sábado, 31 de agosto de 2013

O velho e o drama

O velho e o drama
por maneco nascimento

A noite do dia 30 de agosto, na pauta da Lusofonia, trouxe um homem e sua hora, uma cadeira de espaldar, uma colcha de retalhos coloridos, uma taça, chaves, quadrinhas e canções, à capela, ao modelo de músicas de roda infantis e um velho e o drama.

Magia, lúdico, ciência do palco e toda uma natural façanha de contar uma história já ressoada no ouvidos de gerações, mas com uma diferença, a novidade do ator e seu tempo de felicidade da profissão. A resposta para nossa curiosidade veio através do espetáculo "O Medo Azul", apresentado no palco do Theatro 4 de Setembro, às 20h30.


“O Medo Azul”, espetáculo do Quinta Parede/Grupo Cassefaz, de Portugal, brindou fantasia e enleio de convencimento com apenas um homem, uma cadeira e uma capa real (colcha de retalhos). Um contador de história que nos vai envolvendo com enredo, aparentemente comum, mas carregado de emoções e teatro preenchido de experiências, experimentos, fórmulas placebos curativas da plateia assistente.

José Caldas, é o responsável pela Direção, Dramaturgia e Atuação na montagem de enredo para interfaces do mundo infantil e adulto, consegue nos prender à trama forte e envolvente para nos recuperar da infância perdida e caminhar pelos meandros dos corredores e quartos misteriosos da casa d’O Barba Azul.
(José Caldas é O Medo Azul/divulgação)

A história recontada tira elementos do conto O Barba Azul, de Charles Perrault, o matador das esposas. “O Medo Azul” tem Assistência de Direção de Alkberto Magno e conseguem, diretor e assistente, cunhar trama fabular, com início rico, meio de recheado dramático às perversidades do mundo da moral exemplar e um fim refrescado pela dramaturgia de salvação, com todos os elementos da tradição dos contos orais, feitos literatura universal de educação sócio cultural.

O Figurino Cenográfico de Marta Silva reveste de luxo e detalhe indispensáveis para compor a ânima da personagem perversa e detalhar calor e sentimentos, contidos nas vidas enredadas nos contos para sustos, numa estratégia de fantasia e leveza densas que só um bom teatro consegue transformar em matéria de consumo inegável.

A surpresa do impacto do dentro da roupa d’O Barba Azul, um vermelho sangue derramado, que encoberto pelo negro da casaca do vilão, forte emblema prático e eficiente de um sinal de dramaturgia assentada e acertada.

Outros elementos da contrarregra, o manto (colcha de retalhos) que no verso transforma-se em véu da noiva temerosa, a jovem que segue ao seu destino de mulher do homem da barba azul. No mínimo o máximo aplicado. A chuva de arroz que surge, feito mágica, sobre a noiva, é mágico, para que eu redunde.

A Música, de Miguel Rimbaud, no paralelo indispensável, cria as costuras da trama planejada ao drama contado e enleva os ouvidos do público hipnotizado pela contação da história que não deixa brecha para o relaxar da curiosidade. Cerra a plateia nos quartos misteriosos do bom susto infantis.

As chaves das portas da casa de "O Medo Azul", a de madeira, de cobre, de lata, de ouro, etc..., abrem a chave para o mundo que, se pensava estar esquecido, até que o teatro o recupere aos nossos temores e sustos da fantasia fabular que a dramaturgia nos interpõe. A Luz e contrarregra de Artur Rangel fecham o círculo das presas liberdades e das curiosidades devoradas pela falha trágica da personagem desobediente que sofre, até desenvolver a própria redenção para efeito de coda e moral fabular.

José Caldas consegue ser envolvente, nunca didático, mas escolástico de reflexão do exercício dramático muito eficientizado, dominador da trama costurada e alinhavada pelo olhar técnico e sensível do intérprete criador, reinventor da tradição dos contos infantis para palcos de fantasias do bom trato dramático. Retém o interesse do público e encerra toda a atenção a uma contação de história + centrada no ator e sua arte.

A contrarregra do espetáculo seria dispensável não fosse intrinsecamente ligada à trama. As chaves das portas secretas, a taça, a capa que veste a cadeira (trono) e veste também a noiva, estão todos esses elementos contando o rosário de perdição e salvação da mulher heroína que resgata o destino das esposas enleadas no mundo perverso d’O Barba Azul.

“O Medo Azul”, do Quinta Parede que brindou Teresina Piauí Brasil no Festival de Teatro Lusófono, um luxo de teatro e paixão pela cena construída. José Caldas que também lançou livro que retém seus quarenta anos de carreira, é ator a toda prova e prova que o novo nasce da conformidade do velho, como diria o poeta.


Caldas nasce e renasce feito Fênix a cada piscar da dramaturgia ardente que desempenha em cinquenta minutos de talentos e sobriedade dramáticos afinados.

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