O velho e o drama
A noite do dia 30 de agosto, na
pauta da Lusofonia, trouxe um homem e sua hora, uma cadeira de espaldar, uma
colcha de retalhos coloridos, uma taça, chaves, quadrinhas e canções, à capela,
ao modelo de músicas de roda infantis e um velho e o drama.
Magia, lúdico, ciência do palco e
toda uma natural façanha de contar uma história já ressoada no ouvidos de
gerações, mas com uma diferença, a novidade do ator e seu tempo de felicidade
da profissão. A resposta para nossa curiosidade veio através do espetáculo "O Medo Azul", apresentado no palco do Theatro 4 de Setembro, às 20h30.
“O Medo Azul”, espetáculo do
Quinta Parede/Grupo Cassefaz, de Portugal, brindou fantasia e enleio de
convencimento com apenas um homem, uma cadeira e uma capa real (colcha de
retalhos). Um contador de história que nos vai envolvendo com enredo, aparentemente
comum, mas carregado de emoções e teatro preenchido de experiências,
experimentos, fórmulas placebos curativas da plateia assistente.
José Caldas, é o responsável pela
Direção, Dramaturgia e Atuação na montagem de enredo para interfaces do mundo
infantil e adulto, consegue nos prender à trama forte e envolvente para nos
recuperar da infância perdida e caminhar pelos meandros dos corredores e
quartos misteriosos da casa d’O Barba Azul.
(José Caldas é O Medo Azul/divulgação)
A história recontada tira
elementos do conto O Barba Azul, de Charles Perrault, o matador das esposas. “O
Medo Azul” tem Assistência de Direção de Alkberto Magno e conseguem, diretor e
assistente, cunhar trama fabular, com início rico, meio de recheado dramático às perversidades do mundo da moral exemplar e um fim refrescado pela dramaturgia de
salvação, com todos os elementos da tradição dos contos orais, feitos
literatura universal de educação sócio cultural.
O Figurino Cenográfico de Marta
Silva reveste de luxo e detalhe indispensáveis para compor a ânima da
personagem perversa e detalhar calor e sentimentos, contidos nas vidas
enredadas nos contos para sustos, numa estratégia de fantasia e leveza densas
que só um bom teatro consegue transformar em matéria de consumo inegável.
A surpresa do impacto do dentro da roupa d’O
Barba Azul, um vermelho sangue derramado, que encoberto pelo negro da casaca do
vilão, forte emblema prático e eficiente de um sinal de dramaturgia assentada e
acertada.
Outros elementos da contrarregra, o manto
(colcha de retalhos) que no verso transforma-se em véu da noiva temerosa, a jovem
que segue ao seu destino de mulher do homem da barba azul. No mínimo o máximo
aplicado. A chuva de arroz que surge, feito mágica, sobre a noiva, é mágico,
para que eu redunde.
A Música, de Miguel Rimbaud, no
paralelo indispensável, cria as costuras da trama planejada ao drama contado e
enleva os ouvidos do público hipnotizado pela contação da história que não
deixa brecha para o relaxar da curiosidade. Cerra a plateia nos quartos
misteriosos do bom susto infantis.
As chaves das portas da casa de "O Medo Azul", a de madeira, de cobre, de lata, de ouro, etc..., abrem a chave para
o mundo que, se pensava estar esquecido, até que o teatro o recupere aos nossos
temores e sustos da fantasia fabular que a dramaturgia nos interpõe. A Luz e contrarregra
de Artur Rangel fecham o círculo das presas liberdades e das curiosidades
devoradas pela falha trágica da personagem desobediente que sofre, até
desenvolver a própria redenção para efeito de coda e moral fabular.
José Caldas consegue ser
envolvente, nunca didático, mas escolástico de reflexão do exercício dramático
muito eficientizado, dominador da trama costurada e alinhavada pelo olhar técnico
e sensível do intérprete criador, reinventor da tradição dos contos infantis
para palcos de fantasias do bom trato dramático. Retém o interesse do público e
encerra toda a atenção a uma contação de história + centrada no ator e sua
arte.
A contrarregra do espetáculo
seria dispensável não fosse intrinsecamente ligada à trama. As chaves das
portas secretas, a taça, a capa que veste a cadeira (trono) e veste também a
noiva, estão todos esses elementos contando o rosário de perdição e salvação da
mulher heroína que resgata o destino das esposas enleadas no mundo perverso d’O
Barba Azul.
“O Medo Azul”, do Quinta Parede
que brindou Teresina Piauí Brasil no Festival de Teatro Lusófono, um luxo de
teatro e paixão pela cena construída. José Caldas que também lançou livro que
retém seus quarenta anos de carreira, é ator a toda prova e prova que o novo
nasce da conformidade do velho, como diria o poeta.
Caldas nasce e renasce feito
Fênix a cada piscar da dramaturgia ardente que desempenha em cinquenta minutos
de talentos e sobriedade dramáticos afinados.
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