quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Justo e delicado

Justo e Delicado
por maneco nascimento

“Galo de Rinha”, espetáculo vindo do Rio de Janeiro em concorrência ao 20º. FESTMONÓLOGOS – 2013 – Ano Lorena Campelo, apresentou-se dia 7 de agosto de 2013, a partir das 16 horas, no palco do Teatro João Paulo II para uma pequena plateia, mas com a mesma energia concentrada que seria mostrada para um, ou um milhão de pessoas.

Com texto de Alexandra Garnier e performance de Luciene Martins, a montagem carioca, justificada como humor dramático, se espalha sob duas medidas que emendam-se a mesmo propósito. O público intervém na já cena pronta em que a personagem rumina as horas arrastadas, a quase sentimento joãoguimarãesroesano de esperas do tempo abocanhar a próxima centelha de segundos, na natureza mouca de “silêncio das línguas cansadas”.

O impacto ao público de acomodação das pequenas imagens, construídas pela personagem, em detalhes de desenhos corporais e de economia de teatro impressionista e calculado. A velha observa o tempo passar, enquanto saliva a própria natureza passando a sua vista. Há uma coreografia elementar que vai desenhando os primeiros longos segundos de apresentação da personagem. Delicados riscos do corpo que fala por si só, sem apresentar a linguística que veio depois do manifesto corpo, a fala.

A cenografia, dois tamboretes xipofagados. O menor em que a mulher senta-se para contar a história e o maior que funciona como mesinha de centro, gaiola da ave e plataforma de segundo plano da cena, ao ganhar alguma perspectiva de alçar a personagem ao ambiente do céu da observadora.

Os elementos de contrarregra, um “galo”, guardado sob a mesinha, quando não está no campo de rinha, ou sendo remendado por sofrer as violências da solidão que povoa o mundo particular da mulher e seu bichinho de companhia inanimado. Também destaque para a bandeja que surge do tampo da mesinha e apoia a personagem garçonete da contadora da história.

 Na segunda medida a voz das personagens e as falas do enredo vêm-se assemelhando ao contexto das marcas de partituras do corpo que muito fala, seja para a velha, a filha trazida à memória regurgitada, a garçonete e o anjo que apresenta emblema + didático e redundante, enquanto a direção de dramaturgia espera deixar bem clara a presença do divino. A mulher que desce, do segundo plano, em envergado corpo de velhice é uma das imagens + significativas da construção da atriz à sua personagem. Parece corroer a divindade luminar à melancolia de anjo decaído

A intérprete prende a assistência pelos pequenos detalhes de insórdidas intervenções, que vão amiudando as intenções para torná-las melhor preenchidas de impressionismo coreográfico em expressão contida e justaposta, em alguns momentos. O texto surge na narrativa, com a emergência da contação do enredo e pesa, por vezes sóbrio ou menos sutil, em brusco dos sentimentos que a intérprete traz consigo, na justificativa das mulheres que angustia ou histrionia.

A quebra e mudanças do perfil das personagens encontram uma desconstrução ligeira, pragmática, para efeito, talvez, de não manter ligação vigorosa no desenho de nova experiência apresentada. Rompe com o desenho original de coreografia do silêncio inicial para dar dinâmica e certo humor de apelativo discreto, quando foge do drama apresentado.

O texto poderia parecer um retalhar de memórias, ou memórias esparsas e surgidas à medida que a exigência das lembranças são cogitadas. Há falas coletivas à solidão, amargura do esquecimento, sonhos e possibilidades versejadas e gestos de carinho machucador da própria ferida. Um quase absurdo que não quer gerar essa linguagem, só narrar pontos soltos ou se chocando nas sinapses da memória escavada.

A luz que se multiplica no grande círculo amarelo vai gerando efeitos sutis e representativos do mapa conquistado às terras de claros e resistências de média iluminação para valorizar a intérprete e sua hora e deixar que os olhos do público sejam conduzidos sem impactos que o desviem do redondo da história, do círculo das histórias narradas.

A música também ressignifica as mesmas presenças de memórias e lapsos de falhas destas, ou da humanidade na linha divisória das verdades e mentiras convincentes da narradora. O figurino simples, suporte para o exercício da atriz. Vai-se modificando a partir da linha, ou sublinha escrita nas falas representadas.

O galo inanimado, um subjetivo concreto do animal que divide as horas com a velha, não é ilustrativo do animal, mas tem + vida que se trazido o significante comum às nossas designações arbitrárias do mundo dos homens. O bichinho é cobrado, curado e engaiolado sob os cuidados da mão próxima que o alimenta com as migalhas do que come a mulher.

Nos detalhes da contação da história, nos seus silêncios representativos, em ilustrados movimentos do corpo, um misto de mímica em didático discreto de apresentação dos barulhos presentes nas falas sem texto oral, mas com oralidade maior do que em alguns momentos que o discurso textual domina a narrativa.


(Luciene Martins em "Galo de Rinha"/divulgação)

“Galo de Rinha” defende a diretora Alexandra Garnier e lança a atriz Luciene Martins na arena do jogo do fingimento em que, mesmo com alguns arranhões gerados na luta, esta sai
vitoriosa, principalmente na economia dos silêncios mastigados e a valorização da solidão povoada de presenças.

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