Justo e Delicado
por maneco nascimento
“Galo de Rinha”, espetáculo vindo
do Rio de Janeiro em concorrência ao 20º. FESTMONÓLOGOS – 2013 – Ano Lorena
Campelo, apresentou-se dia 7 de agosto de 2013, a partir das 16 horas, no palco
do Teatro João Paulo II para uma pequena plateia, mas com a mesma energia
concentrada que seria mostrada para um, ou um milhão de pessoas.
Com texto de Alexandra Garnier e
performance de Luciene Martins, a montagem carioca, justificada como humor dramático, se espalha sob duas medidas que emendam-se a mesmo propósito. O público
intervém na já cena pronta em que a personagem rumina as horas arrastadas, a
quase sentimento joãoguimarãesroesano de esperas do tempo abocanhar a próxima
centelha de segundos, na natureza mouca de “silêncio das línguas cansadas”.
O impacto ao público de
acomodação das pequenas imagens, construídas pela personagem, em detalhes de
desenhos corporais e de economia de teatro impressionista e calculado. A velha
observa o tempo passar, enquanto saliva a própria natureza passando a sua vista.
Há uma coreografia elementar que vai desenhando os primeiros longos segundos de
apresentação da personagem. Delicados riscos do corpo que fala por si só, sem
apresentar a linguística que veio depois do manifesto corpo, a fala.
A cenografia, dois tamboretes
xipofagados. O menor em que a mulher senta-se para contar a história e o maior
que funciona como mesinha de centro, gaiola da ave e plataforma de segundo plano da cena, ao
ganhar alguma perspectiva de alçar a personagem ao ambiente do céu da observadora.
Os elementos de contrarregra, um “galo”,
guardado sob a mesinha, quando não está no campo de rinha, ou sendo remendado
por sofrer as violências da solidão que povoa o mundo particular da mulher e
seu bichinho de companhia inanimado. Também destaque para a bandeja que surge
do tampo da mesinha e apoia a personagem garçonete da contadora da história.
Na segunda medida a voz das personagens e as
falas do enredo vêm-se assemelhando ao contexto das marcas de partituras do
corpo que muito fala, seja para a velha, a filha trazida à memória regurgitada,
a garçonete e o anjo que apresenta emblema + didático e redundante, enquanto a
direção de dramaturgia espera deixar bem clara a presença do divino. A mulher
que desce, do segundo plano, em envergado corpo de velhice é uma das imagens + significativas da construção
da atriz à sua personagem. Parece corroer a divindade luminar à melancolia de anjo decaído
A intérprete prende a assistência
pelos pequenos detalhes de insórdidas intervenções, que vão amiudando as
intenções para torná-las melhor preenchidas de impressionismo coreográfico em
expressão contida e justaposta, em alguns momentos. O texto surge na narrativa,
com a emergência da contação do enredo e pesa, por vezes sóbrio ou menos sutil,
em brusco dos sentimentos que a intérprete traz consigo, na justificativa das
mulheres que angustia ou histrionia.
A quebra e mudanças do perfil das
personagens encontram uma desconstrução ligeira, pragmática, para efeito,
talvez, de não manter ligação vigorosa no desenho de nova experiência
apresentada. Rompe com o desenho original de coreografia do silêncio inicial
para dar dinâmica e certo humor de apelativo discreto, quando foge do drama
apresentado.
O texto poderia parecer um
retalhar de memórias, ou memórias esparsas e surgidas à medida que a exigência
das lembranças são cogitadas. Há falas coletivas à solidão, amargura do
esquecimento, sonhos e possibilidades versejadas e gestos de carinho machucador
da própria ferida. Um quase absurdo que não quer gerar essa linguagem, só
narrar pontos soltos ou se chocando nas sinapses da memória escavada.
A luz que se multiplica no grande
círculo amarelo vai gerando efeitos sutis e representativos do mapa conquistado
às terras de claros e resistências de média iluminação para valorizar a
intérprete e sua hora e deixar que os olhos do público sejam conduzidos sem
impactos que o desviem do redondo da história, do círculo das histórias
narradas.
A música também ressignifica as
mesmas presenças de memórias e lapsos de falhas destas, ou da humanidade na
linha divisória das verdades e mentiras convincentes da narradora. O figurino
simples, suporte para o exercício da atriz. Vai-se modificando a partir da
linha, ou sublinha escrita nas falas representadas.
O galo inanimado, um subjetivo
concreto do animal que divide as horas com a velha, não é ilustrativo do animal,
mas tem + vida que se trazido o significante comum às nossas designações arbitrárias
do mundo dos homens. O bichinho é cobrado, curado e engaiolado sob os cuidados
da mão próxima que o alimenta com as migalhas do que come a mulher.
Nos detalhes da contação da
história, nos seus silêncios representativos, em ilustrados movimentos do corpo,
um misto de mímica em didático discreto de apresentação dos barulhos presentes
nas falas sem texto oral, mas com oralidade maior do que em alguns momentos que
o discurso textual domina a narrativa.
(Luciene Martins em "Galo de Rinha"/divulgação)
“Galo de Rinha” defende a
diretora Alexandra Garnier e lança a atriz Luciene Martins na arena do jogo do
fingimento em que, mesmo com alguns arranhões gerados na luta, esta sai
vitoriosa, principalmente na economia dos silêncios mastigados e a valorização
da solidão povoada de presenças.
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