quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O teatro da atriz

O teatro da atriz
por maneco nascimento

Uma loa à loucura, em exercício teatral decidido, é o que se viu no palco do Teatro Estação (Miguel Rosa com Frei Serafim), na noite do dia 28 de agosto de 2013, às 23 horas, nessa Semana da Lusofonia - FestLuso 2013, de 26 a 31. 

O espetáculo, de Almada – Portugal, montagem do Grupo de Teatro o Grito, um libelo da econômica e inteligente ação da cena para viés português. A encenação, “O TEATRO de Emma Santos”, com Sofia Raposo.

(loucura encenada/fotos: Carlos João)

A dramaturgia de Encenação, assinada por José Vaz, prende a assistência num rigoroso e demorado deslizar das narrativas da personagem, encerrada na loucura das instituições psiquiátricas onde é, repetidamente, internada e luta à recuperação da própria voz.

Sofia Raposo que anima a personagem em elogio da loucura travada da dramaturgia textual à dramaturgia de cena, propriamente, toma pra si o desenredo da história contada e desvenda mistérios e magias do teatro para a intérprete e da intérprete à plateia. Atuação forte, delicada e, principalmente, concentrada no carisma e técnica, da atriz, despojadas.

As inflexões e articulações da intérprete, à personagem construída, tomam de súbito o interesse da recepção do público e não o largam nunca mais, em uma hora e meia de pura cena refletida para intencionada e matemática ação de dramaturgia pragmática.

O desempenho de Sofia, de uma naturalidade tão precisa para loucuras elogiadas que, por vezes, não se sabe se improvisa, ou comete desatinos premeditados pela dramaturgia. Encerra o público, na “sua alienação”, com muita competência.

A Música, ao vivo, de João Dacosta, faz a variação na geografia da cena e a deixa suavizada e envolvente durante o fervor econômico e plástico da história da personagem. Sampla e mixa sons delicados e confundidos com o eco da loucura. Indispensável e, numa performance que se apresenta, sem parecer querer ser percebida. Público e personagem envoltos numa loucura defendida.

(Sofia Raposo/fotos: Carlos João)

A Cenografia e Grafismo, de Nuno Nascimento, competem ao todo muito acertado. O cenário, um lençol branco, às vezes de beliche de hospital psiquiátrico, papéis e cartelas de medicamentos dispersos no ambiente da prisão, uma cadeira branca, de assento e encosto vazados, e uma luz muito presente. A cena é limpa, econômica e repercute plástica de estética pontual.

O Desenho e Operação de Luz, de Jefferson Oliveira, tatua prática de artístico plástico e deixa a personagem + exposta, enquanto aquece o sentimento revelado da loucura densa em recorte de luzes suavizadas.

(O Teatro de Emma Santos/fotos: Carlos João)

A Encenação de José Vaz, no rigor de aproximar vida e obra à reflexão coletiva, garante teatro eficaz, presente de ciência e razão bifurcadas e um perfil de economia dramática, mesmo nos picos de sensações e sentimentos ampliados, que torna a obra dramática + liberada de gorduras e excessos de drama.

Sutis gestos e marcas do corpo da atriz à personagem deixam a peça como crimes delicados, com marcas de denúncia do criminoso. A inteireza com que a intérprete sintoniza a mapa da dramaturgia e torna-o expedições de tomada da terra dramática, é de uma sacada de encenação que supervaloriza a dobradinha cúmplice entre Sofia Raposo e José Vaz.

O que poderia trazer desconforto para montagem de noventa minutos, desvia a atenção do tempo e a detém nas sutis partituras entregues à personagem pela atriz. O dramático apresentado se estabelece para quem recepciona arte do teatro e da intérprete com olhar centrado na dramaturgia equilibrada e clara. Efetua teatro de qualidade nunca duvidosa.

O "TEATRO de Emma Santos”, do Grupo de Teatro o Grito, de Almada – Portugal, reafirma a parceria com a lusofonia instalada em Teresina – Piauí – Brasil e realiza cena que deixa na memória da assistência um orgulho de prática afinada à mímesis de língua e linguagem do Teatro sem Tradução.


É cena que gera o indispensável no teatro sem fronteiras do Festival de Teatro Lusófono. Tenho dito, pois não. 

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