O teatro da atriz
por maneco nascimento
Uma loa à loucura, em exercício teatral decidido,
é o que se viu no palco do Teatro Estação (Miguel Rosa com Frei Serafim), na noite do
dia 28 de agosto de 2013, às 23 horas, nessa Semana da Lusofonia - FestLuso
2013, de 26 a 31.
O espetáculo, de Almada – Portugal, montagem do Grupo de Teatro o Grito,
um libelo da econômica e inteligente ação da cena para viés português. A encenação,
“O TEATRO de Emma Santos”, com Sofia Raposo.
(loucura encenada/fotos: Carlos João)
A dramaturgia de Encenação, assinada por
José Vaz, prende a assistência num rigoroso e demorado deslizar das narrativas
da personagem, encerrada na loucura das instituições psiquiátricas onde é,
repetidamente, internada e luta à recuperação da própria voz.
Sofia Raposo que anima a personagem em
elogio da loucura travada da dramaturgia textual à dramaturgia de cena,
propriamente, toma pra si o desenredo da história contada e desvenda mistérios
e magias do teatro para a intérprete e da intérprete à plateia. Atuação forte,
delicada e, principalmente, concentrada no carisma e técnica, da atriz,
despojadas.
As inflexões e articulações da intérprete,
à personagem construída, tomam de súbito o interesse da recepção do público e
não o largam nunca mais, em uma hora e meia de pura cena refletida para
intencionada e matemática ação de dramaturgia pragmática.
O desempenho de
Sofia, de uma naturalidade tão precisa para loucuras elogiadas que, por vezes,
não se sabe se improvisa, ou comete desatinos premeditados pela dramaturgia.
Encerra o público, na “sua alienação”, com muita competência.
A Música, ao vivo, de João Dacosta, faz a
variação na geografia da cena e a deixa suavizada e envolvente durante o fervor
econômico e plástico da história da personagem. Sampla e mixa sons delicados e
confundidos com o eco da loucura. Indispensável e, numa performance que se apresenta,
sem parecer querer ser percebida. Público e personagem envoltos numa loucura
defendida.
(Sofia Raposo/fotos: Carlos João)
A Cenografia e Grafismo, de Nuno Nascimento,
competem ao todo muito acertado. O cenário, um lençol branco, às vezes de
beliche de hospital psiquiátrico, papéis e cartelas de medicamentos dispersos
no ambiente da prisão, uma cadeira branca, de assento e encosto vazados, e uma
luz muito presente. A cena é limpa, econômica e repercute plástica de estética
pontual.
O Desenho e Operação de Luz, de Jefferson
Oliveira, tatua prática de artístico plástico e deixa a personagem + exposta,
enquanto aquece o sentimento revelado da loucura densa em recorte de luzes suavizadas.
(O Teatro de Emma Santos/fotos: Carlos João)
A Encenação de José Vaz, no rigor de
aproximar vida e obra à reflexão coletiva, garante teatro eficaz, presente de
ciência e razão bifurcadas e um perfil de economia dramática, mesmo nos picos
de sensações e sentimentos ampliados, que torna a obra dramática + liberada de
gorduras e excessos de drama.
Sutis gestos e marcas do corpo da atriz à
personagem deixam a peça como crimes delicados, com marcas de denúncia do
criminoso. A inteireza com que a intérprete sintoniza a mapa da dramaturgia e torna-o
expedições de tomada da terra dramática, é de uma sacada de encenação que supervaloriza
a dobradinha cúmplice entre Sofia Raposo e José Vaz.
O que poderia trazer desconforto para montagem
de noventa minutos, desvia a atenção do tempo e a detém nas sutis partituras
entregues à personagem pela atriz. O dramático apresentado se estabelece para
quem recepciona arte do teatro e da intérprete com olhar centrado na
dramaturgia equilibrada e clara. Efetua teatro de qualidade nunca duvidosa.
O "TEATRO de Emma Santos”, do Grupo de
Teatro o Grito, de Almada – Portugal, reafirma a parceria com a lusofonia
instalada em Teresina – Piauí – Brasil e realiza cena que deixa na memória da
assistência um orgulho de prática afinada à mímesis de língua e linguagem do
Teatro sem Tradução.
É cena que gera o indispensável no teatro
sem fronteiras do Festival de Teatro Lusófono. Tenho dito, pois não.
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