis no mundo de agora. Psicodelismos e tatuagens de
signos e siglas colam na retina da recepção e inspira um ficar, ou ficar com a
cena consentida. São doces os bárbaros que agridem com versos e reversos da
lírica contemporânea e usual para gregos e troianos, rugindo pele na mesma
guerra de ato ardente.
Quem queria ver “interpretação de ator” e poesia
+ fora das sinapses visuais apresentadas, estava no lugar errado e na hora
muito + incerta. Teatro livre de amarras aristotélica, sem negá-las, é para
detentor de repertório dessa poesia expressiva, ou para o + incauto, de coração
liberado à felicidade.
O jarro de margaridas silvestres, da cenografia
intervencionista, não foi queimado, logo estava “antagonizando” com a arte
demonstrada, sem raro de decisão da plateia, como outras manobras de
dramaturgia finalizadas pelo público atuante.
A vida ao vivo, reproduzida pela câmera
instantânea que persegue os poetas e seus discípulos dionisíacos, uma
implacável e determinante sombra do olho que tudo vê e julga à arbitrariedade
conveniente.
Línguagens, língua de trapos refinada, falas e
polifonias do latim vociferado. Discurso inflamante e indispensável na arte
histórica d’Os Satyros, mas sem vazio da informação em questões humanas.
Inferno na Paisagem Belga, um soco desejado no pé
do estômago em preparação para assumir a antropofagia de qualquer representante
de Adão. Mesmo que negue o paraíso para pés de barro.
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